Análise das metas dos programas de Melo e Marchezan para a segurança

Coluna Democracia e Política

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Foto: Evandro Oliveira/Seduc

Foto: Evandro Oliveira/Seduc

Conceitos diferentes

Os programas de Sebastião Melo (PMDB) e Nelson Marchezan (PSDB) disponibilizados nos sites dos candidatos na internet contém 9 metas cada um para o campo da segurança pública. Aparentemente, ambos programas são iguais, mas lendo-os com mais atenção, constata-se que as metas dos candidatos revelam conceitos diferentes de segurança, o que pode ser considerado essencial para aperfeiçoar a segurança pública em Porto Alegre e ser um critério definidor para o cidadão na escolha entre um e outro candidato.

A segurança é um problema de natureza complexa, que envolve diferentes órgãos e atores e divisão de responsabilidades entre os entes federados. Localizar a atuação do município em um sistema nacional de segurança é a primeira tarefa dos candidatos. Por esta razão, a primeira característica que se destaca nos planos dos candidatos é o foco das propostas.

Foco das propostas

Enquanto que o candidato Sebastião Melo organizou suas metas de forma orgânica, hierárquica e com uma visão sistemática, Nelson Marchezan preferiu incorporar temas da agenda pública em suas metas. Isso fica claro pela definição, em primeiro lugar, pelo candidato Sebastião Melo, da meta da construção do Plano Municipal de Segurança, que já é adotado em municípios como Bento Gonçalves e Caxias. Afirma taxativamente que sua meta é:”  Implantar o Plano Municipal de Segurança, com integração de esforços e recursos municipais, estaduais e federais.”.

Enquanto isso, Nelson Marchezan Jr, ao contrário, desconhece que elencou elementos que são integrantes de um Plano Municipal de Segurança quando estabelece como metas o que são, na realidade, compromissos que devem ser assumidos pelo poder público. Se não, qual seria o sentido das seguintes metas do governo Nelson Marchezan Jr como” assumir a segurança como uma responsabilidade da prefeitura”; “gerar emprego e renda como porta de saída do crime, das ruas e das drogas”; “garantir segurança no transporte público, implantando tecnologia para identificação facial e combate ao crime”; “integrar ações de segurança da guarda municipal às ações de assistência social, saúde e educação”  e “dar continuidade à melhoria na iluminação pública e retomar o patrulhamento ostensivo da Guarda Municipal em praças e parques” se não cinco metas que já respondem por mais de 50% das propostas, e , no entanto, deveriam ser parte de um Programa Municipal de Segurança?

Essa definição apressada de ações, essa incapacidade de ver o todo em primeiro lugar substituída pela necessidade de atender as demandas públicas fragmenta o conjunto das metas de Nelson Marchezan. A primeira porque é um objetivo genérico de plano de segurança; a segundo é um objetivo transversal de administração; a terceiro, ainda que transversal, é direcionado a EPTC e seus recursos; a quarta, também visa a interdisciplinariedade das instituições.

Fonte: Câmara Notícias

Fonte: Câmara Notícias

Qual é o foco de Nelson Marchezan?  a construção de políticas públicas em caráter interdisciplinar, sim, o que é desejável. O seu problema é que,  justamente pela ausência do objetivo de um Programa Municipal de Segurança, que deveria vir em primeiro lugar, com isto, Marchezan revela que atua no varejo, na demanda imediata da população, e é incapaz de ter uma visão de conjunto dos problemas. Mas como governante, seu papel não é dar respostas imediatas, porque temporárias, mas fomentar políticas que possam ser duradoras, daí a necessidade de um Plano Municipal de Segurança. Se não tem Plano de Segurança, ou não almeja construí-lo, seu projeto de governo para a área é fraco.

