Resistir é preciso!

Coluna Democracia e Política

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Foto: Leandro Osorio/Governo do RS

Foto: Leandro Osorio/Governo do RS

O que há de pior

As manifestações de servidores públicos no último dia 13, em frente ao Palácio Piratini, foram motivadas pela necessidade de enfrentar um pacotaço nefasto para a administração pública. A razão é que o pacote de medidas de José Ivo Sartori traz o que há de pior dos projetos de mudanças do mundo privado para o contexto do serviço público: a precariedade das ocupações, a instabilidade dos trabalhadores públicos e a incerteza dos contratos, estabelecem  um projeto critico para o futuro do Rio Grande do Sul.

Esse erro estratégico vem de uma visão de administração pública que coloca no interior do serviço público exigências de rentabilidade só cabíveis na iniciativa privada. A única coisa que o governo José Ivo Sartori conseguiu foi igualar o nível de exploração dos trabalhadores do estado com os da iniciativa privada: agora ambos vem aumentar suas responsabilidades e reduzir-se seus salários, produzindo-se a degradação das funções públicas, retirada de direitos dos servidores públicos e incerteza quanto ao futuro,  condições já presentes no mundo privado.

Servidão voluntária

Todos os prejuízos do sistema capitalista foram incorporados ao projeto de José Ivo Sartori, que cria uma espécie de nova servidão voluntária: queria o governador com seu projeto que os servidores públicos não se rebelassem, não saíssem às ruas contra esse estado de coisas? Em “A cadeia invisível: fluxo tenso e servidão voluntária (FCE, 2011), Jean-Pierre Durand afirma que no capitalismo, mesmo com a crise de acumulação e as transformações das relações de trabalho “a grande maioria  de quem dispõe de um emprego (estável ou precário) trabalha mais duro que antes, seja devido a um aumento da carga horária de trabalho, o por um alargamento da jornada laboral, porém em geral se declaram mais satisfeitos que antes com seu trabalho”(p.26).

O pacotaço de José Ivo Sartori  atua no sentido contrário: ao terem de deixar seu trabalho para lutar por direitos, ao terem de se concentrar, muitas vezes enfrentando a força do estado e sua repressão, o governo criou uma situação que vai contra aos efeitos das reformas estruturais das empresas, desestimulação da criatividade e do estimulo de trabalhar, reduzindo a implicação dos servidores com a prestação de serviços: como é possível servidores com salários parcelados, elemento do seu contrato de trabalho com o Estado, continuarem em atividade? Acampados na frente do palácio Piratini, em estado de greve, esse elemento de envolvimento que garantia a eficácia sistêmica das reformas da iniciativa privada inexiste no projeto de estado de José Ivo Sartori.

Foto: Luiz Chaves/Palácio Piratini

Foto: Luiz Chaves/Palácio Piratini

Resistência

Na praça da Matriz, numa notável demonstração de resistência, cada órgão atingido pelo projeto de reforma se fez presente como nunca se viu. Servidores das mais diversas fundações indicadas para serem extintas estavam acampadas na frente do palácio Piratini lutando por sua sobrevivência e contestando as justificações apresentadas pelo governo para seu fim. Porquê a reação? Porque são iniciativas ilegítimas de governo, que não ouviram os principais interessados, os servidores de cada órgão a ser extinto. A critica a decisão do governo tem uma base clara: o governo não foi capaz de analisar em profundidade e a natureza de cada órgão que visa extinguir. Isso ficou claro não apenas no caso da FEE, como da FZB e da Fundação Piratini.  A critica é clara: os servidores não aceitam reformas que se fundamentam na alienação do patrimônio público.  Primeiro porque o projeto de reforma significa que o patrimônio público não pertence mais a sociedade, não é produto do trabalho dos servidores, mas é alienado destes, daí a defesa pelo governo da ideia de privatização; segundo porque mais além do aspecto econômico, significa a perda da liberdade do estado de dispor das pesquisas, dos serviços e do patrimônio conquistado por décadas por estas instituições.  O projeto de José Ivo Sartori recebe resistências porque está claro que mascara a redução de espaços de autonomia dos servidores, retira do trabalhador público as condições para satisfação no trabalho, mas principalmente, aliena um patrimônio que cabe ao servidor proteger. Sartori quer instalar no serviço público uma forma de servidão voluntária, queria que os servidores aceitassem seu projeto sem luta. Ledo engano, por isso, a sua insatisfação com a resistência de seus trabalhadores.

É preciso ver as manifestações dos servidores em frente ao Palácio Piratini não apenas como uma resistência objetiva, a reunião de categorias em uma pauta comum de enfrentamento a politica reformista do governo José Ivo Sartori. É preciso vê-las como manifestação de um componente subjetivo da maior importância, a de que revelam o sofrimento dos servidores públicos do estado do Rio Grande do Sul.

