O falso discurso da crise da previdência municipal

Coluna Democracia e Política

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Um discurso enganador

A luta entre servidores e o Prefeito pelo discurso da situação do Fundo de Previdência dos Municipários – Previmpa – começou quanto em 18 de janeiro de 2017, a entidade enviou uma nota a servidores admitindo erros na matéria publicada por Zero Hora do dia anterior, às páginas 8 e 9,  referentes à previdência dos municipários, negando a existência do “rombo” a que se referia o jornal. Essa discussão também envolveu a Astec, órgão representativo dos técnicos de nível superior da Prefeitura, que acompanha o Previmpa, que inclusive,  defendeu que a referida nota deveria ser publicada no mesmo jornal, e não somente enviada aos servidores.

A nota do Previmpa criticava o fato de ZH tratar como rombo os aportes efetuados pelo Município para pagamento de benefícios do Regime de Repartição Simples do Departamento Municipal de Previdência dos Servidores do Município de Porto Alegre (Previmpa). Não se trata de rombo, afirma a nota “uma vez que esse aporte é fruto da característica do grupo, onde não há poupança para pagamento de benefício e, legalmente, o custo desses benefícios é do Tesouro Municipal ”Não é tecnicamente correto, é uma figura feita pela imprensa que deturpa o que realmente acontece”, diz a nota do Previmpa. Além disso, finaliza a nota, é um aporte “devidamente autorizado pela Lei Orçamentária Anual, sendo obrigação do ente fazê-lo ao Regime.” No dia 20, o presidente da Astec, Sergio Luiz Brum, em artigo no Jornal do Comércio intitulado “Não há rombo no Previmpa”, reiterou os argumentos da entidade, afirmando taxativamente que

“Desde 2001, a previdência dos servidores da prefeitura de Porto Alegre é organizada pelo Departamento Municipal de Previdência (Previmpa) em dois planos: o Regime Próprio de Repartição Simples (RPPS), para os servidores que já constituíam o quadro, e o Previmpa-CAP, para os que passaram a servir o município a partir daquele ano. Em ambos os casos, os valores envolvidos estão previstos no orçamento do município, e não cabe falar-se em “rombo” da previdência. É que, até a implantação da contribuição previdenciária, no regime de repartição simples, as aposentadorias vinculadas ao RPPS deveriam ser bancadas integralmente pela prefeitura, mas, após a implantação das contribuições dos servidores, em 2001, restou como responsabilidade do município arcar apenas com os valores necessários para complementar as aposentadorias. Portanto o RPPS, na realidade, desonerou os cofres municipais, na medida em que os 11% descontados dos servidores constituíram montante economizado, a partir de então, pelo município no pagamento de aposentadorias”

A discussão avançou com o lançamento da nota da ASTEC – Diretoria Executiva 2017/2018 lançada no dia 21 de março, onde aponta a estratégia do prefeito Nelson Marchezan e de seu secretário, Leonardo Busatto, de criar e vender uma situação de “terra arrasada”, tentando justificar a incapacidade de gestão da atual administração e a falta de projetos para a cidade. O discurso do governo é enganador: criticam o fato de que o secretário da Fazenda utilizou a página do Previmpa no site da prefeitura para divulgar a versão de que a “Previdência Municipal teve um déficit de R$ 779 milhões, em 2017”, alegando que “o risco para a sustentabilidade do sistema previdenciário municipal tem se agravado ano a ano”. O que o secretário omite, segundo a Astec, é o fato de que, ”até a implantação da contribuição previdenciária, no regime de repartição simples, as aposentadorias vinculadas ao RPPS deveriam ser bancadas integralmente pela prefeitura, mas após a implantação da contribuição dos servidores, em 2001, restou como responsabilidade do município arcar apenas com os valores necessários para complementar as aposentadorias. Assim, não há que se falar em “rombo da previdência”, visto que as despesas com a previdência constituem parte do custeio da máquina administrativa municipal”, diz a nota.

Foto: Leandro Anhelli/Wikipedia

Foto: Leandro Anhelli/Wikipedia

A ofensiva no Simpa 

A luta teve novo desdobramento no último dia 2 de abril. Na sede do Simpa, o presidente do Conselho de Administração do Previmpa, procurador Edmilson Todeschini, entregou documento ao sindicato, à Astec e demais entidades representativas dos servidores da Prefeitura Municipal de Porto Alegre, entre elas o Sindicâmara, que desmente dados divulgados pelo prefeito Nelson Marchezan na página do Previmpa.

