O saque do FGTS para pagamento de tratamento de filho com autismo, isso é possível?

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Renata Malta Vilas-Bôas, articulista do Jornal Estado de Direito

 

 

 

 

As hipóteses de levantamento do FGTS estão previstas na legislação, mas o que se pergunta é: somente aquelas hipóteses ou pode ter outras ?

O E. TRF da 3ª Região ao analisar um Mandado de Segurança manifestou-se no sentido da possibilidade de requerer esse saque.

Quando se pensa no FGTS a ideia central – para o trabalhador – é que ele em momentos difíceis (doença grave/demissão, etc.) possa se utilizar desses valores.

E quando se trata dessas doenças graves a legislação vem apontado quais seriam elas. Assim, temos como doença grave a neoplasia (câncer), a AIDS, dentre outros.

Mas, e se o que a pessoa tem não está nesse rol, pode ter o acesso ao FGTS ?

E é aqui que o E. TRF 3ª, manifestou-se no sentido de que é possível.

No caso concreto o filho do impetrante foi diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista (TEA), e quando mais cedo iniciar a condução do tratamento melhores resultados se tem. No caso a criança estava com dois anos.

Mas, o tratamento demanda o acompanhamento de diversos profissionais, e muitos deles não tem convênio. Ou o convêncio cobre apenas uma parte.

Ou seja, é preciso providenciar o tratamento e acompanhamento devido daquela criança. E nesse caso o E. TRF 3ª Região entendeu que nesse caso, em que o filho tem o transtorno citado pode sacar o seu FGTS para poder providenciar o tratamento adequado para a criança. Vejamos a liminar que foi concedida e sua fundamentação:

 

MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL (120) Nº 5026377-96.2021.4.03.6100 / 25ª Vara Cível Federal de São Paulo IMPETRANTE: —– Advogado do(a) IMPETRANTE: (…) – IMPETRADO: SUPERINTENDENTE DA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL EM SÃO PAULO LITISCONSORTE: CAIXA ECONOMICA FEDERAL – CEF

D E C I S Ã O

Vistos etc. Trata-se de PEDIDO DE LIMINAR formulado em sede de Mandado de Segurança impetrado por —- em face do SUPERINTENDENTE DA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, visando a obter provimento jurisdicional que “autorize, mediante alvará, a liberação do saldo existente nas contas vinculadas do FGTS do autor, em uma única parcela, uma vez presentes os requisitos ensejadores da medida”. Narra o impetrante, em suma, que seu filho, com 2 (dois) anos de idade, teve o diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA), de modo que “passou a usar todos os recursos financeiros de que dispunha, juntamente com sua esposa, a fim de proporcionar as terapias necessárias ao tratamento da criança”.

Afirma que “a renda da família vem sendo comprometida desde o diagnóstico da criança, pois se consome inteiramente no cuidado com o filho autista”. Alega que, diante desse quadro, dirigiu-se a uma agência da Caixa Econômica Federal a fim de levantar os valores que possui em sua conta vinculada ao FGTS. Contudo, foi informado de que o pleito não se enquadrava em nenhuma das hipóteses legais autorizativas para liberação de valores depositados no FGTS (art. 20, Lei nº. 8.036/90 e Circular Caixa nº. 317, de 22/03/2004).

Inconformado, “impetra o presente mandado de segurança com o objetivo de ver reconhecido seu direito líquido e certo de obter alvará judicial para levantamento dos saldos do FGTS e do PIS, os quais serão empregados no tratamento do seu filho, portador de autismo”. Com a inicial vieram documentos. É o relatório, decido. Presentes os requisitos para a concessão do pedido de liminar. Ao que se verifica, o impetrante (IAGO MOURA TEODORO) é pai de Emanuel Nascimento Moura, nascido em 17/12/2018, conforme consta da certidão de nascimento de ID 105605607. Assim, resta comprovado o vínculo de filiação entre o impetrante e o infante Emanuel Nascimento Moura. Quanto ao menor impúbere também resta comprovado ser portador de doença grave (autismo). De acordo com o laudo médico, datado de 10/06/2021, atestado pela médica neuropediatra Dra Mariana Espíndola de Castro Almeida CRMSP n. 179129 (ID 105605612): “Declaro que o menor Emanuel Nascimento Moura, 2 anos e 5 meses, apresenta diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (DSM-5: 299.00, CID-10: F84.0). Recebeu o diagnóstico dia 28 de Abril de 2021. Paciente apresenta dificuldade de interação social e comunicação, atraso na fala e alterações na reciprocidade sócio emocional e nos comportamentos comunicativos não verbais. Apresenta ainda padrões restritos e repetitivos de comportamentos, interesses e atividades, inflexibilidade a mudanças de rotinas e alterações sensoriais.”. Tratando-se de um dependente portador de doença grave que necessita de tratamentos cotidianos e ininterruptos, é intuitivo que essa situação demanda recursos financeiros extraordinários. Sendo assim, nada justifica que o dinheiro que pertence ao impetrante, e que pode ser utilizado no alívio do sofrimento de seu filho, permaneça depositado enquanto necessita de tratamentos. O fato de o Regulamento do FGTS somente contemplar as doenças AIDS, CÂNCER e outras doenças em estágio terminal não pode ser impedimento ao exercício do direito, vez que sendo a doença grave, nem mesmo o Regulamento poderia negar-lhe a aptidão de ensejar o levantamento do saldo da conta do FGTS com base no dispositivo legal invocado, vez que se isso ocorresse estar-se-ia diante da invalidação da lei pelo seu regulamento.

