Bullying como ferramenta pedagógica? Repensando o aprendizado

Coluna Assédio Moral no Trabalho

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“Você é um merda com lábio de viado, sem valor, sem amigos, cuja mamãe deixou papai quando percebeu que ele não era Eugene O’Neill, e que agora está chorando e babando em cima do meu kit de bateria como uma garotinha de nove anos!” (Professor Fletcher em Whiplash – Em busca da perfeição)

Principio este texto com Whiplash – Em busca da perfeição. Trata-se de um premiado longa-metragem estadunidense escrito e dirigido por Damien Chazelle (2014). Conta o filme a trajetória de Andrew Neiman, um estudante baterista de jazz do melhor conservatório dos Estados Unidos que se pretende ser um dos grandes músicos, tendo como ídolo Buddy Rich. Em paralelo, há Terence Fletcher, um educador do conservatório. O mestre, implacável com seus alunos, está à caça de músicos para a banda da escola. Assim, recruta Andrew Neiman, porém os métodos torturantes do maestro podem ser demais para o jovem. Diz-se que, existem traços autobiográficos no roteiro escrito pelo diretor, que também foi um aspirante a baterista e sofreu com o Assédio Moral de um docente.

Foto: Unsplash

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A película enfim, discute delicada temática: o Assédio Moral manejado como instrumento de ensino. O Bullying como caminho para a genialidade. O terror psicológico como móvel para o virtuosismo.
Noutras palavras:
“Tal filme provoca questionamentos acerca do trajeto de formação do aluno ambicioso em busca da excelência técnica reconhecida, da importância do mestre nesse desafio e do apoderamento da moral pelo maestro assediador. Enquanto o artista em formação tenta superar-se além-do-humano, submete sua moral de maneira heterônoma à volição do assediador.” (1)
Ao assistir o drama, depreende-se incontestavelmente a violência experimentada pelo educando, que alcança os danos mental, físico e social. Tapas no rosto para marcar o ritmo de uma música, curativos e feridas nas mãos sangrentas e humilhações insultantes são a tônica do vivido pelo musicista vítima.
Hodiernamente, parece-nos tudo isto uma afronta aos princípios pedagógicos vigentes. Ressuscita a “pedagogia da palmatória”, distanciando-se da educação humanista.
E, sublinhe-se, o perfeccionismo imposto pelo mestre resta por oprimir e traumatizar e, quiçá, tornar a vítima um futuro assediador a replicar tais meios retrógrados com indiscutível perpetuação de prejuízos psicossomáticos.
Recorde-se que, no mencionado filme, conta-se a história de outro aluno do maestro Fletcher – Sean Casey – que, supostamente teria morrido em acidente de carro, porém, ao final, descobre-se que se suicidou diante do Bullying sofrido.
Igualmente, na seara dos direitos e garantias constitucionais, tais comportamentos assediantes são reprováveis.
É importante contudo, perceber a submissão psicológica do discípulo na procura da excelência artística célebre.
O assediador é temido mas, respeitado. Sua experiência e conhecimento atrelados ao autoritarismo acarretam na vítima, o sentimento de servidão. A subjetividade e os critérios próprios do assediador colocam-no numa posição inalcançável e de absoluto controle.

Manipulação do assediador

A crueldade do assediador alimenta-se da busca de aprovação da vítima. É uma espiral crescente. O sadismo aumenta à medida que a vítima sucumbe.
O assediado vítima por vezes, parece vislumbrar no comportamento abusivo e psicopata uma “nobreza”. Ciente de estar violentando o outro, o assediador traveste-se sob alguma falaciosa justificativa, neste caso, de rígido profissional que persegue tão somente uma melhor qualidade, um benefício enfim. E a vítima, culpando-se, é engolida pela manipulação.
A perfeição técnica inatingível substitui-se pela aceitação aos olhos do assediador. A prisão fecha-se. A saída tornar-se-á tão dolorosa quanto o pavor vivenciado. As cicatrizes demorarão para se formar…
Preocupante é que, todo o narrado não se circunscreve ao mundo ficcional.

Foto: Pixabay

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Recentemente, um escândalo envolveu outro grupo de artistas. Em uma pesquisa inédita realizada entre os bailarinos na prestigioso balé da Ópera de Paris, denúncias generalizadas de assédios moral e sexual revelaram mais esta faceta do Bullying: 77% dos 132 bailarinos afirmaram ter sido vítimas de assédio moral ou presenciado tais comportamentos e 26% denunciaram ter sido vítimas de assédio sexual ou testemunhado um ato desse tipo. (2)
O Bullying não pode ser visto como fenômeno legítimo para a construção social, como inexorável pedagógico/instrutivo.
O Assédio Moral sempre é, antes de mais nada, relação assimétrica de poder, dominação, violência e sadismo.
Ainda que disciplinar, em terminologia, confunda-se com controlar, atualmente, não há justificativas para uma pedagogia despótica, arbitrária e injusta.
O novo paradigma educacional transcende a violência como valor na aprendizagem. Cuida-se de abordagem horizontal e democrática que não coisifica o outro, viabilizando a capacidade criadora como estratégia para a genialidade.
O instigador filme encerra todavia, com uma odiosa mensagem do imoral professor: “Eu nunca pedirei desculpas por como tentei.”

Referências:

(1) Disponível em: http://www.ufrgs.br/sefim/ojs/index.php/sm/article/view/473/362. Acesso em 27 jul. 2018.
(2) Disponível em: https://g1.globo.com/pop-arte/noticia/bailarinos-da-opera-de-paris-denunciam-intimidacao-e-assedio-sexual.ghtml. Acesso em 27 jul. 2018.

Ivanira
Ivanira Pancheri é Articulista do Estado de Direito, Pós-Doutoranda em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (2015). Graduada em Direito pela Universidade de São Paulo (1993). Mestrado em Direito Processual Penal pela Universidade de São Paulo (2000). Pós-Graduação lato sensu em Direito Ambiental pela Faculdades Metropolitanas Unidas (2009). Doutorado em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (2013). Atualmente é advogada – Procuradoria Geral do Estado de São Paulo. Esteve à frente do Sindicato dos Procuradores do Estado, das Autarquias, das Fundações e das Universidades Públicas do Estado de São Paulo. Participa em bancas examinadoras da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo como Professora Convidada. Autora de artigos e publicações em revistas especializadas na área do Direito. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Penal, Processual Penal, Ambiental e Biodireito.

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