Ao longo da manhã desta segunda-feira (15), representantes de entidades educacionais e religiosas apresentaram argumentos em relação ao ensino religioso nas escolas públicas. O debate prossegue ao longo desta segunda-feira na sala de Sessões da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) para subsidiar o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4439, em que a Procuradoria Geral da República questiona o ensino religioso confessional (aquele vinculado a uma religião específica) nas escolas da rede oficial de ensino do país. Confira abaixo o posicionamento das primeiras entidades a defenderem suas teses no evento.
Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação
O presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Roberto Franklin de Leão, foi o primeiro expositor na audiência pública. Ele ressaltou a importância de um debate democrático sobre o tema e afirmou que a posição histórica da CNTE, que reúne 48 sindicatos e representa 2,5 milhões de trabalhadores em educação, é que os cultos e religiões sejam transmitidos em espaços adequados para tanto. “Cada grupo religioso tem todo direito de organizar o seu ensino religioso, mas somos contra que esse ensino religioso seja praticado em espaços públicos porque o Estado brasileiro é laico. A escola não pode ser um local que privilegie essa ou aquela religião”, disse.
Segundo Franklin de Leão, a CNTE não é contra o estudo do fenômeno religioso nas escolas públicas, mas defende que esse estudo seja uma análise da religião por meio das matérias da grade curricular, como história, geografia, sociologia, dentre outras. Portanto, os professores dessas matérias são os mais adequados a transmitir esse conteúdo. “A laicidade do Estado é fundamental para que possamos manter a unidade da sociedade brasileira e a escola pública deve ser um espaço que reflita todos os espectros étnicos e religiosos da nossa sociedade”, concluiu.
Conselho Nacional de Secretários de Educação
Em seguida, o presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação (CONSED), Eduardo Deschamps, explicou que a entidade defende que o ensino religioso deve ser não confessional, e que, dada a importância da religião na sociedade brasileira, esse ensino deve ter um espaço específico nas escolas e ser ofertado por professores com formação própria na área. Segundo ele, isso já ocorre em pelo menos seis estados da federação: Pará, Paraíba, Rio Grande do Norte, Minas Gerais, Santa Catarina e Goiás.
Deschamps destacou que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) determina que o ensino religioso é facultativo e defendeu que o conteúdo programático da matéria seja definido com a participação de representantes de diversas religiões. “Várias experiências em estados da federação comprovam que é possível um ensino religioso que abarque os vários credos”, disse. Ele acrescentou que o legislador deve ouvir todas as denominações religiosas, sem discriminar qualquer uma, para construir um consenso para o ensino religioso e acrescentou que a escola “não pode abdicar do combate à intolerância religiosa”. Por fim, o presidente do CONSED ressaltou que a função social da escola pública em relação ao ensino religioso deve ser norteado pelos seguintes fundamentos: esclarecer sobre o direito à diferença, valorizar a diversidade religiosa e auxiliar alunos a terem convicções próprias, instigando o exercício da liberdade de expressão, de pensamento e de religião. “Nesse caso, o ensino religioso não cabe como ensino confessional.”
Confederação Israelita do Brasil
A professora universitária Roseli Fischmann, representante da Confederação Israelita do Brasil (Conib), defendeu a inconstitucionalidade do artigo da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) que trata do ensino religioso nas escolas públicas. Na sua avaliação, a ideia de ensino religioso não confessional não é um bom encaminhamento. “É um recurso semântico”, disse.
Segundo Roseli Fischmann, hoje, em alguns estados, os alunos são automaticamente matriculados na disciplina de ensino religioso e aqueles que não têm interesse precisam pedir sua exclusão. “A minoria não pode ser constrangida”, sustentou. Para a representante da Conib, os ateus precisam ser respeitados. “Esse é um exemplo paradigmático para definir os limites”, assinalou. Ela sugeriu que os grupos religiosos interessados em oferecer esse tipo de ensino na rede pública se organizem livremente e ofereçam o serviço ao Estado, mas sem obrigatoriedade. Ela relatou ainda que algumas unidades da federação incluem o ensino religioso no currículo do ensino médio, contrariando a Constituição Federal, que prevê apenas no ensino fundamental.
