Jornal Estado de Direito
Renata Malta Vilas-Bôas
O artigo de hoje trata de um tema bastante delicado que é sobre a internação compulsória.
O primeiro ponto, e que é pacífico, é que para que seja possível ocorrer a internação compulsória é necessário que um médico avalie a condição do indivíduo, e somente assim é que poderemos caminhar para a próxima etapa que é buscar o Judiciário.
São três possibilidade de internação: a voluntária, quando a própria pessoa busca o tratamento; a involuntária que ocorre quando um terceiro (pais, filhos, irmãos, etc.) providencia essa internação e a terceira é aquela determinada pelo Poder Judiciário.
A internação não se confunde com a interdição, são situações distintas, apesar de dependendo do caso concreto ser necessário também fazer a interdição.
Se a família não tiver condições financeiras para arcar com o tratamento necessário busca-se assim o tratamento ofertado pela administração pública que não pode furtar-se dessa sua obrigação.
E para que o magistrado possa decidir pela internação compulsória precisa que o caso seja documentado com laudos médicos para que se compreenda a extensão da situação em que o internando se encontra.
Na decisão a seguir trata-se de um acórdão do Egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios em que manteve a obrigação do Distrito Federal de arcar com a internação, vejamos:
Acórdão Nº 1345746
EMENTA CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. REEXAME NECESSÁRIO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA PARA TRATAMENTO PSIQUIÁTRICO E DE DEPENDÊNCIA ALCOÓLICA. NECESSIDADE COMPROVADA. ATENDIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. OBRIGAÇÃO DO ESTADO. RECONHECIMENTO.
- O direito à preservação da saúde, por se tratar de um desdobramento do princípio da dignidade humana, não pode ser interpretado como uma norma meramente programática.
- A Lei n. 10.216/2011, ao dispor sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais, estabelece que “A internação psiquiátrica somente será realizada mediante laudo médico circunstanciado que caracterize os seus motivos” (artigo 6º, ). caput
- Demonstrada da necessidade de internação compulsória em razão de distúrbios psiquiátricos e dependência alcoólica, deve o Estado ser compelido a assegurar o tratamento indicado, na rede pública ou custear o procedimento em clínica privada. 4. Reexame Necessário conhecido e não provido.
ACÓRDÃO
Acordam os Senhores Desembargadores do(a) 8ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, FLÁVIO FERNANDO ALMEIDA DA FONSECA – Relator, MARIO-ZAM BELMIRO – 1º Vogal e DIAULAS COSTA RIBEIRO – 2º Vogal, sob a Presidência do Senhor Desembargador MARIO-ZAM BELMIRO, em proferir a seguinte decisão: REEXAME NECESSÁRIO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. UNÂNIME. , de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas. Brasília (DF),
10 de Junho de 2021
Desembargador FLÁVIO FERNANDO ALMEIDA DA FONSECA
RELATÓRIO
Cuida-se de Remessa Oficial em face da r. sentença constante do ID 24529190, cujo relatório transcrevo: Trata-se de ação cominatória de obrigação de fazer, com pedido de tutela de urgência, ajuizada por X, assistida pela Defensoria Pública, em desfavor de seu companheiro e do DISTRITO FEDERAL, com objetivo de compelir o segundo réu a promover a internação compulsória do primeiro réu em clínica para tratamento de alcoolismo e transtornos mentais, na rede pública de saúde ou em estabelecimento privado, ID 76473223. Narrou que o primeiro requerido
- encontra-se em acompanhamento no Centro de Atenção Psocossocial do Itapoã desde 21/11/2019;
- apresenta comprometimento do seu juízo crítico em razão de dependência alcoólica (F10.6) associada a síndrome de Wemicke Korsakoff (F10.6);
- tem crises de abstinência alcoólicas graves cursando com delirium tremens e tentativas repetidas de autoextermínio associadas a psicose alcoólica;
- houve vários episódios de evasão do serviço de saúde, incluindo hospital geral; e
- não consegue se manter abstêmio e vem repetidamente colocando em risco a sua saúde e de terceiros. Asseverou, ainda, que o primeiro requerido e seus familiares não dispõe de condições financeiras para arcar com os custos da internação em instituição privada.
Argumentou que a internação compulsória se faz necessária em virtude (I) de já terem sido esgotados os recursos extra-hospitalares; (II) das condições de risco em que se encontra o primeiro requerido e sua incapacidade de buscar ajuda por si mesmo, persistindo no tratamento pelo tempo indispensável à sua recuperação; e (III) dos riscos para a saúde do próprio requerido e de terceiros. Fundamentou sua pretensão na Constituição Federal, na Lei Orgânica do Distrito Federal, na Jurisprudência e na Lei 10.216/01.
