Direitos de todos à educação

Artigo publicado na 43ª edição do Jornal Estado de Direito

Direitos de todos à educação

Pedro Demo (setembro de 2014)

Com a recente divulgação dos resultados do Ideb para 2013, tivemos uma espécie de ducha de água fria. Nos anos iniciais do ensino fundamental, a educação pública avançou um pouquinho, de 5.0 em 2011 para 5.2 em 2012 (fincando este resultado bastante acima da meta, de 4.9); nos anos finais, de 3.9 para 4.0 (já abaixo da meta, que é de 4.1) ; e nos ensino médio, permaneceu parada em 3.4 (também abaixo da meta de 3.6). São resultados pífios, para dizer o mínimo. Mas a maior decepção foi a escola privada, que, mesmo mantendo cifras mais elevadas que a escola pública, denota estar esgotada em seu modelo pedagógico: nos anos iniciais do ensino fundamental, passou de 6.5 em 2011 para 6.7 em 2012, abaixo da meta de 6.8; nos anos finais, passou de 6.0 para 5.9, regredindo um pouco, e bastante abaixo da meta de 6.5; no ensino médio, passou de 5.7 para 5.4, uma queda ainda mais acentuada, e bem abaixo da meta de 6.0. Este resultado de 5.4 em 2013 estava abaixo daquele de 2005, de 5.6. Se levarmos em conta que a trajetória da escola privada no ensino médio foi de 5.6 em 2005, 5.6, em 2007, 5.6 em 2009, de 5.7 em 2011 e de 5.4 em 2013, o sentido já não seria de mera estagnação, mas de queda flagrante. Voltando aos anos finais do ensino médio, a escola privada teve o resultado de 5.8 em 2005 e de 5.9 em 2013, indicando também estagnação pelo menos, em especial quando se confronta com o resultado de 2011, que foi de 6.0.

Minha hipótese é de que o “sistema de ensino” brasileiro caducou – é um proposta falida, fincada no “instrucionismo” (repasse mimético de conteúdo via aula copiada para ser copiada), totalmente à deriva das teorias mais reconhecidas de aprendizagem (como construtivismo, sociointeracionismo, autopoiese, maiêutica, pedagogias críticas etc.) e inspirada na prática nacional dos “cursinhos”: estes são uma fábrica de decoreba inconsequente, inventada para passar em vestibulares e concursos públicos; sua “pedagogia”, porém, é patrimônio da escola pública e privada, bem como da universidade, onde, a rigor, “só temos aula” – nem os professores são expertos que sabem aprender, pesquisar, elaborar, exercitar autoria, muito menos os estudantes se dedicam a tais desafios. Existem ilhas de pesquisa em universidades federais, algumas estaduais de maior nível, em pouquíssimas universidades privadas (como algumas PUCs), mas a moda geral é dar/frequentar aula. Grande parte dos professores dá qual sem qualquer autoria, indicando ser plágio notório. Numa série histórica do Ideb (antes Saeb) aparece uma queda imensa no desempenho escolar em 1999, logo após termos passado o ano letivo para 200 dias: os dados “insinuam” que aumentar aula é contraproducente; mas, como somos fanáticos de aula, logo inventamos um nono ano (não para alargar a oportunidade de aprender), e o MEC há dois anos aprovou mais 20 dias de aula anuais. Nada contra, se fossem 220 dias de “aprendizagem”, não de aula.

O resultado disso? Cito dois dados que me perturbam muito. “Todos pela educação” divulgou que estudantes concluintes do ensino médio que sabem matemática são apenas 10%. E o Instituto Paulo Montenegro divulgou tabela desvelando que “alfabetizados plenos” no Brasil adulto são 26%. Neste sentido, diria que o Ideb de 2013 colhe o que estamos plantando há um século. O MEC maneja a noção da escola “ciclada”, propondo alfabetizar a criança em até três anos. Notando a dificuldade extrema que crianças, sobretudo pobres, têm de se alfabetizarem, ao invés de procurar oferecer uma escola à altura deste desafio, rebaixa-se a expectativa, não porque exista alguma criança que necessite de três anos, mas porque a escola não “dá conta”. “Todos pela educação” mostrou também que, após três anos, o desempenho das crianças em matemática ficou em 42% (sequer metade sabia). É típica pedagogia pobre para o pobre. Ninguém mais que a criança pobre precisa alfabetizar-se no 1o ano, sem falar de seu atraso estrutural que precisa ser enfrentado com devida qualidade educacional da escola. É preciso, naturalmente discutir que “alfabetização” cabe no 1o ano, um tipo de iniciação em letramento que vai se aperfeiçoando na vida e nunca se completa. O que incomoda é a venda de um charme teórico aparentemente avançado, mas que é, na prática, uma impiedosa velharia.

Sequer 20% dos professores de física têm curso de física; perto de 30% em química; pouco mais que isso em matemática, indicando um déficit que o Estado não soube (quis) enfrentar. Ano passado, o Ministro, condoído com tal situação, propôs um plano para atrair jovens para ciência e matemática (Quero ser Pesquisador, Quero ser Professor), acenando com uma bolsa de R$ 250,00. Tivemos a impressão que estava confundindo com o Bolsa-Família! De fato, se alguém enfrenta um curso de matemática na expectativa de um piso salarial de R$ 1.700,00, só mesmo se não souber matemática! É de lei o direito à educação (agora alastrada do ensino fundamental para o pré-escolar também), mas, como dados indicam, é direito espezinhado sistematicamente, gerando um círculo vicioso clássico: o sistema político-econômico não muda, porque as pessoas não possuem qualidade educacional satisfatória e educação não anda por conta desse mesmo sistema político-econômico. Queremos gatar 10% do orçamento em educação, mas proposta que aplaudimos. Mas, não vai servir para nada se investirmos no disparate atual. Embora seja mote neoliberal, é bom lembrar: a riqueza maior de um país são seus cidadãos educados.

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