União Estável: aplicação da Lei 9.278/96 e a questão sucessória

Coluna Direito da Família e Direito Sucessório

Com o advento da Constituição Federal de 1988, a união estável passe a ser efetivamente reconhecida como sendo uma entidade familiar. Contudo, a questão patrimonial e os elementos da união estável foram apontados posteriormente.

Assim, antes da legislação específica referente à união estável o que se discutia nos tribunais era, dentre outros aspectos, a questão patrimonial, se iria partilhar ou não entre os companheiros e a que título isso deveria ocorrer. Dentre os diversos posicionamentos existentes àquela época, destacou-se a ideia que se tinha uma sociedade de fato. E para isso era necessário a demonstração do esforço de cada um para a aquisição do patrimônio existente.

Foto: Unsplash

Em 1994 surgiu uma lei, a Lei 8.971/94 para regular os direitos da companheira quanto aos alimentos e ao direito sucessório, e em seu artigo primeiro nos aponta que

Art. 1º A companheira comprovada de um homem solteiro, separado judicialmente, divorciado ou viúvo, que com ele viva há mais de cinco anos, ou dele tenha prole, poderá valer-se do disposto na Lei nº 5.478, de 25 de julho de 1968, enquanto não constituir nova união e desde que prove a necessidade.

Naquele momento histórico para que se comprovasse a união estável era necessário o transcurso mínimo de cinco anos ou se houvesse prole comum.

E o artigo 3º. Afirmava que

Art. 3º Quando os bens deixados pelo(a) autor(a) da herança resultarem de atividade em que haja colaboração do(a) companheiro, terá o sobrevivente direito à metade dos bens.

Assim, era necessário demonstrar essa colaboração para ter direito à metade dos bens.

Posteriormente, em 1996, é editada uma nova norma que trata da União Estável, e em seu artigo primeiro aponta que

Art. 1º É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família.

Já não tenho mais o quesito tempo e nem a necessidade de procriação para caracterizar uma união estável.

E quanto à questão patrimonial ficou assim definido:

Art. 5º Os bens móveis e imóveis adquiridos por um ou por ambos os conviventes, na constância da união estável e a título oneroso, são considerados fruto do trabalho e da colaboração comum, passando a pertencer a ambos, em condomínio e em partes iguais, salvo estipulação contrária em contrato escrito.

Foto: Unspalsh

E por fim, com o advento do Código Civil, o regime estabelecido seria o de comunhão parcial se não houvesse contrato escrito. E apesar do Código Civil tratar o tema do direito sucessório de forma distinta entre os casados e os conviventes, o Supremo Tribunal Federal, ao analisar o tema entendeu pela inconstitucionalidade do referido artigo e passamos a equiparar o direito sucessório da companheira ao do cônjuge.

Mas, ainda existe muito a ser analisado sob o ângulo da União Estável.

Em decisão recente o E. STJ, como a união estável foi constituída antes à lei da união estável então deveria seguir as regras da sociedade de fato e não fazer a equiparação como estamos fazendo nos dias atuais. Vejamos a notícia veiculada no site do STJ:

 Sucessão anterior à lei de união estável submete-se às regras da sociedade de fato

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou, por unanimidade, recurso que discutia se bens acumulados com esforço exclusivo de apenas um dos companheiros, em período anterior à vigência da Lei 9.278/96 – que regulamentou a união estável –, deveriam ser divididos proporcionalmente entre os herdeiros no caso de morte de um dos companheiros.

A turma manteve o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO), que entendeu inexistir provas que evidenciassem o esforço comum, requisito essencial para declarar a partilha igualitária de bens adquiridos anteriormente à edição da lei que regulamentou a união estável. Além disso, para a corte goiana, dar provimento ao pedido configuraria ofensa a direito adquirido e a ato jurídico perfeito e, por alcançar bens de terceiros, causaria insegurança jurídica.

O ministro Villas Bôas Cueva, relator do recurso no STJ, concluiu pelo acerto da decisão do TJGO, acentuando que “o ordenamento jurídico pátrio, ressalvadas raras exceções, não admite a retroatividade das normas para alcançar ou modificar situações jurídicas já consolidadas. Portanto, em regra, a alteração de regime de bens tem eficácia ex nunc”.

Esforço individual

O processo foi iniciado por descendentes exclusivos do companheiro já falecido da ré, com quem a requerida conviveu 60 anos em relacionamento que, à luz da legislação da época, era denominado sociedade de fato.

Os autores da ação buscaram o Judiciário alegando ter direito, como herança, à parcela de bens imóveis em posse da companheira de seu ascendente e que teriam sido adquiridos no âmbito da união estável.

Reconhecido esse direito em primeira instância, o juiz determinou a partilha de 50% dos bens que tiveram participação do falecido na sua aquisição. Ao apelar para o tribunal estadual, a ex-companheira alegou que os imóveis em sua posse eram fruto de seu esforço individual, e não deveriam ser considerados para fins de inventário, fundamento aceito pela segunda instância, ao reformar a decisão.

Institutos distintos

O STJ, ao analisar o recurso das supostas herdeiras, entendeu que a presunção de esforço comum, típica da união estável, não alcançava o caso em discussão, pois a lei que estabeleceu esse regime foi editada em momento posterior aos fatos. Também levou em conta não ter sido comprovada a colaboração individual de cada um na aquisição e administração de seus respectivos bens, conforme estabelecido pelo tribunal estadual.

Em seu voto, o ministro Villas Bôas Cueva afirmou que o TJGO interpretou bem o caso ao desfazer a confusão acerca dos conceitos de união estável e sociedade de fato, institutos autônomos e distintos, principalmente em relação à presunção de esforço comum, típica da união estável e inaplicável à sociedade de fato.

“Portanto, no caso concreto, não há falar em partilha em virtude da ausência de vontade na construção patrimonial comum e por não se admitir que a requerida seja obrigada a partilhar bens, a princípio próprios, que adquiriu ao longo da vida por esforço pessoal, com quem não guarda parentesco algum”, concluiu o ministro.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1752883

 

renata vilas boas
Renata Malta Vilas-Bôas é Articulista do Estado de Direito, advogada devidamente inscrita na OAB/DF no. 11.695. Sócia-fundadora do escritório de advocacia Vilas-Bôas & Spencer Bruno Advocacia e Assessoria Jurídica, Professora universitária. Professora na ESA OAB/DF; Mestre em Direito pela UPFE, Conselheira Consultiva da ALACH – Academia Latino-Americana de Ciências Humanas; Acadêmica Imortal da ALACH – Academia Latino-Americana de Ciências Humanas; Integrante da Rete Internazionale di Eccelenza Legale. Secretária-Geral da Rede Internacional de Excelência Jurídica – Seção Rio de Janeiro – RJ; Colaboradora da Rádio Justiça; Ex-presidente da Comissão de Direito das Famílias da Associação Brasileira de Advogados – ABA; Presidente da Comissão Acadêmica do IBDFAM/DF – Instituto Brasileiro de Direito das Familias – seção Distrito Federal; Autora de diversas obras jurídicas.

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