Postulou, por fim, pela concessão da tutela de urgência em desfavor de Evaldo Sousa de Macedo, para que seja compelido a cumprir a obrigação de fazer consistente em se internar em clínica especializada; bem como em desfavor do Distrito Federal, para que seja obrigado a promover a internação do primeiro requerido em ambiente especializado no tratamento de pessoas com problemas psiquiátricos e dependentes crônicos de álcool e drogas, cuidando para que ele não se evada e arcando com eventuais custos, caso o tratamento seja disponibilizado na rede privada.
Atribuiu à causa o valor de R$ 13.500,00 (treze mil e quinhentos reais). Com a inicial vieram os documentos.
A decisão ID 76482594 (I) fixou a competência; (II) determinou o encaminhamento dos autos ao Ministério Público; (III) a citação dos réus; e (IV) deferiu à parte autora a gratuidade de justiça. O Ministério Público oficia pelo deferimento do pedido de tutela de urgência postulado pela autora, ID 76591665. Certificou-se a citação do primeiro réu, ID 77832800.
O segundo réu apresentou contestação, ID 78199104, em que, preliminarmente impugna o valor atribuído à causa. No mérito, requer a improcedência dos pedidos, argumentando que (I) há necessidade de prévio esgotamento dos meios terapêuticos extra-hospitalares, sendo a internação medida extrema, excepcional, sendo cabível somente quando demonstrado o esgotamento de todos os recursos extra-hospitalares disponíveis tanto à família quanto ao Estado; e (II) não se observa o cumprimento dos requisitos legais. Decisão ID 80104281 deferiu em parte a tutela de urgência.
A Defensoria Pública, na qualidade de curadora especial de Y, apresentou contestação por negativa geral, ID 80394048.
O Distrito Federal informou a internação compulsória, no dia 08/12/2020, na Clínica Recanto, ID 80613551.
Em réplica, ID 80722315, foram reiterados os argumentos da inicial e comunicado a internação na Clínica Recanto.
O Ministério Público oficiou pela procedência dos pedidos formulados na inicial, ID 81218180.
Acrescento que o d. Magistrado sentenciante corrigiu o valor atribuído à causa e julgou procedente o pedido deduzido na inicial, para confirmar a liminar concedida e determinar que o DISTRITO FEDERAL promova a internação compulsória do réu Y, em clínica especializada no tratamento psiquiátrico e de dependência química, com a realização de avaliações destinadas a verificar a necessidade de manutenção da medida.
Em virtude da sucumbência, o réu foi condenado ao pagamento de Y 50% (cinquenta por cento) das custas processuais e dos honorários advocatícios, estes fixados em R$ 1.000,00 (mil reais), cuja exigibilidade ficou suspensa, ante a concessão da gratuidade de justiça.
O DISTRITO FEDERAL não foi condenado ao pagamento das verbas de sucumbência, uma vez que o autor encontra-se representado em Juízo pela Defensoria Pública do Distrito Federal.
Não houve a interposição de recurso voluntário.
Sentença submetida ao reexame necessário.
A d. Procurador de Justiça, no parecer exarado sob o ID 24750035, oficiou pelo não provimento do Reexame Necessário.
É o relatório. Desembargador FLÁVIO FERNANDO ALMEIDA DA FONSECA Relator
VOTOS
O Senhor Desembargador FLÁVIO FERNANDO ALMEIDA DA FONSECA – Relator Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do Reexame Necessário. A questão controvertida a ser dirimida reside em verificar se está configurada a responsabilidade do DISTRITO FEDERAL em relação à obrigação de promover a internação compulsória do réu EVALDO SOUSA DE MACEDO.
A demanda foi proposta por X, companheira de Y, sob o fundamento de que o aludido réu é alcoólatra e portador de transtornos mentais. Na inicial da demanda, ficou consignado que o réu em questão, após outros tratamentos, apresentou crises de abstinência, nas quais tentou o suicídio e colocou em risco a incolumidade física de terceiros. Da análise dos autos, verifico que se encontra comprovada a necessidade da internação do primeiro réu em clínica para tratamento de dependentes psíquicos e de álcool pleiteada e a obrigação constitucional do Distrito Federal em atender tal necessidade.
Por certo, cabe ao Estado assegurar o acesso à saúde, nos termos dos artigos 6º e 196 da Constituição Federal.
