Tributação e Gênero. Políticas públicas de extrafiscalidade e a luta pela igualdade

Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito

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Lana Borges. Tributação e Gênero. Políticas públicas de extrafiscalidade e a luta pela.igualdade. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2023, 197 p.

Entre os bons encontros que o espaço acadêmico proporciona, registro neste segundo semestre de 2025, na UnB – Universidade de Brasília, no âmbito da disciplina (O Direito Achado na Rua), dos Programas de Pós-Graduação em Direito (PPGD) e do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos e Cidadania (PPGDH-CEAM), o que pude compartilhar com Lana Borges.

Logo, entre as trocas intelectuais para calçar a agenda temática da disciplina, o seu oferecimento desse seu belo trabalho – Tributação e Gênero – que ela designa na dedicatória gentil “uma forma de Direito Achado na Rua, para dar visão às mulheres”.

O livro, conforme diz a Professora Misabel Derzi, no Prefácio, é “Obra essencialmente vanguardista e visionária, pois ela não se resume a tratar e descrever o problema por meio de diversas autoras renomadas da filosofia, da história, da sociologia e da ciência política que criticam a separação tradicional entre público e privado e divisão sexual do trabalho, mas também a propor desenhos e diretrizes para enfrenta-lo através do viés jurídico, por meio da interlocução de diversos atores, tanto do setor público quanto do setor privado. Nessa linha, tendo em vista a omissão do Poder Legislativo, composto majoritariamente por homens, em relação à tributação excessiva das mulheres, é também papel do Poder Judiciário atuar de maneira proativa nessa problemática, diante do princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição e do crescente fenômeno da judicialização das relações sociais”.

Com efeito, na descrição do livro temos que a obra, está ssim na 4ª capa “objetiva delinear a conexão entre disparidade de gênero, políticas públicas de extrafiscalidade e a luta das mulheres por igualdade. Crescem os trabalhos acadêmicos sobre as discriminações de gênero, sendo a maior parte deles apoiados em indicadores sociais e em dados oficiais e estatísticos. Também esta obra, interdisciplinar, ainda que centrada no direito, pretende detalhar aspectos da referida pesquisa acadêmica. No Brasil, as distinções socioeconômicas entre homens e mulheres são gritantes. Há um ponto de intersecção entre várias disciplinas (jurídicas e não jurídicas) a instrumentalizar este estudo. Dessa forma, são apresentados elementos jurídicos, sociais, culturais, históricos e econômicos que constroem os papéis de gênero e a depreciação das mulheres. O texto foi construído tendo por referências trabalhos de mulheres. São 87% (oitenta e sete por cento) de obras escritas por mulheres ou em coautoria com mulheres. Obras de autoria exclusiva de mulheres são mais de 75% (setenta e cinco por cento). Assim, está entre os objetivos do texto destacar e divulgar pesquisas acadêmicas de outras mulheres”.

Originado de trabalho acadêmico, mestrado, o estudo se faz “sobre as discriminações de gênero, sendo a maior parte deles apoiados em indicadores sociais e em dados oficiais e estatísticos”, também no Brasil, onde as distinções socioeconômicas entre homens e mulheres são gritantes. Para a Autora,

“Há um ponto de intersecção entre várias disciplinas (jurídicas e não jurídicas) a instrumentalizar este estudo. Dessa forma são apresentados elementos sociais, culturais, históricos e econômicos que constroem os papéis de gênero e a depreciação das mulheres. A pesquisa se propõe interdisciplinar, ainda que centrada no direito. Quanto à abordagem, a metodologia é qualitativa, porque busca compreender a construção de políticas públicas tributárias para relativização das disparidades de gênero, a partir da análise crítica da Constituição, da índole extrafiscal da tributação e da leitura de obras jurídicas e não jurídicas existentes. O texto apoiase, ainda, em quantitativos e percentuais e, por isso, a construção de argumentos é resultado também de uma metodologia quantitativa. Da perspectiva da tributação como instrumento eficiente à concretização da igualdade material, pretende-se demonstrar que o repertório constitucional oferece fundamento para que a extrafiscalidade seja mecanismo de combate a tais disparidades. Objetiva-se, igualmente, inventariar alternativas de enfrentamento, propostas pela sociedade civil e pelo próprio Poder Judiciário. A partir dos dados oficiais, da revisão bibliográfica e documental e da análise de julgado específico do Supremo Tribunal Federal, conclui-se que a estrutura tributária brasileira, pelo seu caráter regressivo, reforça as desigualdades de gênero no País. Todavia, partindo da ideologia da igualdade, é possível encontrar ferramentas de solução dentro do sistema tributário. Como hipótese, afirma-se que políticas públicas que tenham por objetivo a redução das desigualdades socioeconômicas entre homens e mulheres devem ser consolidadas por todos os agentes públicos, em todas as esferas de poder. Nesse aspecto, o texto dialoga com o tema das políticas públicas. Em um Estado Democrático de Direito que objetiva construir uma sociedade livre, justa e solidária, reduzir as desigualdades sociais e promover o bem de todos, suprimir as desigualdades de gênero, inclusive as disparidades socioeconômicas, é dever imposto a todos os agentes do Estado e a toda a sociedade civil”.

