Distanciamento social e desalienação – o risco de uma nova era e que assombra os grandes empresários

Rafael da Silva Marques, Juiz do Trabalho

 

 

 

       Este texto tratará de um tema bem em voga neste momento. O fará, contudo, de forma diferente, com um viés um pouco mais marxista, mas ainda assim importante e que dá destaque a elementos até então não debatidos, a meu ver, de forma suficientemente séria e intensa.

       Serão poucas linhas, até para não fatigar por demais o leitor, já bombardeado por temas e textos.

       Não me parece que o grande empresariado nacional esteja realmente preocupado com micro, pequenas e médias empresas quando pede o retorno da atividade econômica de forma imediata.

       A questão me parece ser outra.

       Contrariando a Organização Mundial da Saúde, cientistas e demais autoridades sanitárias e acadêmicas, o grande empresariado, trazendo a reboque micro, pequenos e médios empresários não busca zelo, abrigo, proteção ou está preocupado com o futuro econômico e financeiro dos pequenos e médios e suas famílias. Fosse isso poderiam resolver o problema de forma rápida e eficientes sem licitações e burocracias, defendendo racionalização tributária (SIMPLES é apenas um grão de areia não mais do que isso!), super financiamento e crédito baratíssimo, desmonte do latifúndio urbano e aluguéis em especial em cidades de porte pequeno e médio, além de juros super subsidiados e destributação do consumo.

       O objetivo principal da demanda maciça pela volta das atividades, isso por parte dos grandes, é outro, perverso e desumano!

       É sabido que o trabalhador, no modo de produção capitalista, transforma a natureza e cria, pelo trabalho, a mercadoria, elemento central dentro da lógica deste sistema. Mas não cria apenas a mercadoria, ele no momento em que trabalha, o faz de forma alienada, alienando sua vida, seus desejos, sua existência ao proprietário dos bens e meios de produção. Isso faz com que ele próprio se torne mercadoria e se reproduza como tal, fazendo da lógica fabril e empresarial, sua lógica de vida alienada.

       Pois bem, esta forma de reproduzir a vida se transfere da fábrica, da loja, da associação, do banco para dentro de casa e para o seio de suas relações inclusive amorosas. Alienado, repete nos seus ambientes fora trabalho, a saber família, roda de amigos, aniversários, a própria lógica do trabalho, e o faz de forma inconsciente, processo este de alienação a que está sujeito, com a consequente repetição do modelo econômico em ambientes de vida que deveriam ser lúdicos, humanos e bem diferentes.

       Com os respectivos decretos de distanciamento horizontal, isolamentos e quarentenas (exceção daqueles empregados que trabalham em casa, que seguem reproduzindo, muitas vezes de forma ainda mais intensa, esta lógica), os trabalhadores, fora do elemento subordinante repetitivo, a saber o dia a dia dentro da empresa, podem iniciar uma espécie de purificação e reumanização (é fato que o trabalho subordinado desumaniza o homem e o aproxima da máquina!). A vida é mais do que as linhas de produção, do que a lógica do cartão de crédito (débito ou crédito?), do que os contatos com clientes e associados. Ela simplesmente é! Se basta não como algo repetitivo e mecânico de origem industrial, comercial ou financeira, mas como forma de pensar, de respirar, de amar.

       E uma vez em esta lógica diversa vindo a tona, já que não há precedentes de paradas tão longas dentro da história ocidental recente, os grandes empresários, elites dominantes (CEOs e economistas) e banqueiros correm o risco de perder justamente aqueles que recebem os menores salários mas que com sua força de trabalho alteram a natureza e repetem a lógica capitalista de forma totalmente alienada, transformando a alienação em cultura. Perder a alienação empregada é um risco sistêmico sério e perigoso!

       Ou seja, há e é real, o risco de se entrar em uma era diversa da que vivemos, esta a saber centrada no capital acumulativo, na repetição e desempenho, alienação, despedidas (e exército de reserva), propaganda e falsa caridade apenas para valorização de ações, para se ter um tempo de menor jornada de trabalho, maior racionalidade do consumo e da distribuição dos bens e de uma vida boa, mais agradável e desalienada. Há o risco, mesmo que parcial, de uma espécie de desalienação, ainda que progressiva, do trabalhador. O tempo da perda de parte da alienação e da auto reprodução do trabalhador como peça e mercadoria. Ou da retomada da vida pelo dono da vida, o trabalhador, o humano. Isso assusta de fato! 

       Quanto aos pequenos, e aqui não me furto de tecer algumas palavras mesmo que de forma heterotópica, podem muito pouco. Não aprenderam do lado de quem devem ou deveriam lutar. E é fácil ver. Eles estão mais perto economicamente e humanamente de quem? De seus empregados ou dos grandes empresários, CEOs e economistas? Fácil responder.

       Este seria o tempo de os governos resgatá-los, dissolvendo em suas contas empresarias valores astronômicos como ocorreu com grandes empresas, seguradoras e bancos em 2008, a fim de manter a atividade comercial e produtiva delas pois que, ao final e ao cabo, são as que mantém a renda das famílias e dão trabalho. Aliás, tivessem mesmo do seu lado os grandes conglomerados defenderiam isso. “Salvemos os micro, médios e pequenos”. O fazem? Não!

       Para terminar, o que posso dizer é que a preocupação dos grandes não diz respeito, como dito antes, aos micro, pequenos e médios empresários. Eles os usam como massa de manobra como se pode ver acima. A luta hoje das gigantes é contra o risco da desalienação do trabalhador e a quebra do modelo econômico presente. O medo de uma verdadeira nova era.

       Se estamos próximos de uma nova era e se esta se dá com a alteração do modo de produção, este momento de isolamento, distanciamento e quarentena pode dar início a uma nova revolução e que pode colocar em risco, em proveito de uma vida desalienada, todo o poder das grandes corporações.

       Utópico? Talvez, mas muito real a meu ver.

       Cidadãos de todos os países, uni-vos!

*Rafael da Silva Marques é Juiz do Trabalho e Membro da AJD – Associação Juízes para a democracia.

 

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