Laura Berquó *
A Lei n. 14.448/2022 instituiu o Agosto Lilás como um conjunto de ações, durante todo o mês de agosto, de conscientização para o fim da violência contra a mulher, que deve ser adotado pela União, Estados e Municípios.
O número de feminicídios em 2024 atingiu índices alarmantes, mesmo com a vigência do Pacote Antifeminicídio, que instituiu a pena-base de 20 a 40 anos de reclusão para feminicidas, destacando o feminicídio como tipo independente do crime de homicídio e não mais como qualificadora deste. Também criou impedimento para a nomeação de feminicidas ou agressores de mulheres para cargos públicos e cargos eletivos, dentre outras medidas.
São formas encontradas pelo Direito para tentar conter a crescente violência em razão do sexismo e da misoginia. Há uma reação coletiva de muitos homens que se sentem prejudicados pelo empoderamento de mulheres e buscam, com isso, manter sua dominação por meio de diversos tipos de violência.
A Lei Maria da Penha é um grande avanço em relação à própria Convenção Interamericana de Belém do Pará de 1994. Enquanto a Convenção reconhece a violência sexual, psicológica e física, a Lei Maria da Penha reconhece, além dessas três, a violência moral e patrimonial.
Aproveitando o Agosto Lilás e a recente decisão do STF que impede a repatriação imediata de crianças para países estrangeiros nos casos de violência doméstica — mesmo com a alegação do genitor agressor de subtração ou sequestro internacional —, é urgente falar sobre patrilocalidade e como essa cultura patriarcal coloca a mulher em situação de maior vulnerabilidade.
Há uma situação específica que gera grande probabilidade de violência contra as mulheres: a fixação do domicílio conjugal na residência, localidade, estado ou país de origem do homem ou de sua família. O direito do homem de fixar a residência do casal foi, por exemplo, recepcionado pelo Código Civil de 1916. Esse fenômeno é uma característica do patriarcado presente em diversos povos e estudado pela antropologia. Contudo, aumenta o risco de a mulher ficar desprotegida, sem amparo ou apoio de seu grupo familiar em casos de violência praticada por seu marido, companheiro ou familiares deste.
Nessa esteira de proteção aos direitos humanos das mulheres e dentro do princípio do melhor interesse da criança, a decisão do STF é relevante para coibir abusos decorrentes da patrilocalidade. Mesmo a Convenção de Haia não foi capaz de assegurar a integridade psicológica de crianças em casos de violência familiar e doméstica contra suas mães, invisibilizando um dos fatores que levam muitas delas a fugirem e pedirem apoio em Embaixadas e Consulados de seus países de origem: a violação de seus direitos humanos enquanto mulheres.
Precisamos debater mais sobre patrilocalidade e como a União, os Estados e os Municípios podem contribuir com políticas assistenciais — por exemplo, por meio de suas secretarias de Assistência Social e das Mulheres — para permitir o retorno dessas mulheres vítimas ao seu local de origem, caso assim desejem.
A patrilocalidade silencia mulheres estrangeiras em nosso país, brasileiras no exterior, mulheres vítimas de violência por familiares de seus maridos, mulheres fora de sua localidade de origem que dependem economicamente de seus cônjuges e companheiros. A patrilocalidade não é um fenômeno recente, pois é culturalmente enraizada no patriarcado, mas exige, por isso, uma resposta mais efetiva para resguardar a integridade da mulher.
- Laura Berquó – Advogada e Professora Adjunta da UFPB. Mestre em Ciências Jurídicas pela UFPB. Ex-Conselheira Estadual de Direitos Humanos (Paraíba). Membro do IAB Nacional. Membro da ABMCJ-PB.