De modo sistematizado, conforme o Sumário que contem além do Prefácio já mencionado, também uma Apresentação a cargo do estimado colega professor Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy, o livro está assim organizado:

INTRODUÇÃO

CAPÍTULO 1

DISTANCIAMENTOS, DESIGUALDADES E O MERCADO DE

TRABALHO DA MULHER

1.1 A construção social dos papéis de gênero

1.2 Divisão sexual do trabalho e o trabalho invisível historicamente vinculado à mulher

1.3 O mercado de trabalho da mulher no Brasil

1.4 Repercussões econômicas das diferenças de gênero – um inventário das desigualdades palpáveis

CAPÍTULO 2

A LUTA PELA IGUALDADE

2.1 O tema da igualdade de gêneros

2.2 A igualdade e a ideologia da Constituição de 1988

2.3 Igualdade de gênero e a Constituição de 1988

2.4 A origem dos vínculos entre tributação e gênero: o movimento sufragista, a luta pela igualdade e a negativa do pagamento de tributos pelas mulheres

CAPÍTULO 3

TRIBUTAÇÃO, GÊNERO E POLÍTICAS PÚBLICAS DE EXTRAFISCALIDADE

3.1 A tributação e a sistemática da regressividade – acentuação das assimetrias de gênero

3.2 A elaboração de políticas públicas tributárias – alcances e perspectivas

3.3 Igualdade de gênero, discriminação positiva e tributação

3.3.1 A extrafiscalidade e o papel indutor da tributação na promoção da igualdade

3.3.2 Medidas tributárias na implementação da igualdade de gênero – discriminação positiva e possibilidades

CAPÍTULO 4

A TRIBUTAÇÃO COMO FERRAMENTA DE SUPERAÇÃO DAS DESIGUALDADES DE GÊNERO

4.1 A Reforma Tributária e desigualdade de gênero – contextualização, propostas e a plausibilidade da concessão de benefícios fiscais a empresas que contratem mulheres

4.2 Intervenção do Poder Judiciário na conformação ou na concretização de políticas públicas

4.3 O Supremo Tribunal Federal e as repercussões do reconhecimento das distinções de gênero no mercado de trabalho. Políticas públicas materializadas

4.4 O julgamento do RE nº 576.967/PR e a efetiva proteção do mercado de trabalho da mulher: uma decisão pragmática e necessária

4.5 O julgamento da ADI nº 5.422/DF e a vinculação categórica entre o direito tributário e a igualdade de gênero

CONCLUSÃO

REFERÊNCIAS

JURISPRUDÊNCIA CITADA

Fiquei também muito tocado pelas referências nos agradecimentos à colega Liziane Paixão, integrante da banca examinadora da Dissertação, “exclusivamente feminina para exame de um texto que tem 87% de mulheres em suas referências bibliográficas”. Minha satisfação em conferir a participação de Liziane na construção do percurso de Lana, se dá pelo reconhecimento de sua notável capacidade de condução do ofício acadêmico, eu próprio tendo me valido dessa competência quando, participei de edição por ela co-organizada (RUBIO, David Sánchez; OLIVEIRA, Liziane Paixão Silva; COELHO, Carla Jeane Helfemsteller (organização). Teorias Críticas e Direitos Humanos: contra o sofrimento e a injustiça social. Curitiba: Editora CRV, 2016. Com Nair Heloisa Bicalho de Sousa, levamos ao livro o ensaio Direitos Humanos e Educação: questões históricas e conceituais, p. 157-170.

