Entrevista – Álvaro Gonzaga reflete sobre democracia, ética e novos desafios do Direito

Em contagem regressiva para o seu 20º aniversário, o Jornal Estado de Direito dá continuidade ao ciclo especial de entrevistas com personalidades que marcam sua trajetória de compromisso com o pensamento crítico e a justiça social. Nesta edição, o destaque é o professor Álvaro Luiz Travassos de Azevedo Gonzaga, livre-docente em Filosofia do Direito pela PUC-SP, com pós-doutorados nas Universidades de Coimbra e Lisboa. Ele atua no Departamento de Teoria Geral do Direito e do Estado da PUC-SP e se tornou referência nacional em temas como ética na advocacia, direitos humanos, democracia digital, povos indígenas e teoria crítica do Direito.

Durante a entrevista conduzida por Carmela Grüne, Álvaro Gonzaga destacou os grandes dilemas enfrentados pela democracia brasileira diante da ascensão das fake news e da inteligência artificial generativa. Assista a seguir trechos da entrevista, em breve disponível no YouTube.

Sobre as eleições de 2026, ele foi incisivo:

“Vivemos hoje a era da pós-verdade. As fake news deixaram de ser apenas um problema: elas se tornaram um projeto político. Estamos num momento em que a relevância importa mais que a veracidade, e isso é extremamente perigoso. As pessoas não querem mais ouvir a verdade porque ela dói; preferem o conforto da mentira. A inteligência artificial pode ser um instrumento, mas jamais pode determinar nossa direção.”

Ao abordar os impactos da IA na educação, o professor defende a valorização da oralidade nos processos avaliativos como resposta ao uso indiscriminado de tecnologias nos cursos de Direito:

“Precisamos resgatar o exercício do pensamento autônomo. A IA não tem ética, ela tem ótica. Ela é perigosa quando molda nossas decisões com base em algoritmos de consumo e conveniência. A universidade precisa estabelecer limites e ensinar os alunos a pensarem por si.”

Sobre os desafios do Direito Antidiscriminatório, Gonzaga foi direto:

“Não basta dizer que não se discrimina. É preciso ser ativamente antidiscriminador. Nosso país tem uma base colonial escravocrata, e os corpos negros, indígenas e femininos continuam sendo subalternizados. A interseccionalidade nos mostra que há pessoas que carregam em si múltiplas vulnerabilidades – e o Direito precisa estar atento a isso.”

A entrevista também passou pela análise da teoria decolonial e o impacto da tese do marco temporal nas demarcações de terras indígenas. Álvaro assim observou:

“O marco temporal é uma aberração. É como tirar uma foto do Brasil em 5 de outubro de 1988 e dizer que só quem estava lá tem direito à terra. Isso ignora séculos de violência, expulsão e invisibilização dos povos originários. A teoria decolonial nos ajuda a enxergar essas cicatrizes históricas e a necessidade urgente de reparação”

Outro tema abordado com profundidade foi o deslocamento climático e os desafios ambientais na Amazônia. Em suas palavras:

“O coração do mundo está na Amazônia. Os rios são as veias desse coração. Estamos destruindo as bases da vida por ignorância e ganância. A COP30 precisa nos lembrar que não há negociação possível com a fome, com a miséria ou com a devastação ambiental. Ou mudamos o modelo, ou colapsaremos.”

Para Gonzaga, a memória e a resistência são elementos essenciais da democracia. Ao relembrar sua trajetória com o Jornal Estado de Direito, ele afirmou:

“O Jornal existe há mais tempo do que metade da vigência da nossa Constituição. Isso diz muito. A Constituição de 1988 ainda é jovem, e o Jornal foi um dos espaços que sempre defendeu a sua centralidade. Celebrar esses 20 anos é reafirmar o compromisso com a utopia democrática, com o pensamento crítico e com a luta por justiça social.”

Dentre suas inúmeras contribuições doutrinárias, destaca-se a obra Comentários ao Estatuto da Advocacia e Código de Ética, já em sua 9ª edição, referência nos tribunais de ética e disciplinas da OAB. Outra produção memorável foi sua coautoria no livro Comentários a uma Sentença Anunciada, que denunciou os vícios processuais no julgamento do ex-presidente Lula, reforçando o papel do Direito como escudo contra o arbítrio.

“O Direito precisa voltar a ser compreendido como um espaço de escuta, acolhimento e reparação. Precisamos de uma advocacia combativa, ética e comprometida com os direitos fundamentais. O Jornal Estado de Direito tem sido esse farol nesses tempos sombrios.”

A entrevista revela um jurista que alia erudição filosófica com prática engajada, e que não se furta de enfrentar os temas mais urgentes da atualidade, sempre com profundidade e humanidade. Álvaro Gonzaga é, sem dúvida, um dos grandes pensadores do nosso tempo – e sua voz segue sendo essencial para que o Direito continue sendo, como ele mesmo diz, “um caminho que liberta”.

Convite à celebração

A entrevista integra o ciclo comemorativo de entrevistas, publicações e atividades que culminará no Ato Festivo dos 20 anos do Jornal Estado de Direito. O evento pretende reunir 400 convidados e contará com homenagens, debates e uma edição especial comemorativa.
O professor Álvaro Luiz Travassos de Azevedo Gonzaga é um dos convidados de honra da celebração, reconhecido por sua contribuição ao pensamento crítico e à construção de um Direito mais democrático e humanista.

📍 6 de novembro de 2025
📍 Associação Leopoldina Juvenil — Porto Alegre/RS
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