Coluna Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito
Memória e Perspectivas. 50 Anos de Letras da Universidade de Brasília (1962-2012). Sylvia Helena Cyntrão e Enrique Huelva Unternbaumen. Instituto de Letras – Brasília – 2013, 215 p.
Entre os eventos que marcaram o meu Reitorado na UnB (2008-2012), dois guardam muita simbologia: os jubileus de Brasília (2010) e da UnB (2012). Sobre o significado dessas efemérides já fui enfático aqui nesta coluna (cf. entre outros textoshttp://estadodedireito.com.br/22047-2/, http://estadodedireito.com.br/a-historia-da-universidade-de-brasilia-contada-por-seus-personagens-reportagens-depoimentos-entrevistas/e http://estadodedireito.com.br/registro-arquitetonico-da-universidade-de-brasilia-unb/).
De fato, lembrei nessas reminiscências, o quanto procurei estimular com o apoio das Comissões instaladas para organizar as agendas de celebrações, formas e modos expressivos: concessões de títulos honoríficos, edificações, espetáculos, também publicações que permitissem o registro da fortuna crítica de percursos, contribuições, repositórios do sistema acadêmico-funcional de uma universidade paradigmática como o é, reconhecidamente, a UnB.
O documento agora Lido para Você reúne todos esses elementos. Como dizem seus organizadores Sylvia Cyntrão e Enrique Huelva (atualmente vice-Reitor da UnB), o livro é o resultado do Simpósio “50 Anos de Letras da UnB: Memória e Perspectivas (1962-2012)”, realizado com o objetivo de balanço de construção dessa importante unidade acadêmica, mas é, simultaneamente, graças a uma Comissão que se formou para esse objetivo, a organização de todos os depoimentos de autoridades, das comunicações dos convidados das mesas temáticas e das memoráveis fotos para deixar este importante registro impresso da trajetória do Instituto der Letras e das comemorações de seus 50 anos em especial.
Em texto de Apresentação os Organizadores ampliam o alcance dos eventos inscritos nas celebrações, para oferecer a um público ampliado o conhecimento dos objetivos acadêmicos do IL, no contexto da região – dizem eles – com o objetivo mais geral de recuperar a memória da trajetória deste Curso, um dos fundadores da UnB, bem como investigar as presentes e futuras atuações acadêmicas para o melhor desenvolvimento de uma aprendizagem verdadeiramente cidadã de nossa língua de cultura, das línguas estrangeiras, respectivas literaturas e seus mecanismos de diálogo e tradução, seus sucessos e ressonâncias, a partir do trabalho institucional e intelectual dos três Departamentos que formam o Instituto: Línguas Estrangeiras e Tradução, Linguística, Português e Línguas Clássicas e o Departamento de Teoria Literária e Literaturas.
Os Organizadores procuram expor a intenção constitutiva da obra por eles organizada: Os depoimentos aqui publicados atestam as preocupações acerca da realidade local, nacional e global, permitindo o estímulo de uma ainda maior consciência crítica que desejamos promover em nossa comunidade. Daí que atribuem relevo, de saída, e muito justamente, às homenagens docentes conferidas por ocasião dos eventos de que o livro é repositório, entre elas ao Professor Emérito Doutor Aryon D’allIgna Rodrigues, cujo depoimento registrado no livro, traduz bem a razão pela qual, notável no campo linguístico de classificação e de catalogação das línguas indígenas brasileiras, recebeu na ocasião, por outorga do Conselho Universitário da UnB, o título de Doutor Honoris Causa. Não poderia ser menor a distinção, considerando a trajetória desse pesquisador notável em sua perseverança para preservar o campo, no limiar de sua contribuição quase centenária: “Vamos ver o que vem à frente. Tomara que as coisas corram bem para mim e também para a universidade e, sobretudo para a minha especialidade, que é a ciência linguística aplicada às línguas indígenas no Brasil”(p. 62-63). O professor Aryon já não está entre nós, mas a sua disposição anima a universidade de resistência em face de projetos de privatização em curso e de ações genocidas que ameaçam a cultura e a sobrevivência indígena em nosso País, hoje. Seu exemplo nos dá força para como ele também perseverarmos.