Vou à Apresentação de Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy:

 A Editora Fórum (Belo Horizonte) publicou recentemente Tributação e gênero, de Lana Borges. A autora é procuradora da Fazenda Nacional, vem exercendo vários cargos na administração pública federal, já assessorou ministros e revela-se como uma profissional competentíssima. O livro é o resultado de intensa pesquisa, com foco em tema novo, importantíssimo. Tive a feliz oportunidade de acompanhar a pesquisa e de apresentar esse belíssimo livro. É da apresentação que retomo algumas das observações vindouras.

Tributação de gênero: políticas públicas de extrafiscalidade e a luta pela igualdade, esse é o título completo do livro, é ao mesmo tempo um ato de fé, um antídoto e um aviso de incêndio. A autora tem como ponto de partida o fato (indiscutível) de que “as distinções socioeconômicas entre homens e mulheres são gritantes”. Lana sustenta o argumento dos papeis de gênero no contexto da depreciação das mulheres, aproximando temas de sociologia, de cultura, de história e de economia. Fecha todos esses campos com um retrato normativo de uma situação que exige mudança e enfrentamento.

A parte inicial do trabalho explora o tema da construção social dos papeis de gênero. Nesse contexto, trata da divisão sexual do trabalho, com ênfase na opressão e na marginalização do trabalho feminino. A autora lembra-nos Carole Pateman, cientista política que em O contrato sexual inverteu a lógica centrada no postulado do contrato social independente de suas nuances de gênero.

A construção da narrativa na parte histórica retoma a luta das suffragettes. Na Inglaterra, a recusa do pagamento de tributos, por parte das mulheres, decorria do fato de que, impedidas de votar, estariam desprovidas de cidadania. Lana descreve esse momento, projetando, como argumento central, a premissa de que o ônus da tributação deveria ser acompanhado de direitos outorgados pela condição de cidadania.

O ponto central do livro concentra-se nas relações entre tributação, gênero e políticas públicas de extrafiscalidade. Nessa parte do livro percebe-se o pleno domínio que Lana tem no campo temático, o que revela sua trajetória profissional.

Lana domina os institutos em seu aspecto conceitual, e nesse pormenor expõe com clareza o tema da regressividade, retomado hoje no ambiente de discussão que acompanha a reforma tributária, ainda em andamento. A autora conhece o processo tributário em suas várias nuances, inclusive sob o olhar do julgador, o que revela sua experiência pretérita como assessora de Ministro no Supremo Tribunal Federal. E conhece também o direito tributário em sua dimensão de instrumento de política pública, porque tem amplo conhecimento com a construção de normas fiscais, atuando nos órgãos centrais.

Ao conhecimento prático Lana agregou estudos profundos sobre o tema da regressividade, explorando dimensões estatísticas, apresentando números que colheu junto ao IBGE. Com dados precisos sustenta o argumento de que políticas públicas em favor da diminuição das assimetrias de gênero podem ser alavancadas com instrumentos tributários.

A autora argumenta que “os tributos devem ser veículos de estímulo à inserção de um maior número de mulheres no mercado de trabalho e de uma progressão também das mulheres dentro das instituições e empresas”. Isto é, não prega distribuição de favores ou facilitação ou redução de incidências. Quer usar o tributo como tema de inserção no mercado de trabalho, o que revela uma ética econômica que dá alicerce a um esforço argumentativo genuíno. Afinal, “existe um ambiente profissional próprio para as mulheres, repleto de diferenças, sejam salariais, sejam de acesso ao mercado de trabalho, sejam de volume de horas de trabalho”. O que fazer?

Lana explora o tema no direito comparado e na literatura especializada. Retoma a jurisprudência. Especialmente se refere à ADI 5.422, que tratou da incidência do imposto de renda sobre os valores recebidos a título de pensão alimentícia. Explicou também o tema do RE 576.967, paradigmático no contexto da efetiva proteção do mercado de trabalho da mulher. Cuidou da ADI 5.422, que é central na vinculação categoria entre o direito tributário e a igualdade de gênero. Explorou os vários esforços normativos que há no tema, indicando os projetos de lei que avançam.

