O STJ e o fortalecimento da Arbitragem enquanto meio de solução de conflitos

Artigo veiculado na 26ª edição do Jornal Estado de Direito, ano IV, 2010.

 

Ricardo Marchioro Hartmann*

Ao observarmos diferentes obras voltadas às áreas da Sociologia e do Direito, percebemos um ponto de vista comumente aceito, qual seja o de que a convivência humana exige uma regulação, e que o desenvolvimento dessa convivência conduz à necessidade de uma limitação da livre iniciativa privada. Restando aos operadores das ciências jurídicas e sociais a questão de como solucionar as situações em que um indivíduo tem um direito lesionado.
A natureza humana, segundo diversos autores, conduziria o ofendido a uma reação natural de defesa. A essa modalidade rústica de solução de conflitos, em que visualizamos a imposição coativa da vontade de uma parte sobre a outra, tradicionalmente, aplica-se a denominação “autotutela” (Ana Mª Chocrón Giráldez). Por uma questão de civilidade, as sociedades acabaram introduzindo em seus ordenamentos, ao longo da história, uma proibição ao enfrentamento direto, ou seja, à autotutela. É certo que não seria admissível a simples proibição de um meio de solução de conflito, mesmo que o mais arcaico de todos, sem que fossem ofertadas fórmulas pacíficas capazes de dissuadir o cidadão a afastar-se de seu “ímpeto de revide”.
Ao logo da história, as civilizações foram criando diferentes meios de solução de conflitos, sendo que algumas dessas modalidades evolucionaram para as formas atualmente utilizadas pela sociedade moderna como forma alternativa ao tradicional procedimento judicial. Mesmo que um estudo sobre cada momento histórico, assim como sobre cada meio de solução de conflito nos pareça uma proposta altamente interessante no momento, gostaríamos de nos atentar ao instituto da “arbitragem”. A arbitragem, por ser meio rápido e econômico de solucionar contendas, faz longos anos é amplamente adotada em países desenvolvidos – podemos citar a solução de conflitos na área dos esportes (negociação de jogadores de futebol entre clubes europeus). No que tange à utilização nas sociedades modernas, temos como exemplo a Espanha, que faz uso da arbitragem desde 1953. Esse aludido instrumento de solução pacífica de oposições não poderia deixar de ser devidamente aproveitado no mundo moderno, eis que além de possuir características relevantes como a celeridade; a economia; a possibilidade de intervenção de profissionais especializados de forma imediata – já que viabiliza, de forma simples e ágil, a participação de engenheiros e de médicos, entre outros -, forma coisa julgada.
Apesar de todas as evidentes vantagens da arbitragem no Brasil, país onde o Poder Judiciário está envolvido em um número exorbitante de demandas judiciais, assim como mergulhado em um procedimento judicial moroso, o meio alternativo de solução de conflitos é pouco utilizado. Os motivos para essa parca utilização podem ser diversos, sendo os mais relevantes a falta de uma política pública eficiente e a falta de conhecimento por parte do cidadão. No entanto, o que surpreende os profissionais do direito é que, em boa medida, a falta de efetiva utilização da arbitragem no Brasil deve-se à posição do próprio poder judiciário frente ao aludido instituto.
Corriqueiramente, deparamo-nos com sentenças nas quais são declaradas a invalidade de “compromissos arbitrais”, em função de boa parte dos magistrados acreditarem que essas configuram uma afronta ao direito constitucional de amplo acesso à justiça. Percebemos, ainda, muitas decisões desconstitutivas de sentenças arbitrais sob iguais fundamentos. Tais situações, ao nosso entender, demonstram que o próprio Poder Judiciário, em muitas oportunidades, acaba por impor descrédito ao instituto da arbitragem.
Para conforto dos que acreditam na necessidade de efetiva utilização de formas de soluções alternativas de conflitos em nosso país, como meio de superarmos a problemática vivida pelo abarrotamento do Poder Judiciário, sobreveio recente decisão do Superior Tribunal de Justiça para fins de ofertar credibilidade ao instituto em questão. O STJ, no Resp 791.260/RS, decidiu que a previsão contratual de arbitragem, desde que celebrada em comum acordo entre as partes, gera a obrigação de submissão de qualquer litígio a um tribunal arbitral. Ademais, os julgadores aclararam que o descumprimento da cláusula de arbitragem acarreta a extinção do processo sem o julgamento do mérito.
É oportuno referir que o STJ, no Resp 934.771/SP, foi além, estabelecendo que mesmo em contratos realizados em momento antecedente à lei 9307/96, em havendo estabelecimento de cláusula arbitral, essa será plenamente aplicável. Havendo os julgadores aclarado que a arbitragem é um instituto eminentemente processual, as disposições legais pertinentes possuem aplicação imediata nos contratos, mesmo que celebrados em momento antecedente.
Mediante aludida decisão, o STJ não apenas reconheceu que o Brasil possui adequada legislação para uma eficiente utilização do mecanismo de solução de conflitos denominado arbitragem, como conferiu a devida “efetividade” ao instituto. Com esse posicionamento, o STJ ademais de conferir credibilidade a esse instituto, acaba por introduzir o Brasil no grupo dos países que possuem respaldo do Poder Judiciário local para uma efetiva utilização dos meios alternativos de conflitos – inclusive em contratos internacionais.
Não restando dúvidas de que o STJ corrigiu um equívoco em que incorriam diversos operadores do direito – ao ofertarem uma situação de descrédito ao instituto em questão -, assim como superou uma omissão dos poderes públicos, que não realizam políticas públicas no sentido de fortalecer a utilização de formas “alternativo-pacíficas” de solução de conflitos – o que, como referido no início dessa singela explanação, faz-se necessário desde que se chegou ao entendimento de que a “autotutela” deveria ser afastada. Assim, retomando a linha de raciocínio que deu origem aos meios de solução pacífica de conflito, o STJ, pontualmente, buscou a “civilidade”.

 

* Advogado. Doutorando em Direito Público e Pós-graduado em Mediação e Arbitragem pela Universidade de Burgos – Espanha. Diretor das Unidades Porto Alegre e Canoas do Curso Jurídico FMB.

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