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
“O Brasil é um Estado laico, mas não é um Estado ateu, tanto que o preâmbulo da Constituição Federal evoca a proteção de Deus”, afirmou o representante da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Antônio Carlos Biscaia, na audiência sobre ensino religioso nas escolas públicas. O representante católico ressaltou que ensino religioso confessional não significa proselitismo religioso, ao destacar diferenças entre o ambiente escolar e o paroquial.
“A alegação de que laicidade do Estado é a única admitida é uma alegação equivocada, o ensino religioso é distinto da catequese”. O ensino religioso como disciplina tem uma metodologia e linguagens adequadas em ambiente escolar que é diferente da paróquia”, afirmou. Assim, a CNBB se manifesta contra a ação que questiona o ensino religioso nas escolas públicas brasileiras, defendendo os termos do acordo firmado entre a República Federativa do Brasil e a Santa Sé, garantido pelo Decreto 7.107/2010.
Convenção Batista Brasileira
O presidente da Convenção Batista Brasileira (CBB), Vanderlei Batista Marins, frisou que os batistas são “contrários ao ensino religioso nas escolas públicas em qualquer que seja o modelo”. Para ele, o país não tem religião oficial e, portanto, não deve cuidar de educação ou ensino religioso. “A posição do Estado deve ser de neutralidade e imparcialidade”, afirmou, ressaltando que, ao oferecer ensino religioso, o Estado altera tanto a concepção da religião e quanto a concepção do Estado laico.
Segundo Marins, o fato de a Constituição Federal garantir a previsão de oferta de ensino religioso, com matrícula facultativa, pelas escolas públicas de ensino fundamental, é uma herança da colonização e da Monarquia, que legou uma postura inadequada ao se tratar, no país, das distinções entre público e privado. “Essa prática não foi alterada com a República”, disse. Ele acrescentou que a gama enorme de credos existentes em nossa sociedade não permite que todos sejam contemplados nas escolas públicas. “À medida que unificamos o ensino religioso, falsificamos os dogmas ou as doutrinas que confessamos. O ecumenismo violenta a fé e fere o princípio das liberdades individuais”, advertiu.
Federação Espírita Brasileira
O representante da Federação Espírita Brasileira (FEB), Alvaro Chrispino, apresentou o posicionamento da entidade, que é contra o ensino religioso nas escolas. Entretanto, segundo ele, diante das opções apresentadas, a FEB defende o ensino não confessional nas escolas públicas. Chrispino argumentou que o ensino religioso deve focar-se, na verdade, no ensino da moral, da ética e na formação do indivíduo social. Segundo ele, censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) listou 147 modalidades diferentes de religiões no país, “o que torna impraticável a manifestação de todas no ensino público”.
Alvaro Chrispino ressaltou que os espíritas organizam todas as suas atividades de forma voluntária e oferecem ensinamentos a quem deseja conhecer a doutrina, sem precisar ir atrás de adeptos. “O que fazemos ao longo das décadas, sem nos utilizar dos espaços públicos, é oferecer o ensino da religião espírita a quem deseja”, pontuou. Para ele, “a família é a célula que deve prevalecer na formação do ensino religioso”, que, por sua vez, deve ser fortalecida nos ambientes religiosos.
Federação das Associações Muçulmanas do Brasil
O vice-presidente da Federação das Associações Muçulmanas do Brasil (Fambras), Ali Hussein El Zoghbi, propôs que o ensino religioso nas escolas públicas tenha um caráter ecumênico. “O conhecimento das diferenças é um pressuposto para afastar o preconceito. A religião tem a capacidade de contribuir com princípios éticos”, afirmou.
Para Ali Hussein, o conteúdo do ensino religioso deve ser elaborado por entidades representativas das religiões em conjunto com as escolas. Além disso, o currículo deve ser certificado e fiscalizado por organizações educacionais públicas. Ele também defendeu a qualificação de professores para ministrar a disciplina.
Fonte: STF