Ademais há que se ater para a função social do FGTS. Nesse sentido, confira-se a seguinte ementa:

 “PROCESSUAL CIVIL. FGTS. APOSENTADORIA. DOENÇA NÃO RELACIONADA NA LEI 8.036/90. LEVANTAMENTO. POSSIBILIDADE. 1. Nos termos do art. 20, III, da Lei nº 8.036/90, “a conta vinculada do trabalhador no FGTS poderá ser movimentada nas seguintes situações: (…) III – aposentadoria concedida pela Previdência Social. (…)”. 2. Conforme se pode verificar às fls. 25-26, concedida a aposentadoria pelo INSS não merece prosperar a irresignação da recorrente ao afirmar que o autor não preenche requisito para movimentação de sua conta vinculada ao FGTS. 3. Ainda que assim não fosse, também é firme o entendimento jurisprudencial no sentido de que o rol constante do art. 20, do CPC, não é taxativo, mas meramente exemplificativo, comportando situações de saque não contempladas no referido regramento legal, isto tendo em vista a finalidade social da norma. Precedentes desta Corte e do STJ.

  1. Nesse sentido: “Orienta a jurisprudência pátria seja dada interpretação extensiva ao disposto no art. 20 da Lei n. 8.036/90, firmado o entendimento de que o rol do art. 20 não é taxativo, bem como de que, em atendimento aos princípios constitucionais e aos fins sociais a que a lei se destina, deve-se assegurar o direito constitucional do cidadão à vida e à saúde, autorizando-se a liberação do saldo de FGTS em casos de enfermidade grave do fundista ou de seus familiares, ainda que não prevista de forma expressa na Lei n. 8.036/1990.” (AC 0000648-72.2014.4.01.9199/AC, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL JIRAIR ARAM MEGUERIAN, SEXTA TURMA, e-DJF1 p.1045 de 10/10/2014).

  2. Já decidiu esta Corte que “comprovado, suficientemente, que o titular da conta vinculada ao FGTS é portador de cardiopatia grave, doença que pode levar à morte, surge o direito ao levantamento do saldo do FGTS.” (AC 0014362-92.2003.4.01.3700/MA, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO BATISTA MOREIRA, Rel.Conv. JUIZ FEDERAL EVALDO DE OLIVEIRA FERNANDES, filho (CONV.), QUINTA TURMA, e-DJF1 p.125 de 30/07/2010). Caso dos autos.

  3. Correta, portanto, a sentença recorrida ao reconhecer o direito do autor para o levantamento do saldo de sua conta vinculada ao FGTS.

  4. Apelação que se nega provimento.” (TRF1, AC 00058688920044013900, Sexta Turma, Desembargador Federal Relator KASSIO NUNES MARQUES, e-DJF1 DATA:10/02/2015).

Dessa forma, ainda que a situação da requerente não se enquadre nas hipóteses elencadas na Lei 8.036/90, é pacífico o entendimento de que em casos excepcionais é possível a movimentação da conta vinculada do FGTS em casos de enfermidade grave do fundista ou de seus familiares. Sendo o que ocorre no presente caso, eis que o autor afirma estar com dificuldades de arcar com o tratamento de seu filho, a pretensão merece ser acolhida para que a criança possa ter o mínimo de dignidade.

Isso posto, presente o fumus boni iuris, assim como o “periculum in mora”, DEFIRO O PEDIDO DE LIMINAR para determinar à autoridade impetrada que providencie a liberação dos valores do FGTS depositados na conta vinculada do impetrante, no prazo de 15 (quinze) dias. Notifique-se a autoridade impetrada para que cumpra a presente decisão, bem como para que preste informações, no prazo de 10 (dez) dias, nos termos do art. 7º, I, da Lei 12.016/2009. Dê-se ciência do presente feito ao representante judicial da pessoa jurídica interessada, nos termos do inciso II do art. 7º da Lei n.º 12.016 de 07.08.2009.

Após o parecer do Ministério Público Federal, tornem os autos conclusos para sentença. Defiro os benefícios da justiça gratuita. P.I.Oficie-se, com urgência. SãO PAULO, 17 de setembro de 2021.

 

 

renata vilas boas
*Renata Malta Vilas-Bôas é Articulista do Estado de Direito, advogada devidamente inscrita na OAB/DF no. 11.695. Sócia-fundadora do escritório de advocacia Vilas-Bôas & Spencer Bruno Advocacia e Assessoria Jurídica, Professora universitária. Professora na ESA OAB/DF; Mestre em Direito pela UPFE, Conselheira Consultiva da ALACH – Academia Latino-Americana de Ciências Humanas; Acadêmica Imortal da ALACH – Academia Latino-Americana de Ciências Humanas; Integrante da Rete Internazionale di Eccelenza Legale. Secretária-Geral da Rede Internacional de Excelência Jurídica – Seção Rio de Janeiro – RJ; Colaboradora da Rádio Justiça; Ex-presidente da Comissão de Direito das Famílias da Associação Brasileira de Advogados – ABA; Presidente da Comissão Acadêmica do IBDFAM/DF – Instituto Brasileiro de Direito das Familias – seção Distrito Federal; Autora de diversas obras jurídicas.

 

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