Outra característica que fica evidente no modo de exposição das metas dos candidatos Sebastião Melo e Nelson Marchezan  e decorrente da ausência de uma visão de conjunto do segundo, é que enquanto Sebastião Melo foca sua metas no que é essencial a construção de políticas públicas de segurança, Nelson Marchezan foca suas metas em aspectos secundários. O aspecto central de qualquer programa de governo sempre é definir responsabilidades e prever recursos financeiros e humanos. Como estes aspectos aparecem nas metas dos programas dos candidatos? Sebastião Melo  define e assume para sí quando afirma que sua meta é “  Fortalecer o Gabinete de Gestão Integrada Municipal que terá a coordenação direta do prefeito”. Quer dizer, identifica no organograma da secretaria um órgão ao qual pode ser cobradas responsabilidades.

A quem pode ser cobradas?

E a quem pode ser cobradas responsabilidades no programa de Nelson Marchezan? Ele diz o seguinte: “ Unir os sistemas de segurança Municipal, Estadual e Federal, criando um protocolo de ação conjunta (grifo meu) entre a Prefeitura, Polícia Civil, Brigada Militar e Polícia Federal. Quer dizer, enquanto que para Sebastião Melo é um órgão, para Nelson Marchezan é um protocolo. Quer dizer, na minha opinião, o Programa de Marchezan quer  assumir o controle dos processos que envolvem diferentes instâncias, o que seria desejável, exceto pelo fato que o município não exerce controle sobre Estado e União, exerce pressão política. Por esta razão, Marchezan substitui um órgão de governo por um protocolo (de intenções?), por acordo entre diferente esferas administrativas. Marchezan poderia ter enunciado os responsáveis mas não o faz, e esta ausência é a forma etérea de tratar a segurança pública, sem responsáveis, o que torna frágil sua proposta de governo para a área. As metas são imprecisas e vagas. Falta um sujeito administrativo atuante.

Previsão de recursos

As metas relativas a previsão de recursos orçamentários é outro ponto importante para comparação entre os programas. Apesar do candidato Nelson Marchezan afirmar em seu programa que fará investimentos no campo da segurança, de fato nas metas de seu programa o candidato não estabelece nenhuma visível quanto a isto, ao contrário do programa de Sebastião Melo, que prevê entre suas metas ”criar o Fundo Municipal de Segurança, com recursos públicos e privados, para garantir os investimentos permanentes nessa área” [e] “ampliar os investimentos em iluminação pública, tanto em vias públicas como nas áreas verdes, permitindo a ocupação e livre circulação, com mais segurança nesses espaços “. Nelson Marchezan sequer menciona, o que poderia ter feito, aumento  percentual dos recursos da Secretaria Municipal de Segurança (SMSeg).

Foto: Prefeitura de Porto Alegre

Foto: Prefeitura de Porto Alegre

Recursos humanos

O outro aspecto das metas onde o candidato Sebastião Melo se sai melhor em sua definição é quanto aos recursos humanos. Ele apresenta como meta neste sentido “aumentar o efetivo e qualificar a capacitação da Guarda Municipal, com o estabelecimento, por lei a ser encaminhada a Câmera de Vereadores, de idade máxima para o ingresso na corporação, utilizando o critério da Brigada Militar”. Não há nenhuma meta em relação a aumento de efetivo no programa do candidato Nelson Marchezan, ele sequer se posiciona se tem interesse ou não em chamar os aprovados no último concurso na Guarda Municipal que fizeram recentemente movimento para chamar a atenção para sua situação.  Se Melo quer aumentar o efetivo, se subentende que chamará os aprovados, o que  não é evidente nas metas do programa Nelson Marchezan.

Parcerias e convênios

Uma meta presente em ambos planos de governo refere-se a capacidade de ampliar parcerias e estabelecer convênios com outros órgãos e instituições para o desenvolvimento de programas. O programa de Sebastião Melo apresenta como meta “ampliar convênio de cooperação com a Brigada Militar para garantir aumento do efetivo em Porto Alegre, priorizando regiões com maiores incidências de criminalidade.” Já apontamos que Marchezan apresenta como meta o que consideramos estratégia de um plano de segurança municipal quando fala de “protocolo de ação”, restando para considerar como proposta de convênio a meta de “fomentar e integrar as pesquisas universitárias em segurança às políticas públicas”, o que pressupõe, convênios com universidades. Esta meta é positiva nas proposta de Nelson Marchezan Jr, e de fato, a universidade possui centros de pesquisa e excelência que devem colaborar com o poder público.

