Dedicado a Thiago Hoshino
Numa sexta-feira fria da última semana de junho, eu e Levy, eu e Ana, nos encontramos na cidade de Curitiba pela primeira vez. A ocasião era o Seminário Mediação de Conflitos Fundiários e Regularização Fundiária Plena, promovido pela ainda nova, mas já relevante, Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo do Ministério Público do Estado do Paraná.
Levy falou sobre a proposta de criação de varas especializadas em conflitos fundiários, em curso no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Ana falou sobre a Política Nacional de Regularização Fundiária de Assentamentos Urbanos, em curso no Ministério das Cidades.
Sob a sensação térmica de três graus, o debate esquentou.
Curiosamente, não foram as dissonâncias que animaram a discussão e a plateia. Foram, antes, os vazios: o quanto por fazer, o quanto por formular, o quanto por conhecer, o quanto para desatar. Os quantos que somos para nos unir. Éramos nós, estreitos nós, cantaria Chico Buarque.
Pouco além de um mês depois, ainda agasalhados, Ana menos, no Planalto Central, Levy mais, no Planalto de Piratininga, estamos aqui os dois com a missão de ir ocupando esses vazios, ora um, ora outro. Ora vocês que nos leem. Com a missão de aquecer o debate sobre a cidade, com a missão de aquecer a própria cidade. Ou: as cidades. Plurais, exóticas, eróticas, caóticas, narcóticas. Diversas, singulares, dissociadas. Profundamente humanas. Alquímicas.
Na co-coordenação desta coluna Direito à Cidade, o primeiro desafio foi escrever este texto inaugural a quatro mãos. Haverá outro mais difícil? Talvez não. Como talvez não haja desafio maior que a dimensão coletiva, compartilhada, disputada, constitutiva da própria cidade. Haverá pacto possível?
Levy escreve hermético. Ana escreve poético. Ana é filha de Iansã. Levy, de Warat. Mas nenhum dos dois tem medo de escuro e os dois querem cidades d’Oxum. Douradas, prósperas, amorosas, acolhedoras. Cidades geratrizes de vida. De gente. De arte. De cultura. De encontros. De trocas. De cidadãos apoderados de seu espaço no espaço da alteridade. Onde ainda haverá sombra – parte indissociável da luz.
O direito à cidade está aqui, no título da coluna, e está por aí, na boca do povo. Todo mundo invoca para si um direito à cidade e é necessário dar início a essa discussão.
Todo começo é um campo aberto de possibilidades. Mas a pergunta precisa é: que é esse direito? Das micro-rupturas da reforma à força criadora das revoluções, este é um campo que decididamente merece ser ocupado. Resignificado, ressimbolizado, escrito.
Hora de dar voz às vozes da cidade. Hora de falar do Direito à Cidade. Vamos?
Ana Paula Bruno é Doutora em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo. Analista de Infraestrutura do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Gerente de Regularização Fundiária Urbana da Secretaria Nacional de Acessibilidade e Programas Urbanos do Ministério das Cidades. Professora de graduação e de pós-graduação. E-mail: apbruno@yahoo.com.br
Wilson Levy é doutorando em Direito Urbanístico pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, mestre em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela Universidade de São Paulo. Graduate Student Fellow do Lincoln Institute of Land Policy. Membro do Núcleo de Estudos em Direito Urbanístico da Escola Paulista da Magistratura. Professor colaborador do PPG em Direito da UNINOVE. E-mail: wilsonlevy@gmail.com.