 Anoto que a perspectiva de Lana Borges já vinha se delineando, com o viés sensível de sua política à questão da justiça de gênero, que pude encontrar em trabalhos anteriores. Assim, em A Reforma Tributária do Consumo sob uma Perspectiva de Gênero (Revista de Direito Tributário da APET, n. 50 (2024), páginas115-139, ela trata da

relação entre a reforma tributária do consumo e as questões de gênero, destacando que, além dos dispositivos específicos mencionados no art. 9º da Emenda Constitucional 132, de 20 de dezembro de 2023, as alterações do sistema tributário nacional ocorrerão também sob outras perspectivas vinculadas às mulheres. As transformações promovidas pelo art. 9º, seja no preceito contido no § 1º, VI, que prevê a instituição do regime diferenciado de tributação aos produtos de cuidados básicos à saúde menstrual, seja aquela resultante da combinação dos §§ 10 e 11, que preveem a avaliação periódica dos regimes diferenciados de tributação com base na igualdade de gênero, não são as únicas que vinculam gênero e tributação. Há outros artigos e dispositivos da reforma que igualmente têm implicações diretas ou indiretas sobre essas questões. Ao enfatizar essa conexão, o artigo pretende ampliar o debate sobre como a estrutura tributária pode influenciar a equidade de gênero, seja pela maneira como tributa diferentes grupos populacionais, seja pela forma como impacta a distribuição de recursos e oportunidades entre homens e mulheres. A análise da temática, que é densa e demandaria muito mais que um artigo, leva em consideração tanto os efeitos práticos de cada dispositivo, quanto a repercussão mais ampla que uma reforma tributária pode ter na promoção da igualdade de gênero, abordando, por exemplo, como o sistema tributário brasileiro afeta desigualmente homens e mulheres em virtude de suas posições socioeconômicas, padrões de consumo e papéis tradicionais na família e na sociedade

Um modo de abordar temas em geral rígidos, altamente parametrizados por uma cultura de exação, raramente afetada pela perspectiva da equidade, tal como pude aferir em meu exercício conjuntural de membro do antigo Conselho de Contribuintes do Ministério Fazenda, ao tempo, final dos 1970 começo dos 1980, em que exerci por três mandatos a função de Conselheiro, chegando a ser vice-presidente do 2º Conselho de Contribuintes, competente para a matéria de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) e toda outra matéria tributária desde a relativa a proteção a economia popular, ICM dos Territórios, fora apenas a Imposto de Renda (1º Conselho) e Imposto de Importação (3º Conselho).

Certamente dessa disposição se deve a mobilização de Lana Borges para se vincular ao Núcleo de Direito Tributário, Linha Tributação e Gênero, criado em 2020, na Fundação Getúlio Vargas, São Paulo, como grupo de estudos com o escopo de pesquisar, debater e aprofundar os estudos concernente às teorias de gênero, como a teoria interseccional e feminismos negros; filosofia do Direito tributário, Direito tributário crítico e Direito tributário e desigualdade de gênero (https://direitosp.fgv.br/projetos-de-pesquisa/tributacao-genero).

É nesse ambiente que OKUMA, Alessandra. O Impacto do Gênero nas Discriminações Tributárias e o Imposto sobre a Renda. Revista Direito Tributário Atual v. 56. ano 42. p. 35-57. São Paulo: IBDT, 1º quadrimestre 2024, vai localizar a atenção para “a condição de desigualdade entre homens e mulheres decorrente de estereótipos femininos e masculinos, formando um imaginário segundo o qual “as mulheres são frágeis, submissas, voltadas para o cuidado da família enquanto os homens são os provedores, racionais, fortes e dominadores”.

Para a Autora citada, “essa visão patriarcal, além de falsa, causa graves desigualdades de gênero e a inferiorização da mulher no ambiente de trabalho, na sociedade, na política e na economia. E também causa distorções tributárias que afetam especialmente as mulheres”.

E é assim que, “nos últimos anos nossos olhos se voltaram para o impacto do gênero na tributação. Instigadas(os) pelas grandes professoras que coordenam o Tributação e Gênero, do Núcleo de Direito Tributário da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas – Tathiane Piscitelli, Nubia Castilhos, Lana Borges e Simone Castro – surgiram pesquisadoras dedicadas à produção científica sobre esse tema, que antes era inexplorado no Brasil”.  Ela atribui a essas pesquisadoras o pioneirismo de análise “de modo multidisciplinar e com profundidade o impacto da carga tributária sobre o consumo e a renda das mulheres e a trazer propostas de melhorias do sistema”.

Lendo o trabalho de Lana me dou conta de sua mobilizada preocupação poderia encontrar sustentação teórico-filosófica em Amartya Sen, especialmente em Desenvolvimento como Liberdade (1999) e A Ideia de Justiça (2009), no que o prêmio Nobel critica a visão restrita da igualdade como igualdade formal ou de oportunidades jurídicas. Para ele, a justiça requer analisar as condições efetivas de liberdade e de bem-estar das pessoas — isto é, suas capacidades reais de escolher e realizar modos de vida valiosos.

