Rafael Iorio *
Introdução
A morte trágica da brasileira Juliana Marins abalou o país. Em viagem de férias, Juliana caiu de uma trilha em um vulcão e faleceu após alguns dias, antes que pudessem resgatá-la. A comoção foi imediata, e as redes sociais se encheram de homenagens, pedidos de justiça e campanhas de arrecadação para custear o translado do corpo de volta ao Brasil. Mas, em meio ao luto, surgem questões jurídicas importantes: quem é responsável por esse tipo de tragédia? Existe obrigação legal do guia ou da empresa de turismo? E o Estado brasileiro tem algum dever de assistência ou custeio?
Este artigo propõe esclarecer essas dúvidas à luz da legislação brasileira e dos tratados internacionais.
1. O caso Juliana Marins: uma tragédia que virou debate público
Juliana Marins era uma fluminense apaixonada por viagens. Em junho de 2025, embarcou para a Indonésia com o objetivo de conhecer paisagens naturais exuberantes e viver novas experiências. Após contratar um passeio para visitar o Monte Rinjani, um vulcão com altitude de cerca de 3.726?m, conhecido por sua beleza, mas também por seus riscos, Juliana caiu na trilha e seu corpo foi resgatado dias depois.
Segundo relatos, o guia turístico contratado e a excursão não contavam com equipamentos de segurança adequados, tampouco com um seguro de vida ou de acidentes. A família da vítima acusou o guia e a empresa responsável pela negligência. A tragédia rapidamente se tornou símbolo de um problema mais amplo: a fragilidade da proteção jurídica de brasileiros em viagens internacionais.
Além da dor da perda, os parentes enfrentaram um obstáculo adicional — o custo elevado para trazer o corpo de Juliana de volta ao Brasil. O traslado internacional de um corpo pode ultrapassar o valor de R$ 30.000.
2. A responsabilidade do guia local: é possível processar?
Uma das primeiras perguntas que surgem em casos como esse é: o guia turístico pode ser responsabilizado? A resposta depende de várias circunstâncias, mas, em termos gerais, sim — é possível responsabilizar civilmente e até criminalmente um guia ou uma empresa estrangeira que atuou com imprudência, negligência ou imperícia.
No caso de Juliana, as acusações recaem sobre a ausência de equipamentos de segurança, falta de instrução adequada, barreira linguística e ausência de medidas de contenção no local. Ainda que o passeio tenha sido contratado no Brasil ou fora, a responsabilidade por garantir a segurança mínima do turista é do prestador do serviço. O Código de Defesa do Consumidor (art. 14 do CDC) estabelece que fornecedores de serviços respondem independentemente de culpa por danos causados aos consumidores.
Entretanto, quando o serviço é prestado fora do território nacional, a responsabilização depende da legislação local — neste caso, a da Indonésia — e da possibilidade de acesso à justiça nesse país. Isso impõe enormes barreiras práticas. Uma alternativa seria processar a empresa de intermediação no Brasil, se esta tiver sede nacional.
3. O papel do Estado brasileiro: da assistência burocrática ao novo decreto sobre traslado
Até recentemente, leia-se dia 27 de junho de 2025, em situações como a de Juliana Marins, o papel do Estado brasileiro limitava-se à assistência consular. O Ministério das Relações Exteriores, por meio das embaixadas e dos consulados, prestava apoio em casos de falecimento de cidadãos no exterior, mas não assumia os custos do traslado. Essa política era fundamentada no Decreto nº 9.199/2017.
Isso mudou na última sexta-feira, após a mobilização gerada pelo caso Juliana Marins. O presidente Lula editou o Decreto nº 12.535/2025, que revogou o decreto anterior e passou a autorizar o governo federal a arcar com os custos de traslado de corpos de brasileiros falecidos no exterior, incluindo serviços funerários e transporte, mediante comprovação documental.
Essa mudança rompe com a lógica de abandono e fortalece o dever do Estado de garantir dignidade à memória dos seus cidadãos.
4. Quem paga pelo traslado? Do abandono à nova responsabilidade do Estado
O traslado internacional de um corpo envolve custos altos. Em geral, o custo total varia entre R$ 30.000 e R$ 50.000. Até junho de 2025, essa despesa era arcada exclusivamente pela família da vítima. Caso houvesse seguro de viagem, a seguradora podia assumir os custos. Caso contrário, restava aos familiares recorrer a campanhas públicas de arrecadação.
Com a edição do Decreto nº 12.535/2025, o governo federal passou a ter competência para assumir os custos de repatriação de corpos de brasileiros mortos no exterior, representando um importante reconhecimento estatal da responsabilidade pública nesses casos.
5. O que dizem os tratados e a jurisprudência brasileira
No plano internacional, há acordos sobre cooperação consular e humanitária, mas sem previsão clara de responsabilidade estatal pelo custeio de traslados. A jurisprudência brasileira, por sua vez, reconhece o direito à indenização por dano moral em casos de mortes no exterior quando houver demonstração de culpa de empresas prestadoras de serviço.
Empresas brasileiras que intermediam passeios com terceiros podem ser responsabilizadas solidariamente com base no CDC. O Judiciário tem admitido tal interpretação principalmente em situações de omissão de informações relevantes ou falha na prestação de serviço.
6. O que as famílias podem fazer? Caminhos jurídicos e práticos
- Contatar o consulado ou a embaixada brasileira no país estrangeiro;
- Reunir provas da prestação de serviço;
- Verificar a existência de seguro de viagem;
- Buscar responsabilização no Brasil;
- Acionar a Defensoria Pública da União ou parlamentares para apoio jurídico e diplomático.
7. A morte fora de casa: o luto ampliado e o reconhecimento estatal
A morte de um ente querido fora do país amplia o sofrimento e revela a fragilidade do aparato estatal. No caso de Juliana Marins, o sentimento de desamparo e a mobilização pública resultaram em uma mudança normativa significativa: o Decreto nº 12.535/2025 passou a reconhecer como dever do Estado o custeio do traslado em situações de falecimento no exterior.
Essa medida representa um marco e deve ser acompanhada de regulamentação eficaz, divulgação ampla e aplicação consistente, para que deixe de ser exceção mobilizada pela tragédia e se torne uma política permanente de proteção cidadã.
Publicado originariamente Diário do Rio
- Sócio do Fonseca Neto e Iorio Advogados. Pós-Doutor em Ciência Política. Doutor em Direito. Doutor em Letras Neolatinas. Professor da Faculdade de Direito da UFF. Chefe do Departamento Ciências Judiciárias (UFF). Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Veiga de Almeida. Bolsista Cientista do Nosso Estado da FAPERJ.