Renata Malta Vilas-Bôas
Esse é um dos temas que muito preocupa os herdeiros. Pense na seguinte situação:
O pai faleceu e a mãe – viúva meeira – ficou morando na casa com um dos filhos – herdeiro desse pai já falecido. Esse herdeiro passa a cuidar da mãe, e fica ali até falecimento dela.
Enquanto a mãe estava viva, nesse nosso exemplo, ela estava exercendo o seu direito real de habitação. Com o falecimento da mãe, agora a casa pertence 100% aos herdeiros.
Os demais irmãos não se opõem que a irmã/irmão que ficou cuidando da mãe permaneça no imóvel e o tempo vai passando…
Com o passar do tempo, a contagem para a prescrição aquisitiva vai acontecendo … e assim, passo um tempo o herdeiro que ficou na casa pode requerer a usucapião. Ou ainda, a esposa do herdeiro que morava na casa e foi ficando nela, também tem legitimidade para requerer a ação de usucapião.
Ou seja, a resposta da pergunta formulada é: Sim ! É possível usucapir a casa que os pais deixaram de herança.
Você até pode deixar o irmão morando na casa, mas existe mecanismos legais para evitar que se tenha a contagem do prazo da prescrição aquisitiva.
Vejamos o caso abaixo, que foi objeto de apreciação pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais:
APELAÇÃO CÍVEL – USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA – IMÓVEL OBJETO DE HERANÇA – AQUISIÇÃO DERIVADA DA PROPRIEDADE – VIA INADEQUADA – SENTENÇA MANTIDA.
1. A ação de usucapião é meio pelo qual se busca o reconhecimento do domínio por aquisição originária da propriedade pelo exercício prolongado da posse com o ânimo de dono, sem sê-lo; enquanto, pelo direito de saisine, já se torna proprietário o sucessor, por vínculo material que se opera de pleno direito, bastando, tão somente, a regularização do título.
2. Na existência de composse em razão de herança, torna-se inviável a usucapião proposta pelos herdeiros porque, até o encaminhamento da partilha, o acervo patrimonial é indivisível.
3. Inviável o pedido de herdeiro que, sendo proprietário do imóvel usucapiendo pela via derivada, busca a aquisição pela via originária da usucapião, não restando demonstrada a necessidade e utilidade do provimento jurisdicional.
V.v. APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO – BEM IMÓVEL – OBJETO DE HERANÇA – POSSIBILIDADE DE USUCAPIÃO POR CONDÔMINO – REQUISITOS – PREENCHIMENTO – RECURSO PROVIDO.
– A ação de usucapião é via adequada ao herdeiro que pretende ver declarada a prescrição aquisitiva de imóvel, objeto da herança, em face dos demais herdeiros, desde que demonstre o preenchimento dos requisitos legais.
– O condômino (herdeiro) possui legitimidade para usucapir em nome próprio, desde que exerça a posse exclusiva do bem, e comprove os requisitos legais atinentes ao usucapião, com efetivo “animus domini”, pelo prazo determinado em lei, e sem qualquer oposição dos demais proprietários/condôminos.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0000.22.008212-7/001 – COMARCA DE CRISTINA – APELANTE (S): MARIA APARECIDA DA SILVA GOMES, MAURICIO GOMES
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 16ª Câmara Cível Especializada do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, VENCIDOS O RELATOR E O TERCEIRO VOGAL.
DES. RINALDO KENNEDY SILVA
RELATOR
DES. RINALDO KENNEDY SILVA (RELATOR)
V O T O
Cuida-se de recurso de apelação interposto em relação à sentença (documento eletrônico de ordem 19), proferida pelo MM. Juiz da Vara Única da Comarca de Cristina, que, em ação de usucapião ajuizada por (…), julgou improcedente o pedido, com resolução de mérito, e condenou os requerentes ao pagamento das custas processuais, suspensa a exigibilidade, em razão do benefício da justiça gratuita.
Em suas razões recursais no documento eletrônico de ordem 23, a parte requerente sustenta, em suma, que busca por meio da presente ação de usucapião, o reconhecimento e a declaração judicial do domínio da fração ideal de seu falecido irmão (…), do imóvel em condomínio entre eles, de transcrição nº 10.366, do Cartório de Registro de Imóveis de Cristina/MG.
Alega que o de cujus faleceu no estado civil de solteiro e não deixou herdeiros descendentes ou ascendentes.
Aduz que é o único irmão vivo do falecido, porém, existem sobrinhos, filhos de três irmãos também falecidos, que são herdeiros por representação, conforme prescreve o artigo 1.840 do Código Civil.
Afirma que os respectivos Espólios dos irmãos falecidos foram devidamente citados na pessoa de seus representantes legais, e não contestaram a ação.
