Coluna Direito da Família e Direito Sucessório
A família deveria ser o espaço em que as pessoas podem confiar uma nas outras, o espaço em que o apoio e o amparo deveria estar presentes.
Além da família ser considerada uma instituição e por isso a base da sociedade brasileira, quando analisamos os membros que a compõem podemos afirmar que se trata de um lugar especial em que os membros irão se ajudar mutuamente para o desenvolvimento de cada um dos seus componentes. Nesse caso, visualizamos a concretização do princípio da solidariedade familiar.
Porém, nem toda a família encontra-se assim preparada para ser uma família. Ao contrário, em alguns casos nos deparamos com um dos membros da família, querendo prejudicar o outro, de forma direta ou indireta.
Para além do princípio da solidariedade temos que verificar também que a relação familiar está ligada ao princípio da confiança e portanto pelo princípio da boa-fé objetiva.
Destaca-se Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald explicando porque devemos também analisar o princípio da boa-fé quando se trata do direito das famílias, vejamos a explicação desses doutrinadores:
Cogitando de um sistema aberto, o Direito das Famílias e a Constituição Federal precisam manter intenso vínculo comunicativo, com repercussão material dos princípios desta sobre aquele. Nesse espaço, a boa-fé objetiva é sentida como a concretização da confiança (e, em última análise, da própria dignidade humana) no campo das relações jurídicas.
A boa-fé significa a mais próxima tradução da confiança, que é, como visto alhures, o esteio de todas as formas de convivência em sociedade. Em nosso sistema, a boa-fé é multifuncional. Dessa maneira, desempenha diferentes funções, a depender do caso concreto. Pode assumir papel de paradigma interpretativo, na teoria dos negócios jurídicos (CC, art. 113), ou desempenhar atribuição integrativa, estabelecendo deveres anexos, implícitos, que passam a ser exigidos das partes naturalmente, independentemente de previsão legal. Por derradeiro, pode apresentar-se com função limitadora, exercendo um verdadeiro controle negocial, impedindo o abuso do direito subjetivo.
É, natural, portanto, que as relações patrimoniais e pessoais de família tenham de ser harmonizar com a boa-fé objetiva.
(…)
Assim, nas relações de família exige-se dos sujeitos um comportamento ético, coerente, não criando indevidas expectativas e esperanças no(s) outro(s). É um verdadeiro dever jurídico de não se comportar contrariamente às expectativas produzidas, obrigação que alcança não apenas as relações patrimoniais de família, mas também aqueloutras de conteúdo pessoal, existencial. (grifo nosso)[1]
E esses doutrinados prosseguem analisando a aplicação do venire contra factum proprium nas relações familiares, o que se aplica aqui perfeitamente, vejamos:
O venire contra factum proprium (ou proibição de comportamento contraditório) evidencia de modo tão imediato a essência da obrigação de um comportamento conforme a boa-fé objetiva (ou seja, conforme o senso ético esperado de todos) que a partir dela é possível aferir a totalidade do princípio. Pois bem, a proibição de comportamento contraditório é modalidade de abuso de direito que surge da violação do princípio da confiança – decorrente da função integrativa da boa-fé objetiva (CC, art. 422). Obsta que alguém possa contradizer o seu próprio comportamento, após ter produzido, em outra pessoa, uma determinada expectativa. É pois, a proibição da inesperada mudança de comportamento (vedação da incoerência), contradizendo uma conduta anterior adotada pela mesma pessoa, frustrando as expectativas de terceiros. Enfim, é a consagração de que ninguém pode se opor a fato a que ele próprio deu causa. Dessa noção conceitual, é possível extrair os elementos essenciais para a proibição de comportamento contraditório: (i), uma conduta inicial; (ii) a legítima confiança despertada por conta dessa conduta inicial; (iii) um comportamento contraditório em relação à conduta inicial; (iv) um prejuízo, concreto ou potencialmente decorrente da contradição. Fundamenta-se a vedação do comportamento contraditório, incoerente na tutela jurídica da confiança, impedindo que seja possível violar as legítimas expectativas despertadas em outrem.[2]
Não se trata apenas de mudar de ideia, é preciso que a outra parte seja comunicada dessa mudança e que venha a anuir a essa nova proposta. Pois a expectativa que foi criada nessa pessoa, não pode ser modificada pela simples vontade da outra.
E dentre os exemplos apontados pelos doutrinadores colacionamos o seguinte:
Outra reflexão permitirá inferir, também como exemplo da proibição de comportamento contraditório em sede familiarista, a conduta do cônjuge ou companheiro que, após anos a fio de convivência, dedicando irrestrito apoio material, inclusive custeando despesas supérfluas da outra parte, nega toda e qualquer proteção alimentícia quando da dissolução da convivência, apesar de saber que o outro não tem como se manter. [3]
Quando o casamento ou a união estável termina, uma das primeiras coisas que o companheiro ou cônjuge que tem maior poder aquisitivo faz é não querer pagar alimentos para o outro, deixando assim de prestar tanto a assistência material quanto a assistência imaterial. Esse comportamento fere então o nosso sistema jurídico como um todo.
Referências:
[1] FARIAS, Cristiano Chaves de e ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Famílias. Vol. 6. Salvador: Editora Juspodium, 2016, p. 125.
[2] FARIAS, Cristiano Chaves de e ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Famílias. Vol. 6. Salvador: Editora Juspodium, 2016, p. 125-126.
[3] FARIAS, Cristiano Chaves de e ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Famílias. Vol. 6. Salvador: Editora Juspodium, 2016, p. 127.
Renata Malta Vilas-Bôas é Articulista do Estado de Direito, advogada devidamente inscrita na OAB/DF no. 11.695. Sócia-fundadora do escritório de advocacia Vilas-Bôas & Spencer Bruno Advocacia e Assessoria Jurídica, Professora universitária. Professora na ESA OAB/DF; Mestre em Direito pela UPFE, Conselheira Consultiva da ALACH – Academia Latino-Americana de Ciências Humanas; Acadêmica Imortal da ALACH – Academia Latino-Americana de Ciências Humanas; Integrante da Rete Internazionale di Eccelenza Legale. Secretária-Geral da Rede Internacional de Excelência Jurídica – Seção Rio de Janeiro – RJ; Colaboradora da Rádio Justiça; Ex-presidente da Comissão de Direito das Famílias da Associação Brasileira de Advogados – ABA; Presidente da Comissão Acadêmica do IBDFAM/DF – Instituto Brasileiro de Direito das Familias – seção Distrito Federal; Autora de diversas obras jurídicas. |
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