Lula em Teerã. Erro ou acerto?

Artigo veiculado na 26ª edição do Jornal Estado de Direito, ano IV, 2010.

 

Almir Morgado* Eugênio Maria Gomes**

Com o título de “Tango em Teerã”, a Revista “The Economist” publicou, um artigo sobre o polêmico episódio protagonizado pela diplomacia brasileira, recentemente.
Ainda não se sabe ao certo se o título se deveu ao comum desconhecimento da realidade brasileira, por parte de alguns veículos de informação estrangeiros, confundindo-nos, em alguns pontos, com nossos vizinhos portenhos, ou se foi apenas uma brincadeira. Afinal, nem brasileiros nem iranianos tem o tango como referência cultural, tampouco esse sensual tipo musical se prestaria, adequadamente, como trilha sonora para o encontro.
Desinformação a parte, o fato é que a participação do Brasil nas altas rodas da diplomacia mundial produziu, tanto na mídia nacional quanto estrangeira, uma infindável quantidade de artigos, entrevistas, mesas-redondas, críticas e elogios.
Em uma parte da imprensa brasileira, percebeu-se uma profunda dificuldade em superar certo sentimento de inferioridade em face de alguns outros países; um relativo preconceito com a pessoa do Presidente da República; uma aparente desqualificação, de alguns comentaristas, para analisar tema tão complexo; um pretenso desconhecimento da capacitação do quadro diplomático brasileiro e, principalmente, a utilização negativa do evento com fins político- partidários.
Na imprensa estrangeira, verificou-se, de início, uma relativa surpresa com a “ousadia” do Brasil; também, uma tentativa de analisar o ocorrido segundo os padrões até então vigentes na diplomacia internacional ocidental – a hipocrisia, o confronto, o medo, as ameaças. Na média, porém, a imprensa internacional foi muito mais delicada no tratamento da matéria do que alguns setores da sociedade brasileira.
O trabalho da diplomacia brasileira foi taxado de ingênuo, de amador. Se medirmos a qualidade do trabalho diplomático de um país pela capacidade de resolver seus conflitos internacionais pelo consenso; de poupar a vida de seus soldados e de seus cidadãos, evitando a todo custo à solução armada e de projetar internacionalmente, uma imagem afável do país e de seu povo, a diplomacia brasileira pode ser tudo, menos amadora, ou ingênua.
Na verdade, pelos critérios citado acima, “amadorismo” se aplicaria melhor à diplomacia dos principais atores da “comunidade internacional”. Se assim não fosse, não teríamos países que há séculos protagonizam guerras sangrentas, países que banharam seu território com o sangue de seus próprios cidadãos; que tiveram suas cidades devastadas incontáveis vezes; que titularizaram algumas das maiores barbáries já vistas, e que somente há alguns poucos anos, conseguiram viver numa relativa tranqüilidade com seus vizinhos próximos, demonstrando uma profunda dificuldade em aceitar as diferenças étnicas, religiosas, políticas e culturais recíprocas.
Não. A diplomacia brasileira não é, nem nunca foi ingênua. De fato, não se percebe uma integral coerência na maneira como o Brasil tem agido internacionalmente. Há de se questionar se há ou não há alguma confusão entre os interesses do Estado brasileiro, a ser defendido permanentemente pelo Itamaraty, com certa visão ideológica da política internacional por alguns membros do Governo.
Porém, é certo que, doravante, entre erros e acertos, política internacional passará a ser um assunto de interesse geral, numa prova inconteste do grau de desenvolvimento que alcançamos e do poderio econômico que estamos atingindo.
Torna-se importante, também, o registro de que não é crível que a atuação brasileira tenha ocorrido à revelia do Governo americano. Aliás, isso ficou claro com a divulgação de uma carta enviada a Brasília pelo Presidente Obama.
Mas então, o que deu errado?
Na verdade, não parece que a tentativa tenha falhado. O Brasil e a Turquia obtiveram algo que até entao nao tinha sido obtido. Nao uma solução definitiva ou completa para a questão iraniana, mas um início, uma possibilidade de se criar confiança, de se iniciar maiores conversações e, quem sabe, chegar-se a um consenso.
Foi legítima, impregnada de boa-fé, e não de ingenuidade, a tentativa turco-brasileira de mediar um acordo entre o Irã e o ocidente. Como membro do Conselho de Segurança, ainda que não permanentes, esses dois países tem legitimidade para intervir positivamente na solução de um conflito que potencialmente pode prejudicar seriamente a paz mundial. No caso particular do Brasil, a legitimidade funda-se ainda, num histórico de pacificidade, nao agressão, respeito a auto-deterninação e, principalmente: trata-se de um país que renunciou a projeto de construção de armas nucleares, quando estava próximo de fazê-lo e compartilha com seus vizinhos um espaço livre dessa terrível ameaça.
Em relação à postura do Brasil nas questões internacionais nosso Presidente está se apresentando como um divisor de águas: de simples observador a protagonista da História.
O símbolo desse divisor de águas foi captado por um repórter da revista alemã “Der Spiegel” que numa reportagem recente fez alusão a uma passagem ocorrida em 2003, na primeira aparição internacional importante do Presidente Lula, na reunião de cúpula do G8 na França, onde o Presidente abandonou a denominada “síndrome de vira-latas”, termo utilizado para designar o arraigado complexo de inferioridade que os brasileiros demonstravam em relação aos norte-americanos e aos europeus.
Segundo a revista este foi o episódio: um grupo de pessoas estava sentado no saguão do hotel onde ocorria a conferência, aguardando o então presidente dos Estados Unidos, George W. Bush. Quando os norte-americanos finalmente entraram, todos se levantaram – menos Lula, que ordenou ao seu ministro das Relações Exteriores que também permanecesse sentado. “Eu não participarei desta subserviência”, declarou o presidente brasileiro. “Afinal, ninguém se levantou quando eu entrei”.

 

* Autor de obras de Direito Administrativo e Direito do Trabalho pelas Editoras Impetus e Elsevier. Professor Titular de Direito Administrativo da FABEC/RJ. No Rio de Janeiro, atua também na preparação para concursos públicos. **Mestre e doutorando em Administração, Articulista, Professor e Pró-Reitor de Administração do Centro Universitário de Caratinga – UNEC.

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