Menciona que o conjunto probatório, notadamente pelos testemunhos colhidos, é robusto em confirmar que os apelantes exercem a posse total e exclusiva do imóvel, de forma mansa, pacífica e de forma ininterrupta, há mais de 20 (vinte) anos, ou seja, desde o óbito de Antônio Gomes Filho, ou seja, que essa posse nunca foi contestada por qualquer herdeiro do falecido Antônio.
É o relatório.
CONHEÇO DO RECURSO DE APELAÇÃO, posto que satisfeitos os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade.
MÉRITO
Cuidam os autos de usucapião extraordinário de quota parte de imóvel em condomínio, em razão do falecimento do outro condômino há mais de 20 anos, bem como por deter a posse mansa, ininterrupta, pacífica e com “animus domini”.
Compulsando os autos, verifico que razão assiste à parte apelante, pelas razões que passo a discorrer.
Sobre o usucapião extraordinário, assim dispõe o art. 1.238, do Código Civil, in verbis:
“Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.
Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.”
Segundo os ensinamentos de Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves, são requisitos formais e “essenciais a qualquer modalidade de usucapião em nosso ordenamento jurídico: o tempo, a posse mansa e pacífica e o animus domini”. (Manual de Direito Civil. 5. ed. rev., atual. e ampl. Salvador: JusPodivm, 2020, p. 1029).
No caso em exame, observo que restou demonstrado o preenchimento dos requisitos do usucapião extraordinário, como a posse dos requerentes desde o ano de 2001, de forma mansa, pacífica e com “animus domini”, conforme os demonstrativos de pagamento do IPTU referente ao imóvel em questão.
Vale ressaltar que não houve oposição, apesar de citados, de nenhum dos Entes Federados, dos confrontantes, bem como dos espólios e dos herdeiros por representação (sobrinhos). Oportuno destacar que o irmão falecido, que era condômino do imóvel juntamente com a parte requerente, não deixou herdeiros diretos.
Ademais, entendo que o condômino tem legitimidade para usucapir em nome próprio, desde que exerça a posse exclusiva com animus domini e sejam atendidos os requisitos legais do usucapião.
Esses são os ensinamentos de Francisco Eduardo Loureiro:
“(…) O entendimento dos tribunais é do cabimento da usucapião entre condôminos no condomínio tradicional, desde que seja o condomínio pro diviso, ou haja posse exclusiva de um condômino sobre a totalidade da coisa comum. Exige-se, em tal caso, que a posse seja inequívoca, manifestada claramente aos demais condôminos, durante todo o lapso temporal exigido em lei. Deve estar evidenciado aos demais comunheiros que o usucapiente não reconhece a soberania alheia ou a concorrência de direitos sobre a coisa comum.” ( Código civil Comentado: doutrina e jurisprudência: Lei 10.406, de 10.01.2002; Coordenador Cezar Peluso. 8 ed. rev. e atual. São Paulo: Manole, 2014, p. 1.129).
Noutro giro, entendo que não há que se falar em inadequação da via eleita e impossibilidade jurídica do pedido, ao fundamento de que a parte requerente já havia adquirido parte da propriedade do bem imóvel, por sucessão hereditária.
No caso, verifico que o imóvel objeto da ação já se encontrava constituído em condomínio entre a parte requerente (…) e seu falecido irmão, Sr. (…)
Assim sendo, verifico que a via eleita está correta e há possibilidade jurídica da parte requerente, haja vista ser possível ao herdeiro usucapir imóvel em condomínio entre herdeiros, quando, além de preenchidos os requisitos legais, ficar demonstrado o exercício da posse exclusiva e com “animus domini”, não sendo necessário ajuizar ação de inventário para tanto.
*Renata Malta Vilas-Bôas é Articulista do Estado de Direito, advogada devidamente inscrita na OAB/DF no. 11.695. Sócia-fundadora do escritório de advocacia Vilas-Bôas & Spencer Bruno Advocacia e Assessoria Jurídica, Professora universitária. Professora na ESA OAB/DF; Mestre em Direito pela UPFE, Conselheira Consultiva da ALACH – Academia Latino-Americana de Ciências Humanas; Acadêmica Imortal da ALACH – Academia Latino-Americana de Ciências Humanas; Integrante da Rete Internazionale di Eccelenza Legale. Secretária-Geral da Rede Internacional de Excelência Jurídica – Seção Rio de Janeiro – RJ; Colaboradora da Rádio Justiça; Ex-presidente da Comissão de Direito das Famílias da Associação Brasileira de Advogados – ABA; Presidente da Comissão Acadêmica do IBDFAM/DF – Instituto Brasileiro de Direito das Familias – seção Distrito Federal; Autora de diversas obras jurídicas. |
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