No mesmo sentido, a Lei Orgânica do Distrito Federal, assim estabelece, : verbis
Art. 204. A saúde é direito de todos e dever do Estado, assegurado mediante políticas sociais, econômicas e ambientais que visem:
I – ao bem-estar físico, mental e social do indivíduo e da coletividade, a redução do risco de doenças e outros agravos;
II – ao acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde, para sua promoção, prevenção, recuperação e reabilitação. (grifo nosso)
Convém ressaltar que o direito à saúde decorre diretamente do princípio da dignidade do ser humano.
Ao dispor sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais, a Lei n. 10.216/2011, em seu artigo 9º, prevê que “A internação compulsória é determinada, de acordo com a legislação vigente, pelo juiz competente, que levará em conta as condições de segurança do estabelecimento, quanto à salvaguarda do paciente, dos demais internados e funcionários”. Ademais, a lei em questão dispõe que
“A internação psiquiátrica somente será realizada mediante laudo médico circunstanciado que caracterize os seus motivos” (artigo 6º, ). caput
A alegação de inobservância dos requisitos previstos na Lei n. 10.216/2011, em especial quanto ao não esgotamento dos meios terapêuticos extra-hospitalares previamente à internação compulsória não merece acolhimento. Com efeito, os elementos de prova produzidos nos autos, em especial o relatório médico constante do ID 24528344, que informa que o réu Y foi submetido anteriormente a tratamento que não surtiu efeito no Centro de Atenção Psicossocial – CAPS Itapoá.
Atesta, ainda, que o aludido réu apresenta dependência alcoólica, psicose alcoólica e síndromes de abstinência e de Wernicke Korsakoff). Também ficou consignado que a família do réu não reúne condições financeiras para arcar com os custos do tratamento em clínica particular e a necessidade de internação compulsória.
Por certo, atendidos os requisitos legais, o Estado não pode se furtar quanto a sua responsabilidade de propiciar ao paciente, o tratamento necessário ao restabelecimento de sua saúde mental, em decorrência da obrigação imposta pelos artigos 6º e 196 da Constituição Federal.
Noutro vértice, muito embora o Estado não disponha de recursos ilimitados, é certo que em hipóteses semelhantes à dos presentes autos, não se pode olvidar que a proteção ao direito à vida deve se sobrepor a interesses de cunho patrimonial.
Além disso, a Lei n° 10.216/2001 assegura a possibilidade de internação compulsória mediante decisão judicial (art. 6°, parágrafo único, inc. III), diante de necessidade demonstrada.
In casu, consoante já explicitado, ficou suficientemente comprovado, por relatório médico, a necessidade de ser o réu Y submetido a acompanhamento psiquiátrico e internação em clínica especializada, para tratamento de dependência alcoólica. Desse modo, agiu com acerto o d. Magistrado sentenciante, ao determinar que o DISTRITO FEDERAL promova a internação do autor para tratamento psiquiátrico e de dependência alcoólica, em clínica especializada, com a obrigação de avaliação trimestral da necessidade de manutenção da medida.
Pelas razões expostas, NEGO PROVIMENTO AO REEXAME NECESSÁRIO e mantenho íntegra a r. sentença. É como voto.
O Senhor Desembargador MARIO-ZAM BELMIRO – 1º Vogal Com o relator O Senhor Desembargador DIAULAS COSTA RIBEIRO – 2º Vogal Com o relator
DECISÃO REEXAME NECESSÁRIO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. UNÂNIME.
*Renata Malta Vilas-Bôas é Articulista do Estado de Direito, advogada devidamente inscrita na OAB/DF no. 11.695. Sócia-fundadora do escritório de advocacia Vilas-Bôas & Spencer Bruno Advocacia e Assessoria Jurídica, Professora universitária. Professora na ESA OAB/DF; Mestre em Direito pela UPFE, Conselheira Consultiva da ALACH – Academia Latino-Americana de Ciências Humanas; Acadêmica Imortal da ALACH – Academia Latino-Americana de Ciências Humanas; Integrante da Rete Internazionale di Eccelenza Legale. Secretária-Geral da Rede Internacional de Excelência Jurídica – Seção Rio de Janeiro – RJ; Colaboradora da Rádio Justiça; Ex-presidente da Comissão de Direito das Famílias da Associação Brasileira de Advogados – ABA; Presidente da Comissão Acadêmica do IBDFAM/DF – Instituto Brasileiro de Direito das Familias – seção Distrito Federal; Autora de diversas obras jurídicas. |
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