Voto e Democracia

Artigo veiculado na 27ª edição do Jornal Estado de Direito, ano IV, 2010.

 

Bruno Espiñeira Lemos*

Foto: Marcello Casal Jr, ABR

Foto: Marcello Casal Jr, ABR

A nossa democracia é uma incipiente realidade, que, embora se encontre em avançado processo de consolidação, ainda inspira cuidados e atenção, em especial o uso do seu principal instrumento de viabilização que é o voto popular.

A Constituição, mãe e pai, do nosso Estado Democrático pós-1988, nos concedeu o direito a termos “direitos” de diversas gerações ou dimensões, ao mesmo tempo em que nos ensina que devemos cuidar para que seus princípios norteadores não se tornem conceitos esvaziados diante de usos despudorados e desvirtuados.

A democracia constituída da essencialidade do voto popular universal e periódico, com alternâncias e manutenções igualmente legítimas, também nos ensina que um cidadão não se faz com o simples votar e ser votado, porém, é desse movimento-dever que surge a possibilidade de se verem implementadas políticas públicas que, em derradeira análise, nos conceda ou mantenha direitos inalienáveis como a educação, o lazer, a saúde, o trabalho, a moradia, a segurança, a proteção à maternidade e à infância, ao meio ambiente saudável conciliado com o desenvolvimento sustentável, à inclusão digital, à pesquisa e investimento em novas tecnologias para o desenvolvimento do país, dentre tantos outros.

Evidentemente que o exercício da cidadania advindo do nobre gesto de sufragar gestores públicos por meio do voto, é um gesto, uma prática nobre em uma democracia, porque, em última análise, a “nobreza” nesse caso pertence ao povo que dá e tira o poder dos bons e maus governantes e parlamentares.

O voto como instrumento do direito/dever da cidadania ativa, como conquista inalienável do povo, somente se reveste de valor pleno, quando exercido com consciência cívica, sem visão ou intuito patrimonialista, do contrário, ele formará uma cidadania “capenga”.

Porém, podemos indagar, até que ponto a democracia é essencial para que se possa viver com dignidade. Nesse particular, me recordo da idéia de Rousseau, de que, “uma sociedade só é democrática quando ninguém for tão rico que possa comprar alguém e ninguém seja tão pobre que tenha que se vender a alguém”. A nossa democracia embrionária e representativa, único regime político hoje legítimo e internacionalmente considerado, com exceções duvidosas em outros países a confirmarem a regra, agudiza o nosso dever de agir com a máxima responsabilidade no momento do exercício do voto e daí a importância na depuração dos critérios de escolha e dos requisitos de elegibilidade, sem entrar-se agora na polêmica instituída com a possível exigência da anualidade para aplicação da “Lei da Ficha Limpa”, apenas por falta de tempo e espaço, pois, a traição das expectativas dos grupos sociais, em especial, os grupos excluídos, sempre permitem que se relembre e evoque às ditaduras que garantiram algum bem-estar social; já a corrupção então, esse é um fenômeno danoso que faz os cidadãos se sentirem cada vez menos representados por seus representantes, percebendo que as decisões mais importantes escapam à sua “participação democrática”.

E não nos esqueçamos jamais, como nos relembra Dalmo de Abreu Dallari, que “a melhor das ditaduras traz prejuízos maiores que a pior das democracias”…

O cenário atual, felizmente, no que diz respeito às desigualdades sociais entre ricos e pobres, diante de políticas públicas, algumas delas provisórias, adotadas nos últimos anos com a finalidade de diminuir o hiato social entre os “muito pobres” e a classe média, porém de eficácia incontestável, começam a afastar a até então reinante idéia de que a igualdade político-jurídica no Brasil, não passava de uma hipocrisia social constitucionalizada.

O Brasil, felizmente, também tem amadurecido em direção ao direito mais importante, como marco civilizatório e o começo de qualquer vida em uma sociedade assim considerada, que é o direito à diferença, o direito de o indivíduo ser social e coletivamente diferente dos outros, seja isso fruto de avanço legislativo, de ações ou medidas afirmativas, seja em virtude da compreensão madura dos grupos sociais antes excludentes e mesmo os excluídos que passaram a conquistar os espaços que lhes são por direito devidos (afrodescendentes, índios, homossexuais, portadores de necessidades especiais etc).

Em um raciocínio semelhante ao empreendido por Boaventura Santos quanto ao fenômeno da participação democrática e que nunca deveríamos esquecer: quem não tem como se alimentar e alimentar sua família, tem prioridades mais altas que votar; quem vive ameaçado pela violência no espaço público, na empresa ou em casa, não é livre, qualquer que seja o regime ou sistema político em que viva e quem não dispõe da informação necessária a uma participação esclarecida, equivoca-se quer quando participa, quer quando não participa.

E naquela mesma linha de consideração, temse que a promoção da democracia não ocorreu em sintonia com a promoção das condições de participação democrática e se esta tendência continuar, o futuro da democracia, tal como conhecemos é problemático.

 

*Advogado. Procurador do Estado da Bahia. Mestre em Direito – UFBA. Doutorando em Direito – UBA. Prof. Direito Constitucional. Ex-Procurador Federal.

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