Aloizio Pedersen é idealizador e coordenador do projeto Artinclusão no AR7
Em nossa oficina, “D”, de 10 anos, comparecera como nas duas anteriores: a mais quieta, silenciosa e obstinada participante. Meticulosa, sempre a última a terminar seus trabalhos, mas nessa oficina, sobre Alfredo Volpi, quando escolheu a obra “Sereia” para reler.
Da sua obra, muitas coisas me chamaram a atenção, em função dos acréscimos que fez na obra:
– na mitologia grega essa personagem é metade mulher e metade peixe, sua figura mais comum e conhecida, a qual Alfredo Volpi se baseou.
– na mitologia egípcia é metade mulher e a outra metade pássaro. E “D” conseguiu juntar as duas mitologias numa só!
Sua sereia é humana, peixe e pássaro: um profundo mergulho no inconsciente coletivo.
– sobrevoa a água, símbolo da emoção, intuição e percepção mental, o que muito caracteriza essa linda e triste menina, de grandes olhos negros, sempre iluminados por muita viscosidade, como se a qualquer minuto fosse escapar uma lágrima.
– no elemento ar, voando, acrescentando o aspecto racional/mental a figura que está criando.
Esta personagem, com duplo poder de nadar e voar, reforça sua própria representação do poder feminino, sua independência e rebelião.
Conta a mitologia que elas raramente aparecem e quando o fazem é porque tem certeza, que estão diante de um coração verdadeiro.
Será que sua autora da obra está nos enviando uma mensagem inconsciente que está se sentindo segura nesse espaço? E que percebe nossas intenções como verdadeiras?
Sua personagem emerge em um cenário infantil, acrescido pelas bandeirinhas que também não estavam no original, nem o círculo de proteção da parte humana da sereia. As meias-lua, que no original seriam as ondas do mar, agora se aproximam de: penas? lágrimas? perdas?
De qualquer forma ela está ressignificando seu mundo, suas vivências, inimagináveis para nós, onde até empaticamente tenho dificuldades de me colocar!
“D” está se fortalecendo, simbolicamente, através desta potente ferramenta do desenho e da pintura. Aquele círculo de proteção que sai da cabeça/mente de sua personagem, alivia um pouco a minha emocionalidade em relação a ela. Está se reerguendo.
Perguntei em que série cursava: “- 4ª série”. Senti que estava diante de uma fortaleza, na forma de uma linda menina triste de olhos grandes, negros e brilhantes.
Acrescentei fotos de sua participação nas duas oficinas anteriores, para perceber que tudo começou com o “Olho” de Miró, depois os espaços estruturantes de Mondriam, até sua sereia, relida de Volpi.
Essa a importância do Método do projeto Artinclusão estar em um espaço tão delicado como o Abrigo AR7 que acolhe crianças e adolescentes em sofrimento psíquico, vítimas de extrema vulnerabilidade, para dar-lhes uma mão, para auxiliar a encontrarem equilíbrio emocional/racional diante das decisões judiciais sobre suas vidas, num atendimento arteterapêutico complementar ao oferecido pela Fasc e financiado pelo Fumproarte/Pfrefeitura Municipal.