O documento afirma que o governo Marchezan defende que teria gasto R$ 779 milhões para cobrir o chamado déficit da previdência e que tal valor tenderia a ser ainda maior em 2018, atingindo R$ 900 milhões. Mas os dados apresentados  pelo próprio secretário da Fazenda corroboram que as receitas da prefeitura cresceram 0,66% em relação a 2016, “de maneira que as contas do município foram superavitárias em 163 milhões no ano passado. Contabilizados os recursos de órgãos com receita própria, o superávit em 2017 foi de R$ 495,3 milhões”, aponta o documento.”Além disso, a despesa com pessoal tem-se mantido inferior ao limite prudencial de 54%, estando em 51,3%.

As afirmações tem como base o oficio do Conselho de Administração do Previmpa que rechaça as argumentações do Prefeito. Organizada em quatro partes principais, o documento foi aprovado na sessão de 27 de março pela entidade. Na primeira parte, “Realidade desmente discurso do déficit da previdência”, o documento lembra que desde 27/2/2018 o Executivo municipal inapropriadamente utiliza a página web do PREVIMPA para publicar notícias desfavoráveis à própria autarquia e para “insinuar uma situação irreal acerca da previdência dos servidores municipais. “

O documento do PREVIMPA

O documento sugere que nem a própria administração se entende sobre os dados.  Enquanto que o Prefeito afirma o déficit de R$ 779 milhões em 2017, o Secretário da Fazenda afirma que, na realidade, os valores aportados para cobrir esse déficit faltam para a prestação de serviços à população. Para o Conselho de Administração, “o discurso do déficit previdenciário é estratégia do governo para legitimar a agenda de privatização e desmonte dos serviços públicos e para culpar os servidores públicos pelas dificuldades de gestão da cidade com competência.”

Este discurso tem-se tornado dominante nas políticas neoliberais e reproduz os debates sobre sistema previdenciário do Brasil. Apontado pelo governo como deficitário, a conclusão da CPI da Previdência , conduzida pelo senador gaúcho Paulo Paim, mostrou que o discurso de que  em pouco tempo não haveria dinheiro para pagar os aposentados do INSS não se sustenta. A comissão levantou os dados e mostrou que “entre 2000 e 2015, o superávit foi de R$ 821 bilhões. Atualizado pela Selic, seria hoje de R$ 2,1 trilhões. Nos últimos 20 anos, devido a desvios, sonegações e dívidas, deixaram de entrar nos seus cofres mais de R$ 3 trilhões”. O problema é a utilização predatória da DRU (Desvinculação de Receitas da União),  que retira dinheiro da seguridade social,que, nos últimos 5 anos, representou a retirada de R$ 614 bilhões, que em valores atualizados chega a R$ 1,4 trilhão.  “Até o governo Dilma o percentual estabelecido pela DRU, que especialistas dizem ser uma lei inconstitucional, era de 20% ao ano, no governo Temer passou para 30%.”

Na segunda parte do documento é intitulada “O discurso da crise não tem amparo na realidade”. Ali, os autores afirma que durante todo o ano de 2017, o governo repetiu o mantra da suposta crise financeira para justificar o parcelamento dos salários, a não reposição das perdas salariais e o aumento da contribuição previdenciária dos funcionários municipais.

Trata-se sempre, com base neste discurso da crise, de afetar sobremaneira a carreira e a remuneração dos servidores e que, provocando recessão econômica e desemprego na cidade. O que diz o Conselho? O contrário. Segundo dados da Fazenda, as receitas cresceram 0,66% em relação a 2016, correspondendo a R$ 41 milhões adicionais e as despesas tiveram redução de 1,65% na comparação com o exercício anterior, uma economia de R$ 101 milhões. Além disso, as contas municipais foram superavitárias em R$ 163 milhões em 2017, já que as despesas chegaram a R$ 6,019 bilhões e as receitas R$ 6,182 bilhões. Quer dizer, a Prefeitura não est´aem crise, mas tem um superávit R$ 495,3 milhões. Com uma despesa de pessoal inferior ao limite prudencial,

“percebe-se, portanto, que a situação fiscal e financeira da Prefeitura de Porto Alegre está longe da catástrofe propagada pelo governo. Ademais, a Câmara Municipal anualmente tem devolvido recursos oriundos de sobras orçamentárias ao Executivo, os quais alcançaram a cifra de R$ 24,4 milhões em 2017 – fator que contribui para a melhoria das contas públicas”.