Entretanto, esta meta desconhece que a Prefeitura Municipal de Porto Alegre já possui um Setor de Estudos e Pesquisas (http://www2.portoalegre.rs.gov.br/smseg/default.php?p_secao=15). Este setor já tem realizado estudos e conforme as informações do site da Prefeitura, são os seguintes as pesquisas realizadas pela Assessoria de Pesquisa e Formação:” Pesquisa de Opinião “O que pensam os Guardas Municipais de Porto Alegre” (2008); Autora: Beatriz Morem da Costa; Instituição: Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Segurança Urbana; Financiamento: Secretaria Municipal de Direitos Humanos; Pesquisa Avaliação do Programa Municipal de Execução de Medidas Socioeducativas em Meio Aberto (PEMSE) (2010) Autora: Beatriz Morem da Costa;Instituição: Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Segurança Urbana; Financiamento: Convênio 037/2006 Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República”.

Por outro lado, o site informa que também foram realizadas pesquisas contratadas pela Secretaria Municipal de Segurança como as seguintes “Pesquisa de Vitimização nas 16 Regiões do Orçamento Participativo (2006); Coordenadoras: Beatriz Aguinsky e Patrícia Grossi Instituição: Faculdade de Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.; Financiamento: Convênio 028/2004/SENASP/MJ”. Quer dizer, o mínimo que o candidato Nelson Marchezan poderia fazer em meu entendimento é afirmar ou defender a utilização de pesquisas e estudos já realizados na secretaria – ele afirma isso eventualmente em seu discurso de programa de televisão, sem afirmar exatamente quais. Esse exemplo mostra a importância de um candidato, como faz Sebastião Melo, contextualizar suas metas com um diagnóstico, com o estado atual da arte da área em questão, o que não acontece nas metas propostas por Nelson Marchezan Jr.

Foto: Leandro Anhelli/Wikipedia

Foto: Leandro Anhelli/Wikipedia

Papel dado a tecnologia

Outro  ponto de comparação entre as metas dos programas de Sebastião Melo e Nelson Marquezan está no papel dado a tecnologia. Ambos a valorizam, interessa saber como e quais as consequências. Sebastião Melo aponta duas metas  nesse campo. A primeira refere-se ao cercamento e monitoramento de espaços da cidade “ realizar o cercamento eletrônico com videomonitoramento nos principais parques e praças da cidade, ampliando a ação iniciada no Parque Marinha e na Redenção”. O mesmo tema é proposto por Nelson Marchezan Jr:”implantar o sistema de cercamento eletrônico nas entradas e saídas de Porto Alegre, facilitado pelos 78 km de orla do Guaíba que envolvem nossa Capital.” Qual a diferença: enquanto que Sebastião Melo deseja proteger a sociabilidade, e por esta razão, privilegia os espaços de convívio, as praças e parques, Nelson Marchezan deseja exercer controle sobre a circulação. A diferença está no fato de que, enquanto num você é protegido, no outro você é controlado, enquanto em um você é objeto de um cuidado, no outro você é objeto de exercício do poder. Observe que neste ponto, Nelson Marchezan fala apenas em cercamento eletrônico: haverá câmeras? Marchezan silencia nas metas.

Metas de tecnologia

O último ponto de comparação refere-se a metas de tecnologia  “ integrar tecnologia e sistemas de videomonitoramento do município, o CEIC, e o do Estado, ampliando a cobertura e garantindo mais agilidade no atendimento de ocorrências”, integrante do programa de Sebastião Melo.  Como meta é decorrente das anteriores que fortalecem o órgão gestor e os recursos financeiros,  é uma meta que exigirá investimentos também previsto, tópico ausente nas metas do candidato Nelson Marchezan. Além disso,  ainda que este último apresente como novidade a meta de “ usar todos os pardais e lombadas eletrônicas existentes e integrá-los à Brigada Militar, Polícia Civil e Polícia Rodoviária, para identificar os veículos roubados e mapear a rota dos crimes e das fugas” ela ainda é decorrente do principio de controle que o candidato deseja ver em prática na cidade: agora, os olhos do controle são também exercidos por pardais e lombadas eletrônicas da capital.

