Não há como comparar o que aconteceu na década de 1960 no Brasil com o que estamos vivenciando agora. Tanto os norte-americanos daquele tempo quanto a direita brasileira (aqui não usaremos “extrema-direita” para os anos 60) eram, de longe, mais inteligentes. Temos atualmente um Congresso Nacional com uma extrema-direita que impõe projetos de lei passando por cima do mínimo de conhecimento que se exige da Constituição, incluindo os direitos fundamentais.
Por muito tempo, as mudanças legislativas dos anos 60 foram uma obsessão nos meus anos universitários, quando li, em Aliomar Baleeiro, que o Brasil, assim como outros países latino-americanos, no período de 05 a 17 de agosto, anuíram com a Carta de Punta Del Este de 1961. Deveriam, portanto, modificar suas legislações agrária, bancária, fiscal, tributária etc., em 10 anos. Era o Programa Aliança para o Progresso. De fato, foi o que se viu durante a Ditadura Militar no Brasil, com exceção da Lei 4.320, que é de 17.03.1964, mas provavelmente decorrente de exigência do Programa.
Houve também movimentos sociais muito aguerridos, como as Ligas Camponesas, e o foco na figura do cidadão-trabalhador que antecederam o Golpe de 1964 e permearam, no que tange aos direitos fundamentais do trabalhador, o espírito dos movimentos sindicais, culminando no artigo 7º da Constituição Federal de 1988. Hoje temos uma geração que já nasce para ser consumidora, como indivíduo e como cidadã, alienada em sua bolha.
Na década de 1950, temos a ebulição das Ligas Camponesas em Pernambuco e na Paraíba, com violências no campo que repercutiram na Paraíba até os anos 80, com a morte da líder sindicalista Margarida Maria Alves e com o assassinato de lideranças no litoral sul do Estado da Paraíba, como Zé de Lela, que se insurgiu contra grileiros de terras quilombolas e tabajaras. Nesse intervalo, entre os anos 50 e 80, houve também derramamento de sangue com o assassinato de João Pedro Teixeira, em 02.04.1962, e com o desaparecimento/assassinato das lideranças sindicalistas Nego Fuba e Pedro Fazendeiro, sendo um deles, segundo relatos populares mencionados pelo antropólogo Mauro Koury, queimado vivo, amarrado a uma árvore, a mando do latifúndio paraibano. Esses fatos mostram que o “comunismo” era um fantasma que assombrava a imaginação dos que apoiaram o Golpe de 1964, bem como a agitação dos movimentos sociais pela terra e pelos direitos do trabalhador rural.
Ao menos os golpistas civis dos anos 1960 pareciam ter uma formação cultural mais sólida. O que vemos atualmente é a falta de lastro intelectual, tanto da extrema-direita brasileira quanto da norte-americana. Não se fazem imposições para dar um ar de suavidade, como no caso da Aliança para o Progresso. É a força bruta que tenta rebaixar a soberania do Brasil. É o uso da violência contra as instituições, de forma burra e violenta, como na tentativa de golpe de 08.01.2023. É o ataque ao Supremo Tribunal Federal e aos seus ministros. É a confissão feita por um general de que cogitou a morte do Presidente da República, do Vice-Presidente e de um ministro do STF.
Não precisa haver mais mobilização da população para um golpe, porque esta já está mobilizada desde 2013 contra governos legítimos de esquerda (com apoio de parte da esquerda, inclusive). Não era por conta dos 20 centavos. Não há apenas o fantasma do comunismo, segundo eles, mas uma luta constante contra os direitos das minorias. O Brasil, em 2024, registrou o aumento de feminicídios, sendo 63,6% das vítimas mulheres negras e 70,7% com idades entre 18 e 44 anos, havendo aumento também de vítimas com mais de 60 anos e adolescentes entre 14 e 17 anos. O Brasil também registrou aumento de estupros. Ainda, em 2023, o número de lideranças indígenas assassinadas só foi menor do que em 2020, no auge do governo Bolsonaro.
Conforme noticiado em 25.07.2025, os EUA estão de olho nos nossos minérios e terras raras — daí a pressão. Não é novidade, desde que Bolsonaro, na Assembleia Geral da ONU em 2019, iniciou a investida internacional contra nossos povos originários. Considerando que as terras dos povos originários, já demarcadas inclusive, têm sido alvo de Projetos de Decretos Legislativos para sustarem atos do Poder Executivo que reconhecem as referidas demarcações e, coincidentemente, são ricas em minérios.
Os movimentos sociais e a esquerda brasileira parecem ter dormido no ponto. Estão perdendo a guerra algorítmica e o uso das redes sociais. Não se apropriaram da ciber militância como a extrema-direita se apropriou no mundo desde 2016. Fake news à parte, a extrema-direita tem domínio da militância digital. A esquerda não acompanhou os avanços do capitalismo de vigilância. Concluindo, a impressão que temos é que o nível de ambos os lados (golpistas-entreguistas e não golpistas) baixou bastante, de uma forma ou de outra, em comparação aos anos 60, sendo necessário que a esquerda se aproprie dos espaços ocupados pela extrema-direita — como as mídias sociais — para ao menos tentar alcançar essa nova geração de cidadãos, cada vez mais consumidores do que é postado no virtual, presos e alimentados pelas redes sociais.
Laura Berquó
Professora Universitária (UFPB). Advogada. Mestre em Ciências Jurídicas (UFPB). Ex-Conselheira Estadual de Direitos Humanos (Paraíba). Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) e da Associação Brasileira de Mulheres de Carreira Jurídica – ABMCJ – PB.