Coluna Direito da Família e Direito Sucessório
No final do ano de 2018 nos deparamos com a notícia do falecimento da mãe Stella de Oxóssi, a Sra. Maria Stela de Azevedo Santos. Respeitada e reconhecida como um dos destaque da tradição yorubana foi escolhida para ser a quinta iyalorixá do Ilê Axé Opó Afonjá, nos idos de 1976.
Sua religião, o candomblé, o qual dedicou-se a vida todo, tem um rito específico quando do falecimento, ritual esse denominado de axexê.
Ocorre que no caso concreto, a sua companheira queria realizar o sepultamento sem o referido rito na cidade de Nazaré, ao passo que a sociedade Cruz Santa do Axé Opô Afonjá, representada por seu presidente e Edite Santos de Andrade, Iyakekere do Ilé Axé Apô Afonjá, se opuseram a essa forma de sepultamento por ir contra o que a Mãe Stela de Oxóssi pregou e acreditou em toda a sua vida.
Sendo esse ritual fundamental para o candomblé, o velório e o sepultamento fora do espaço religioso é considerado um afronta a toda a tradição religiosa que a falecida seguia.
Com esses argumentos, a decisão proferida no plantão foi determinada a remoção da Mãe Stella de Oxóssi para que fosse realizado o ritual.
Quando do falecimento da Mãe Stella as duas forças antagônicas se formaram: de um lado a sua família escolhendo um sepultamento fora do espaço religioso e do outro, pleiteando que o sepultamento ocorresse em conformidade com o ritual do candomblé.
E qual seria realmente o desejo de Mãe Stella ?
A forma de deixar consignado o desejo de como quer o seu sepultamento e por meio de um documento denominado de codicilo.
De nome estranho e praticamente desconhecido pela população brasileira, esse seria o documento jurídico em que a pessoa, dentre outras coisas, deixaria consignado como quer a realização do seu sepultamento e do seu velório.
No caso específico, conforme podemos extrair da decisão em anexo, que não existindo nenhuma manifestação de vontade por parte da Mãe Stella coube ao Poder Judiciário decidir, verbis:
Não havendo nos autos prova de manifestação da de cujus de lugar de preferência de local sepultamento, pelo melhor interesse social, é possível mitigar o direito de disponibilidade da família da de cujus, sobrepondo-se a proteção do patrimônio cultural, entendo que se deve conceder à comunidade o exercício do culto religioso, ante a supremacia do princípio que aqui seria violado, de forma irreversível, do exercício livre da religião da qual a Iya Stella de Oxossi era líder, bem como a proteção do patrimônio histórico e cultural do exercício da religião de matriz africana
Assim, para que o Poder Judiciário possa respeitar a vontade da pessoa falecida precisa saber qual é essa vontade, e assim, bastaria que tivesse sido feito um codicilo.
O Código Civil traz a previsão expressa do Codicilo nos arts. 1.881 e seguintes e especificamente no art. 1.881 em que conceitua o que vem a ser um codicilo e o seu conteúdo, vejamos:
Art. 1.881. Toda pessoa capaz de testar poderá, mediante escrito particular seu, datado e assinado, fazer disposições especiais sobre o seu enterro, sobre esmolas de pouca monta a certas e determinadas pessoas, ou, indeterminadamente, aos pobres de certo lugar, assim como legar móveis, roupas ou jóias, de pouco valor, de seu uso pessoal.
Assim, para evitar que a família ou outras pessoas escolham como será o velório e o sepultamento uma forma de solucionar isso é mediante a expressa disposição no codicilo, cuja formalidade é apenas a obrigação do disponente de redigi-lo, datar e assinar. Pode ser feito de forma particular como também pode ser feito mediante instrumento público, ficando assim à escolha do autor do documento.
Dessa feita, para respeitar a vontade – a sua vontade – sobre o seu sepultamento e velório – você pode deixar isso documentado, para ser seguido e respeitado por todas as demais pessoas.
Renata Malta Vilas-Bôas é Articulista do Estado de Direito, advogada devidamente inscrita na OAB/DF no. 11.695. Sócia-fundadora do escritório de advocacia Vilas-Bôas & Spencer Bruno Advocacia e Assessoria Jurídica, Professora universitária. Professora na ESA OAB/DF; Mestre em Direito pela UPFE, Conselheira Consultiva da ALACH – Academia Latino-Americana de Ciências Humanas; Acadêmica Imortal da ALACH – Academia Latino-Americana de Ciências Humanas; Integrante da Rete Internazionale di Eccelenza Legale. Secretária-Geral da Rede Internacional de Excelência Jurídica – Seção Rio de Janeiro – RJ; Colaboradora da Rádio Justiça; Ex-presidente da Comissão de Direito das Famílias da Associação Brasileira de Advogados – ABA; Presidente da Comissão Acadêmica do IBDFAM/DF – Instituto Brasileiro de Direito das Familias – seção Distrito Federal; Autora de diversas obras jurídicas. |
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