“Sob Suspeita”

Há um seriado chamado Person of Interest, que no Brasil recebeu o título de  Pessoa de Interesse, mas cujo nome em Portugal  é muito mais interessante, porque é Sob Suspeita, e que ajuda a entender um pouco mais o entendo como o pressuposto, a visão de segurança pressuposta nas metas do programa de Nelson Marchezan.  A série de televisão criada por Jonathan Nolan e produzida por J. J. Abrams é protagonizada por Michael Emerson (Lost) e Jim Caviezel (Paixão de Cristo). Caviezel é John, ex-morador de rua que na verdade é também um ex-militar, e Emerson é Finch, um homem misterioso  e ambos passam a atuar juntos na prevenção de crimes envolvendo pessoas consideradas ‘irrelevantes’  com uma base de tecnologia, segurança e violação da privacidade. O problema é que ao longo de toda a serie, destaca-se a inteligência artificial, a tecnologia, como algo mais importante que as pessoas, e aí está a chave para entender a falha do programa de Nelson Marchezan: o que o torna fraco em meu entendimento é que, em sua ânsia por valorizar a tecnologia ele esquece das pessoas, o que o seriado, de alguma forma, tentou resgatar. Nesse sentido, Nelson Marchezan e nosso Finch, um homem obcecado por fazer o bem, mas que usa um recurso tecnológico que termina por substituir seu verdadeiro objetivo, salvar a humanidade.

Foto: Depthfield/Wikipedia

Estado Democrático ou Estado Policial

Porque isso acontece? Tudo está lá no plano municipal de segurança, onde define-se o tipo de sociedade e o lugar da segurança que se deseja, se garantidora dos direitos sociais ou garantidora de um estado policial. O problema já é dado pelo Art. 144 da Constituição Federal, porque nele se lê que “a segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: polícia federal; polícia rodoviária federal; polícia ferroviária federal; polícias civis; polícias militares e corpos de bombeiros militares”. Ou seja, só lendo a nossa constituição, já vemos que a  segurança pública nasce como um problema de polícia. Ainda que a ascensão dos direitos humanos tenha procurado modificar esta concepção, é ela que ainda vige subterrânea da proposta de Nelson Marchezan, de que a Prefeitura tem o papel de reforçar o poder de polícia da….polícia!

Lendo as metas do programa de Sebastião Melo, constato que sua resposta é não! Seu plano é abrangente e sistêmico, ao contrário do programa de Nelson Marchezan, baseado nas demandas imediatas da sociedade e na visibilidade das propostas. Ele esquece que há outras medidas de caráter abrangente, interinstitucional que demandam de agentes públicos específicos – o gestor, recursos humanos e financeiros – definidos claramente nas metas do programa do candidato Sebastião Melo e que ficaram vagos na proposta de Nelson Marchezan. A única certeza que seu programa coloca é o papel dado a tecnologia: ela não vai diminuir o sentimento de insegurança, ela pode inclusive amplia-lo, porque agora, o cidadão saberá que qualquer câmera, como em Person of Interesse, poderá ser objeto de visão. Por isso prefiro a tradução do seriado em Portugal, Sob Suspeita: não é exatamente dessa forma que trata Nelson Marchezan seus cidadãos em suas metas? Com o uso de tecnologia, ele não age como o personagem Finch do seriado, ele não coloca todos os cidadãos sob suspeita sob a desculpa de que está implantando seus sistemas de segurança na capital?. Este excesso, como afirma o sociólogo Jean Baudrillard é que termina por matar seu objeto,  que esvazia o conteúdo democrático de suas metas de segurança pública. Com a palavra, Nelson Marchezan.

 

downloadJorge Barcellos é Articulista do Estado de Direito, responsável pela coluna Democracia e Política – historiador, Mestre e Doutor em Educação pela UFRGS. É chefe da Ação Educativa do Memorial da Câmara Municipal de Porto Alegre e autor de “Educação e Poder Legislativo” (Aedos Editora, 2014). Escreve para Estado de Direito semanalmente.
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