Interceptaram nossos direitos e garantias

mãos para cima

Defesa do Estado Democrático de Direito

Os atos do juiz Sérgio Moro e de juízes como de Itagiba Catta Preta Neto trouxeram este mês o debate sobre direitos e garantias fundamentais. As interceptações telefônicas, a utilização direcionada da mídia, o princípio da presunção de inocência relativizado… estas e outras questões ocupam os meios de comunicação e as conversas diárias do povo brasileiro.

Primeiramente, reputa-se importante o debate sobre as instituições do sistema de justiça. Poder Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública não podem ficar a parte do controle social, pois ou servirá a interesses estranhos as funções destas instituições e/ou a interesses corporativos. Contudo, os episódios que enchem as manchetes dos grandes veículos de comunicação não tratam disto. Tratam, na verdade, se a atuação dos mesmos está condizente com as funções postas para a defesa do Estado Democrático de Direito.

A Constituição Federal garante o acesso ao Judiciário contra lesão ou ameaça de direito. Mas quando a violação advém do próprio judiciário, o que fazer?

O ordenamento jurídico dispõe uma série de mecanismos, de recursos para se reformar alguma decisão injusta. Mas se a violação for sistêmica? Este é o debate que se encontra na pauta.

Não havendo direitos e garantias, não haverá Estado Democrático de Direito. O limite da atuação destas instituições, frente a direitos humanos fundamentais é o cerne do debate, que vai além da “Operação Lava Jato” ou da popularidade do Governo Dilma. Violados estão sendo nossos direitos e garantias, a partir de uma atuação policialesca de instituições e órgãos do Estado? Cabe à sociedade refletir sobre a gravidade destas denúncias.

 

A imparcialidade da magistratura

Sergio Moro

Há diversas acusações de falta de imparcialidade de juízes que, como Sérgio Moro, estariam se promovendo no espaço político dos telejornais, com pautas policialescas. O juiz Itagiba, que primeiro suspendeu posse do ex-Presidente Lula como Ministro, por exemplo, teria dado a decisão antes de receber a ação, além de ser publicamente militante pela queda do Governo Dilma. Isto seria compatível com a imparcialidade exigida da magistratura?

A imparcialidade dos magistrados deriva da garantia fundamental do juiz natural, como bem explica Fredie Didier[1]. Constitui-se num pressuposto da relação processual a imparcialidade. Sendo assim, toda a investigação e combate à corrupção, desejoso por todo o país, poderá estar viciado, por ter sido conduzido por um juiz parcial.

A interceptação e uso indevidos das ligações telefônicas despertaram com mais clareza esta discussão. A lei das interceptações telefônicas (Lei nº 9.296/1996), primeiramente, diz que estas só podem ser autorizadas, quando houver indícios de autoria ou participação em infração penal (art. 2º, I).

Diversas pessoas que tiveram suas conversas degravadas, levadas aos autos e vazadas para imprensa não estão sendo acusadas de nada e nem dão prova de crimes nestes diálogos em comento. Outra questão é que caberia a demonstração de que as provas desejadas só poderiam ser colhidas por interceptação telefônica. No meio de tantas notícias desta novela política e policial, nunca veio à baila o debate sobre a necessidade das interceptações.

Aspecto de suma relevância, quanto às interceptações telefônicas foi ter se quebrado o sigilo de 25 advogados, quer dizer, o sigilo profissional.

A Lei nº 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia) estabelece que é inviolável a correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática (art. 7º, II). Como dito acima, precisa haver fundamento para tal quebra de sigilo.

Ademais, nem todos estes advogados tinham relação com algum denunciado na “Operação Lava Jato”, no que já consubstanciaria este ato em crime, abuso de autoridade, por parte da autoridade judicial.

interceptação telefônica

Algo é certo, as interceptações telefônicas serviram para levar instabilidade ao governo e fomentar intrigas entre pessoas e instituições. Prova disto, é que conversas sem nenhuma pertinência às denúncias trazidas pela “Lava jato” foram divulgadas e tiveram usos diversos. Assim sendo, vem à tona outro problema com todo este quadro, a interferência do Poder Judiciário no Executivo. A chefia do Poder Executivo, a Presidência da República (art. 76, da CF), é determinada pela soberania popular (art. 14, da CF). Tentar desestabilizá-la, contribuir para interrupção indevida, significa desconsiderar esta soberania, violando também o postulado da independência e harmonia entre os poderes (art. 2º, da CF).