Uma previdência municipal sustentável

A terceira parte do documento é intitulada “Previdência municipal é sustentável”. Ali, os conselheiros, como  órgão superior de deliberação da entidade conforme o Artigo 7º da Lei Complementar nº 478 de setembro de 2002, lembra que o sistema de previdência dos servidores é constituído de 2 regimes: o capitalizado e o de repartição simples.

O primeiro regime, o capitalizado, foi instituído em 2001 e tem em caixa mais de R$ 1,7 bilhão, um enorme superávit e perspectiva de sustentabilidade futura, verba acumulada que constitui um fundo em permanente expansão administrado pelo PREVIMPA para garantir as aposentadorias e pensões atuais e futuras dos beneficiários do regime capitalizado.

O segundo regime, de repartição simples,  reúne os servidores que ingressaram no Município antes de setembro de 2001, e é sustentado por 3 fontes:  as contribuições dos Servidores,  da Prefeitura e  os recursos aprovados a cada ano no orçamento municipal. Os conselheiros esclarecem que a diferença entre a soma das contribuições dos funcionários e da PMPA e o dispêndio para o pagamento dos benefícios do regime de repartição simples, “em nenhuma hipótese caracteriza déficit, conforme alega o Executivo. Isso porque tal regime, que existe desde antes mesmo da Constituição de 1988, segue vigente apesar das mudanças constitucionais havidas.”

Contra o que Marchezan luta? Contra o que diz a Constituição e as Leis, que é a obrigação do Município prover no orçamento integralmente os recursos para pagar as aposentadorias e pensões dos antigos servidores. “O regime de repartição simples, portanto, não tem déficit, porque é, antes disso, credor do Município; é a PMPA que tem dívida com o sistema.” O que Marchezan recusa é a sua obrigação do incremento transitório dos aportes para o pagamento dos benefícios do regime de repartição simples. Mas afirmam os conselheiros que, dentro de alguns anos, porém, este incremento cessará, “e os custos para o erário iniciarão uma trajetória declinante.”

Foto: Joel Vargas/PMPA

Foto: Joel Vargas/PMPA

A vilanização da previdência

A ultima parte encerra com a interpretação dos conselheiros da estratégia de Marchezan. Intitulado “A previdência não pode ser tratada como vilã”, o documento nas entrelinhas critica a incapacidade de planejamento e gestão do Prefeito em equilibrar as receitas e as despesas do orçamento de modo a assegurar a prestação permanente de serviços públicos de qualidade à população sem sacrificar os direitos do funcionalismo.

“A alegação de déficit da previdência é fantasiosa. O sistema de previdência dos servidores municipais de Porto Alegre é forte e sustentável. Atacar a previdência para impor uma agenda de retrocessos é típico de governos com déficit de competência de gestão e que não prezam o respeito, o diálogo e a democracia.”

Porque esta discussão importa? Desde que a Diretoria Colegiada da Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc) decretou intervenção no Instituto de Seguridade Social dos Correios, o Postalis, paira uma ameaça sobre a autonomia técnica das instituições previdenciárias. Outros fundos de pensão já sofreram ataques semelhantes, como o Funcef, dos Funcionários da Caixa Econômica Federal. O objetivo é sempre o mesmo: intervir nos Fundos.

Os fundos de pensão das instituições e empresas públicas tem o problema gerado pelo envolvimento político. Diversos governos chegando ao poder  fazem indicações de quem irá participar  dos Conselhos de Gestão dos fundos. Estas pessoas podem tomar decisões que não são tão vantajosas para os trabalhadores, mas beneficiam outros políticos, beneficiam empresas “amigas” de determinados políticos e com isto temos um problema grave. Não é o caso do Previmpa, que tem uma administração correta e mantém investimentos compatíveis. O que ocorre é um esforço do prefeito em escapar a suas obrigações. Somente isso.

 

 

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Jorge Barcellos é Articulista do Estado de Direito, responsável pela coluna Democracia e Política – historiador, Mestre e Doutor em Educação pela UFRGS. É autor de “Educação e Poder Legislativo” (Aedos Editora, 2014), coautor de “Brasil: Crise de um projeto de nação” (Evangraf,2015). Menção Honrosa do Prêmio José Reis de Divulgação Científica do CNPQ. Escreve para Estado de Direito semanalmente.

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