Nós não temos capital político

Laura Berquó

Já estão sendo especulados os nomes que poderão substituir o ministro Luís Roberto Barroso, caso ele realmente decida deixar os quadros do STF. Segundo a imprensa, seriam pelo menos quatro homens brancos. Não queria, inicialmente, fazer o recorte racial, mas é impossível não fazê-lo, pois, ainda que eu pretendesse me ater apenas à questão de gênero, homens negros enfrentam o mesmo problema que mulheres negras — e também a maioria das mulheres brancas — quando se trata de indicação para uma vaga no STF: a ausência de capital político.

Sim, já houve a indicação de três mulheres brancas, em que prevaleceu o capital cultural (e social), nos termos de Bourdieu. Porém, a realidade de hoje — e quando digo “hoje” me refiro ao período de 2016 em diante — não é a mesma que existia quando nossas ministras foram indicadas, nem quando o ex-ministro Joaquim Barbosa assumiu, em um contexto de estabilidade política e institucional.

Atualmente, é indispensável que haja predominância de “capital político”, algo que a maioria das mulheres brancas e negras, bem como dos homens negros, não possui. A ausência de capital social também é um fator relevante nesse processo de indicação.

A feminista negra interseccional Carla Akotirene, em um breve vídeo publicado em seu perfil no Instagram, trouxe uma análise interessante ao ser questionada sobre o motivo de um advogado negro e rico ter permanecido preso preventivamente, enquanto homens brancos ricos, em casos idênticos à Lei Maria da Penha, não tiveram o mesmo destino. Sua conclusão foi direta: o advogado negro possuía capital econômico, mas não possuía capital social.

E quais são, afinal, as articulações de bastidores, as redes de contatos e as convivências que formam o capital social necessário para que uma mulher chegue ao STF? Algumas juristas brancas talvez consigam combinar capital cultural/intelectual com capital social. Mas, na conjuntura atual, quais mulheres possuem, além desses, também o capital político?

Por muito tempo, mulheres continuarão sendo preteridas para o STF, a menos que detenham capital político real ou simbólico. E, se recortarmos a questão racial, creio que o sonho de ver uma mulher negra no Supremo ficará ainda mais distante. Não estou desconsiderando a relevância dos fatores técnicos. Em termos de capital intelectual, muitas mulheres estão no mesmo nível — ou até acima — de ministros indicados politicamente e que, muitas vezes, não têm mais do que uma graduação ou especialização.

Sejamos francos: é preciso que as mulheres reconheçam essa realidade da ausência de capital político e se organizem. Não duvido que a extrema-direita já tenha nomes femininos com capital político no cenário atual, pois mulheres brancas oriundas de famílias tradicionais herdam um espólio político que, nesse caso, independe de gênero para a manutenção dos privilégios de classe ou de “clã”. Infelizmente, na esquerda, as mulheres continuam, em grande medida, restritas ao papel de militantes que erguem bandeirolas, mas não ocupam espaços de decisão.

Até que essa realidade mude, o capital político e social dos homens — e, sobretudo, dos homens brancos — continuará determinando a composição do STF.

Laura Berquó
Advogada e Professora Universitária (UFPB). Mestre em Ciências Jurídicas (UFPB). Ex-Conselheira Estadual de Direitos Humanos (Paraíba). Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB Nacional. Membro da Associação Brasileira de Mulheres de Carreira Jurídica – ABMCJ-PB.

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