Um dos aspectos de avanço na qualificação do mercado do trabalho no capitalismo foi o fato de que permitiu os trabalhadores expressarem e tornar públicos seu descontentamento com suas condições de trabalho. Isso fez com que os trabalhadores da iniciativa privada pudessem constatar que, apesar de suas condições de trabalho estivessem mais interessantes, ainda assim o trabalho estava mais duro sob as novas reformas das empresas. Sartori fez o contrário:  ele tornou insuportável as condições de trabalho dos servidores públicos  com a ameaça de extinções de fundações e demissão em massa de trabalhadores, ainda que o trabalho não esteja tão duro, já que os servidores são obrigados a ficarem em frente ao Piratini para reivindicar seus direitos.

Foto: Luiz Chaves/Palácio Piratini

Foto: Luiz Chaves/Palácio Piratini

Enfoque

O enfoque da psicodinâmica do trabalho aponta para a necessidade de remediar desequilíbrios do sofrimento, o sentimento de injustiça vivenciado pela incerteza salarial, produto do novo management adotado pelo governo. Essa situação pode ser definida como abuso moral e o próprio CPERGS já sinalizou nesse sentido:  a angústia dos professores que vivem na situação difícil de não terem recursos para irem para o trabalho. Essa situação se torna insuportável porque o servidor não tem recursos para dar a sua família uma resposta tranquilizadora: são milhares de lares ameaçados e histórias de depressão produzidas por uma política de estado equivocada.  O servidor vivencia a angústia e o mal estar oriundo de exigências da esfera econômica, das formas de reforma econômica que o estado prevê com as quais não concorda. Enquanto que na iniciativa privada, segundo Durand, há pouca resistência frente a processos de reforma, na atual situação dos servidores do estado a questão é: como fazer durar a resistência?

O projeto de reforma de José Ivo Sartori aprofunda e agudiza no interior do serviço público a contradição pertencente entre capital e trabalho. Os reflexos da crise de acumulação repercutem no Estado que quer usar as mesmas ferramentas do capital para resolve-la: demissão de servidores, extinção de órgãos,etc, como se fosse uma empresa qualquer. Pior: quer engajar os servidores no processo de sua própria extinção. Ocorre que a organização dos servidores públicos tornou-se também uma estrutura complexa, segmentada, com inúmeros profissionais que fortaleceram a questão sindical. A força para o enfrentamento do projeto de reformas de José Ivo Sartori encontra-se na capacidade de mobilização dos sindicatos de classes. Nesse sentido, somente uma ampla frente sindical de trabalhadores do estado tem condições de enfrentar a aposta do governo.

Pressão legítima

Não se trata de incentivar o sindicalismo reformista ou revolucionário: se trata de valorizar o sindicalismo de oposição e,  portanto, é uma hora de unidade sindical, inclusive, daqueles órgãos que não estão diretamente afetados pelas propostas de José Ivo Sartori. O conflito e a violência devem ser evitados pelos manifestantes, para que fique claro para a opinião pública que é a iniciativa violenta é do governo, deslegitimando sua proposta de reforma. Os sindicatos também terão uma função de solidariedade neste momento, chamando a população a colaborar nas redes de solidariedade para sobrevivência dos servidores. A ação deverá ser também uma ação sindical de experts:  demonstrar com conhecimento que as propostas de José Ivo Sartori são falsas promessas, que trazem mais problemas para a administração do que propõem solucionar; melhor, que são más soluções, pois exterminam, de uma vez para sempre, competências adquiridas pelo Estado e capacidades de trabalho que nenhuma empresa privada poderá substituir.

O desenvolvimento das capacidades práticas do novo sindicalismo das categorias do Estado do Rio Grande do Sul está na ampliação de sua perícia, na capacidade de divulgação de sua argumentação junto a opinião pública, aos representantes políticos para exercer, como grupo de pressão legítimo, sua pressão para o recuo do governo. Mais do que nunca, os sindicatos de classe deverão produzir saberes e conhecimentos  para oferecer propostas alternativas ao governo, mas também é necessário difundir suas propostas.

A contradição entre o capital e o trabalho é intrínseca ao capitalismo. Os acampados na Praça da Matriz só contam com sua mobilização para serem ouvidos na relação de força que estabelecem com o governador José Ivo Sartori. Afirma Durand:” implica, inclusive, por um limite a partir do qual as propostas patronais são inaceitáveis e por outro, mobilizar os trabalhadores contra os abusos patronais para promover reformas importantes”(p.278).

 

downloadJorge Barcellos é Articulista do Estado de Direito, responsável pela coluna Democracia e Política – historiador, Mestre e Doutor em Educação pela UFRGS. É chefe da Ação Educativa do Memorial da Câmara Municipal de Porto Alegre e autor de “Educação e Poder Legislativo” (Aedos Editora, 2014). Escreve para Estado de Direito semanalmente.
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