Os Organizadores informam que o livro sumaria os ensaios que foram oferecidos durante o Seminário e que portanto “abordam as questões do ensino de Letras em diálogo interdisciplinar com as áreas do conhecimento afins na recuperação da memória do caminho já trilhado e na discussão de inovadoras propostas que vêm sendo realizadas no âmbito do Instituto. Fomenta-se dessa maneira a missão pedagógica de interação com os diversos atores sociais, sobretudo os discentes de graduação e dos Programas de Pós-Graduação, alvo que são de nossa missão educativa”.
Nesse passo, pode-se dizer de modo pertinente, ao contrário do uso inusitado que deu ao termo uma autoridade atual da área de educação, que o livro, de fato, oferece um cardápio de “acepipes”, para um ágape, disse o nosso vice-Reitor, um dos organizadores da obra, que quer ser “memória e com-memoração” (p. 19-20), ao mesmo tempo festividade (sabor), mas um processo dramático de construção e de reconstrução (saber): “O Simpósio 50 ANOS DE LETRAS DA UnB: Memória e Perspectiva” não é apenas um evento festivo, mas propõe também e especialmente promover o início de um processo de construção da memória do Instituto de Letras da Universidade de Brasília. Trata-se, pois, antes de tudo, de um evento ‘com-memorativo’, no sentido de construir, criticamente, e compartilhar uma memória institucional.Para Huelva, portanto, “Construir a memória significa construir o nosso presente efetivo como futuro (como uma consequência) do passado lembrado e, ao mesmo tempo – e essa coincidência é particularmente significativa -, construir o nosso presente como passado do nosso futuro, como ponto de partida e de referencia daquilo que almejamos ser ou, pelo contrário, daquilo que queremos evitar”.
Para a memória catalã de Huelva, isso significa resistir, não se render a todo movimento de silenciamento autoritário e como ação, procurar dar voz e força ao nosso desejo de liberdade, de emancipação, de preservar a todo custo as letras, ainda que às vezes, pagando o alto tributo do sacrifício dos letristas. Tal como lembra em seu discurso por ocasião dos eventos de 2012, e em seu depoimento no livro, ao homenagear o poeta Antonio Machado, a ditadura (franquista) conseguiu matar os poetas, mas não conseguiu matar a poesia. Trata-se, pois, de recusar a imposição de qualquer futuro arbitrário, opondo-lhe o nosso presente. Os autoritários, passarão (http://www.ihu.unisinos.br/159-noticias/entrevistas/590985-future-se-valoriza-o-privado-e-nao-acena-para-o-ethos-academico-entrevista-especial-com-jose-geraldo-de-sousa-junior).
O livro traz em seu sumário, além da apresentação e depoimentos, do histórico do Instituto que remonta à participação em sua institucionalização de fundadores da própria universidade como Ciro dos Anjos, Fábio Lucas, Eudoro de Sousa, Agostinho da Silva, os continuadores do corpus acadêmico de seu desenvolvimentos Antonio Salles, Santiago Naud, João Ferreira, Cassiano Nunes entre outros grandes que contribuíram para o engrandecimento das Letras na UnB e no Brasil. A então Diretora do IL Maria Luisa Ortiz o disse na cerimônia e está registrado no livro: “O Instituto de Letras nasceu de um sonho e vive da fé daqueles que acreditam no futuro das Letras no Brasil”. O livro traz também o reconhecimento aos que contribuíram fortemente para a sua afirmação, num rol de homenagens, assim como o desenho institucional que o organiza, os valores culturais que marcam a celebração e um demonstrativo da rica produção que o qualifica.