Interessante para o debate é ter conhecimento, que este é o posicionamento do protagonista de toda esta crise, o juiz Sérgio Moro. Em artigo escrito em 2004, intitulado “Considerações sobre a Operação Mani Pulite”, elogia a famigerada “Operação Mãos Limpas”, por ter levado ao colapso dois partidos italianos:

“A operação mani pulite ainda redesenhou o quadro político na Itália. Partidos que haviam dominado a vida política italiana no pós-guerra, como o Socialista (PSI) e o da Democracia Cristã (DC), foram levados ao colapso, obtendo, na eleição de 1994, somente 2,2% e 11,1% dos votos, respectivamente.” (Disponível em: http://jornalggn.com.br/sites/default/files/documentos/art20150102-03.pdf. Acesso em: 22 de mar. 2016)

José Canotilho

Claro está o entendimento deste juiz que o Poder Judiciário deve relativizar a independência e harmonia entre os poderes. Como bem assevera J.J. Canotilho, a soberania popular advém do povo real. Do contrário a soberania seria de alguma casta, classe ou monarca[2]. No caso, o perigo que se corre é de a soberania popular seja suplantada em prol dos desejos de setores do Judiciário e do Ministério Público, articulados a interesses outros.

Outra compreensão estranha a quem deveria resguardar o ordenamento jurídico é de relativizar e dar menor valor a direitos e garantias como a presunção de inocência e menosprezar a possibilidade de se recorrer em liberdade:

“A presunção de inocência, no mais das vezes invocada como óbice a prisões pré-julgamento, não é absoluta, constituindo apenas instrumento pragmático destinado a prevenir a prisão de inocentes. Vencida a carga probatória necessária para a demonstração da culpa, aqui, sim, cabendo rigor na avaliação, não deveria existir maior óbice moral para a decretação da prisão, especialmente em casos de grande magnitude e nos quais não tenha havido a devolução do dinheiro público, máxime em país de recursos escassos.

Mais grave ainda, no Brasil, a prisão pós-julgamento foi também tornada exceção, para ela exigindo-se, por construção jurisprudencial, os mesmos pressupostos da prisão pré-julgamento.  Com efeito, a regra tornou-se o apelo em liberdade. Tal construção representa um excesso liberal com uma pitada de ingenuidade.” (Disponível em: http://jornalggn.com.br/sites/default/files/documentos/art20150102-03.pdf. Acesso em: 21 de mar. 2016)

 

direitos fundamentais

Violação dos direitos e garantias fundamentais

Como visto, não estão somente interceptando ligações telefônicas, e sim a democracia, por meio das violações direitos e garantias fundamentais. O que mais preocupa é este tipo de conduta possuir acolhida no Supremo Tribunal Federal, que já em outra oportunidade, condenou pessoas sem ter prova cabal, apenas “porque a literatura jurídica” permitiria. Todavia, a democracia espera que o colegiado da Corte, que deve resguardar a Constituição, reestabeleça a ordem democrática. Sinais desta retomada da ordem deu-se com recente decisão do Ministro Teori Zavascki, determinado a volta do sigilo às interceptações e explicações do juiz Sérgio Moro sobre a retirada do segredo das mesmas.

Enfim, o debate em si, não é sobre corrupção. Esta deve ser combatida. Não é sobre a importância das instituições do sistema de justiça, estas devem ser valorizadas. Mas sim sobre que Estado queremos construir. Um Estado que respeite garantias e direitos fundamentais. Do contrário veremos a consolidada a transformação do Estado Democrático de Direito em um Estado policial.

 

[1] DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Vol. I. 12ª ed. Salvador: Juspodium, 2010, p.241

[2] CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª ed. Coimbra: Almedina, 2003.

 

Rodrigo de MedeirosRodrigo de Medeiros Silva é Articulista do Estado de Direito – formado em Direito pela Universidade de Fortaleza, pós-graduando em Direito Civil e Processo Civil, no Instituto de Desenvolvimento Cultural (Porto Alegre-RS). Foi assessor parlamentar na Câmara dos Deputados e na Câmara Municipal de Fortaleza. Foi advogado do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, de Sindicatos de Servidores Públicos Municipais e de Trabalhadores Rurais. Atuou na área do Direito da Criança e do Adolescente na Pastoral do Menor e no Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará. Prestou serviço Association pour le Développemente Economic Regional- ADER, junto às comunidades indígenas cearenses Jenipapo-Kanindé, Pitagury, Tapeba e Tremembé. Participou do Fórum em Defesa da Zona Costeira do Ceará-FDZCC na defesa de comunidades de pescadores. Contribuiu com o Plano Diretor Participativo do Município de Fortaleza pela OAB-CE.  Também prestou consultoria à Themis-Gênero e Justiça, em Porto Alegre-RS. Integra a Comissão Nacional de Acesso à Justiça do Conselho Federal da OAB e o Conselho Consultivo da Ouvidoria da Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul. É membro da Rede Nacional dos Advogados e Advogadas Populares-RENAP, Fórum Justiça-FJ e Articulação Justiça e Direitos Humanos-JUSDH. É consultor da UNESCO junto à Secretaria-Geral da Presidência da República.

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