Na perspectiva de Lana, uma estrutura tributária regressiva (que onera proporcionalmente mais os mais pobres, entre os quais se concentram as mulheres) limita as capacidades reais das mulheres de participar plenamente da vida econômica e social. Assim, perpetua desigualdades de gênero não apenas de renda, mas também de liberdade substantiva.

Por isso que, para ela, uma política tributária sensível ao gênero — por exemplo, com isenções, deduções ou transferências direcionadas às mulheres, tributação progressiva sobre a renda e o patrimônio, ou tributos seletivos sobre bens de luxo — seria um instrumento de ampliação das capacidades centrais femininas, permitindo que as mulheres tenham autonomia econômica e política.

Para Lana, a Constituição brasileira de 1988, ao estabelecer como fundamentos da República a dignidade da pessoa humana, a igualdade substancial e a promoção do bem de todos, está em sintonia com a filosofia das capacidades. Assim que, nesse sentido, a igualdade não é apenas formal, mas um projeto político de transformação social, cuja realização demanda ação coordenada do Estado — inclusive por meio de uma reforma tributária com perspectiva de gênero.

O que Lana sustenta, como hipótese fundante de seu trabalho, é que todas as esferas de poder devem adotar políticas que reduzam desigualdades socioeconômicas entre homens e mulheres encontra respaldo direto na abordagem de Sen e Nussbaum, porque neles, o dever do Estado democrático é ampliar as liberdades substantivas de todos (Sen); e porque sem igualdade de capacidades básicas, não há justiça de gênero nem dignidade humana plena (Nussbaum).

Penso, com efeito, que a análise de Lana Borges sobre a estrutura tributária brasileira sob a perspectiva das desigualdades de gênero, guarda proximidade e pode ser sustentada pela teoria da justiça desenvolvida por Amartya Sen e Martha Nussbaum, especialmente no marco do enfoque das capacidades. Embora esses autores, que exerceram forte cooperação, não seja referidos na bibliografia de Lana, E em relação a essa colaboração que até resultou num livro publicado  por eles, “The Quality of Life” (1993), ambos concordam que métricas tradicionais como renda e riqueza são insuficientes para medir o bem-estar, defendendo uma avaliação focada no que as pessoas são capazes de ser e fazer (suas “capacidades” ou capabilities).

Mas há diferenças nas suas abordagens. A principal diferença reside no fato de que enquanto Sen e Nussbaum compartilham a estrutura fundamental da abordagem das capacidades, Nussbaum a aprofunda nos estudos de gênero ao defender uma lista normativa e universal de capacidades, proporcionando uma base mais concreta para reivindicações de justiça e direitos das mulheres.

Para Sen, a justiça deve ser compreendida não apenas como igualdade formal perante a lei, mas como ampliação das liberdades reais das pessoas para escolher e realizar modos de vida que valorizam. Nessa direção, políticas tributárias regressivas, que oneram de modo desproporcional as mulheres e as classes menos favorecidas, restringem o campo efetivo de escolhas e de participação social, configurando-se como mecanismos estruturais de injustiça.

Nussbaum, ao desenvolver o conceito de capacidades centrais, enfatiza que uma sociedade justa deve assegurar a todas as pessoas um patamar mínimo de condições materiais, políticas e simbólicas que lhes permita viver com dignidade. Assim, políticas públicas tributárias orientadas pela equidade de gênero, ao promoverem a redistribuição de recursos e a ampliação das capacidades femininas, concretizam o projeto constitucional de um Estado Democrático de Direito comprometido com a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, na qual a igualdade substantiva entre homens e mulheres seja efetivamente realizada.

 

|Foto Valter Campanato
José Geraldo de Sousa Junior é Articulista do Estado de Direito, possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal (1973), mestrado em Direito pela Universidade de Brasília (1981) e doutorado em Direito (Direito, Estado e Constituição) pela Faculdade de Direito da UnB (2008). Ex- Reitor da Universidade de Brasília, período 2008-2012, é Membro de Associação Corporativa – Ordem dos Advogados do Brasil,  Professor Titular, da Universidade de Brasília,  Coordenador do Projeto O Direito Achado na Rua.55
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