A peça de resistência entretanto da obra, a meu ver, se apresenta no conjunto de ensaios que revelam o pensar vivo de seus professores, ex-alunos, escritores e pesquisadores: Ana Miranda, Momentos Singulares (p.79-81); André Luís Gomes e Sylvia Cyntrão, Programa de Pós-Graduação em Literatura: Rumo à Excelência (p. 82-87); Clodo Ferreira, Um Paralelo entre Literatura e Letras de Música Popular (p. 88-92); Cristina Stevens, Particip-Ações da Literatura nos 50 Anos da UnB: Memória e História (p. 93-103); EnildeFaulstich, O Instituto de Letras: Ponto de Vista, Apreço e Afeto (p. 104-115); Fábio Lucas, O Poder das Letras (p. 117-119); Germana Henriques (atualmente competentíssima Diretora da Editora UnB), Os Estudos da Tradução no Brasil nos Séculos XX e XXI: o Bacharelado em Letras-Tradução da UnB (p. 120-127); Glória Pacita, Memórias de uma Professora de Espanhol (p. 128-130); Heloisa Salles, A Contribuição do Programa de Pós-Graduação em Linguística (p. 131-139); Laura Castro, Literatura e Outras Artes: Linha de Pesquisa, Ponto de Passagem (p. 140-144); Lourenço Cazarré, Literaura Brasiliense Existe? (p. 145-147); Maria da Glória Magalhães, A Pesquisa em Linguística Aplicada no IL (p. 148-151); Mark Ridd, Reflexos e Reflexões das Letras (p. 152-157); Nádia Gotlib, Cidade, Universidade, Literatura: uma Experiência dos Anos Sessenta na UnB (p. 158-163); Paulino Vandressen, Memória e Ensino de Letras 50 Anos de Letras na UnB (p. 164-171); Stella Maris Bortoni, Minha Vida na UnB: Algumas Achegas (p. 172-174).
Nesses ensaios e no conjunto de registros que a obra coleciona pode-se aferir ainda toda uma atmosfera de mobilizações reflexivas, por impulso intelectual e sensível que grupos de estudos espontâneos ou cerificados que movimentam o processo de criação que anima o Instituto. Há poucos dias participei de uma banca de qualificação de doutoramento (Cacilda Bonfim e Silva) que me deu a plena percepção desse processo, ao impulso dos estudos sobre a obra de Osman Lins. Na banca pude haurir essa disposição altamente mobilizadora no diálogo com os professores João Vianney Cavalcanti Nuto, Sebastiana Lima Ribeiro e, sobretudo, na regência ilustrada e líder da Professora Elizabeth de Andrade Lima Hazin. Firmei a convicção que me moveu para este Lido para Você, nesse contato, encontrando nele a viva atualização a que alude a Professora Rosana Reigota Naves, hoje Diretora do Instituto, que no livro (p. 75), anota como vontade de nos renovarmos conjuntamente, para fazer presente, diz ela, que é de um sentimento que se trata: “Esse sentimento (que) se coaduna com as ideias contidas no texto inicial da criação da Universidade de Brasília, de autoria de Darcy Ribeiro, em que defende a ruptura com a antiga forma de estruturar o ensino universitário” Ela completa: “Diz o grande educador: ‘Nas condições presentes, só uma universidade nova, inteiramente planificada, poderá estruturar-se em bases mais flexíveis e abrir perspectivas de pronta renovação de nosso ensino superior’”. E arremata: “Seja o pensamento de Darcy, ainda atual, a diretriz orientadora do Instituto de Letras para que ele continue, como em 1962, sendo vanguarda nesse processo de renovação da Universidade!”.
O livro, em suma, traduz bem o espírito de uma celebração, lembrou o meu querido companheiro de Reitorado, meu vice no mandato, professor João Batista de Sousa, que encanta, que agrada e que nos fortalece (p. 13). E, assim como ele, ambos presentes na cerimônia, pudemos reconhecer tal como fiz em minha saudação (p. 9-11), que ela engrandece a Universidade porque a projeta enquanto uma grande instituição a partir dos pilares que a formam, porquanto é o IL – e a obra demonstra isso – um dos seus pilares mais sólidos, mas bem enraizados, mais bem projetadose que tão bem definem a sua identidade institucional e acadêmica.
José Geraldo de Sousa Junior é Articulista do Estado de Direito, possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal (1973), mestrado em Direito pela Universidade de Brasília (1981) e doutorado em Direito (Direito, Estado e Constituição) pela Faculdade de Direito da UnB (2008). Ex- Reitor da Universidade de Brasília, período 2008-2012, é Membro de Associação Corporativa – Ordem dos Advogados do Brasil, Professor Titular, da Universidade de Brasília, Coordenador do Projeto O Direito Achado na Rua. |