Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito.
Agostinho da Silva. Filosofia enquanto Poesia: Sete Cartas a um Jovem Filósofo, Conversação com Diotima, Filosofia Nova e Outros Escritos. Organização, seleção e fixação de textos, posfácio e notas Amon Pinho; prefácio Eduardo Giannetti. (Biblioteca Agostinho da Silva, vol. 1 – 1ª edição – São Paulo: É Realizações, 2019, 432 p.
Agostinho da Silva. Educação, Reinvenção e Liberdade (Biblioteca Agostinho da Silva, volume 2, Tomo 1); organização do volume Romana Valente Pinho, Amon Pinho; prefácio Antônio Nóvoa. – 1ª edição. – São Paulo: É Realizações, 2023, 392 p.
Remeto às sinopses preparadas pela editora para a bela edição desses dois volumes que inauguram a Biblioteca Agostinho da Silva:
Vol. 1: Este livro é a primeira amostra de um tesouro: volume 1 da Biblioteca Agostinho da Silva, que publicará, em edição crítica, escritos desse grande pensador luso-brasileiro. Filosofia enquanto Poesia reúne as obras Sete Cartas a um Jovem Filósofo – uma das mais conhecidas do autor –, Conversação com Diotima e Parábola da Mulher de Loth, além de ensaios que Agostinho publicou em O Estado de S. Paulo – incluindo “Filosofia nova” –, na coleção Iniciação: Cadernos de Informação Cultural – sobre os pré-socráticos, Sócrates, Platão, Epicuro, o estoicismo, a escultura grega e a literatura latina – e como prefácios a traduções de Sófocles, Platão, Aristófanes, Lucrécio, Plauto e Terêncio. Trata-se de uma coletânea que apresenta o fazer desse filósofo e escritor. Com organização, posfácio e notas de Amon Pinho, este título conta também com prefácio de Eduardo Giannetti e com depoimentos de Eduardo Lourenço, Joel Serrão, Eugênio Lisboa e o ex-presidente de Portugal Mário Soares.
Vol. 2: Não bastasse a amplitude de seu pensamento, Agostinho da Silva fez história no Brasil e em Portugal com iniciativas educacionais ousadas. Aqui, ajudou a fundar universidades como a UFF, a UFSC, a UFG, a UFPB e a UnB. Lá, idealizou e coordenou coleções de livros educativos, e centros como o Núcleo Pedagógico de Antero de Quental. Dedicar-se ao ensino, afinal, é parte orgânica de uma reflexão que não se separa da vida: de uma obra que se entende como criação e ação. Depois de Filosofia enquanto Poesia, agora a Biblioteca Agostinho da Silva apresenta Educação, Reinvenção e Liberdade, dividido em dois tomos. Este primeiro, Educar para a vida, reúne tanto amostras de publicações didáticas de Agostinho como textos em que ele apresenta os expoentes da Escola Nova – movimento que motivava sua perspectiva educacional e que inspirou, no Brasil, figuras como Rui Barbosa, Roquette-Pinto, Anísio Teixeira e Cecília Meireles. O volume tem prefácio de Antônio Nóvoa, reitor honorário da Universidade de Lisboa.
Fui convidado a participar do ato celebratório promovido pela Cátedra Agostinho da Silva, atualmente compartilhada pelas Universidades de Brasília, onde originalmente se instalou e a Universidade Federal de Uberlândia, e que se incumbiu da iniciativa, juntamente com a Editora É Realizações, da publicação dos dois primeiros volumes da Obra.
Nessa solenidade de lançamento da Biblioteca Agostinho da Silva, a mesa de abertura contou com os organizadores Amon Pinho e Romana Valente Pinho. E ainda com o Embaixador de Portugal Luis Faro Ramos; o professor Carlos Henrique de Carvalho, Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação da Universidade Federal de Uberlândia; a professora Liliane Campos Machado, Diretora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, anfitriã da celebração, realizada no ambiente icônico da Sala Papiros, na FE; a vice-diretora da Faculdade de Educação da UnB, professora Daniele Pamplona Nogueira.
Na mesa, a Reitora professora Marcia Abrahão Moura, a Diretora da Cátedra Agostinho Silva da UnB, a professora Ana Clara Medeiros e, em registro especiaa a sensível apresentação do músico, compositor e cineasta André Luiz Oliveira que cantou poemas musicados de Fernando Pessoa, relevo para Mensagem.
Confesso a surpresa do convite para estar nessa seção, certamente grande cortesia do professor Amon Pinho, precedido de visita que recebi do Professor Roberto Pinho, que em companhia da minha colega Maria Luiza Pereira, o anteciparam e que me agraciaram com os exemplares dos dois volumes agora lançados, com eles compartilhei a mesa acadêmica, completada com a participação de meu colega de UnB professor Marcus Motta e da professora Romana Valente, também co-organizadora dos volumes que inauguram a Biblioteca.
Todos e todas os que compuseram a mesa acadêmica apresentaram comunicações marcantes, recolhidas em gravação de mídia para compor os anais da Cátedra e, espero, formar uma edição que organize as exposições muito densas dos convidados e convidadas.
De minha parte, tal como adverti na ocasião, por ser pouco versado nos fundamentos da obra de Agostinho, mais que com com isso a dizer da surpresa para estar nesta celebração, salientar ser consciente, na condição de integrante da comunidade que constitui a Universidade de Brasília, do dever de trazer um depoimento que honre a importância de Agostinho da Silva, muito em particular para a Universidade de Brasília.
Passados quase trinta anos de sua morte (1994), é ainda muito pertinente, não fugir à questão provocadora posta pela professora Romana Valente Pinho, sobre a trajetória desse grande humanista, “E agora?” (PINHO, Romana Valente. Agostinho da Silva: Quinze Anos Depois de sua Morte. E Agora?. In Nova Águia. Revista de Cultura para o Século XXI. Nº 3 – 1º Semestre de 2009. Tema: O Legado de Agostinho da Silva Quinze Anos Após a sua Morte).
Não me atrevo a seguir a provocação da professora Romana Valente: “ler Agostinho da Silva fria e cruelmente, disseca-lo até à minúcia e ao pormenor, volver-lhe as entranhas até nos depararmos com os variegados aspectos do seu pensamento, com as múltiplas fases intelectuais pelas quais passou” (op. cit. p. 92).
Antes, ou apenas, supondo que o convite que me foi feito se deveu ao fato de ser eu o Reitor da UnB, não no momento, de criação da Cátedra Agostinho da Silva na UnB, em 2006, mas no período de sua implantação, no UnB/IL/TEL o ter acompanhado as injunções para a edição da obra organizada pelo professor Henryk Siewierski, Agostinho da Silva. Universidade: testemunho e memória. Brasília: Universidade de Brasília, Departamento de Teoria Literária e Literaturas, 2009.
É desse tempo que me vem o despertar para o que representou Agostinho da Silva, para a Filosofia, para a Literatura, para a Teologia, para os Estudos Portugueses, para o Brasil e para a UnB, ele que se constituía como descreveu Santiago Naud “uma alma oceânica”, e mais que isso, como dele ouvi em visitas que me fez várias vezes no Gabinete, referindo-se a Agostinho, “uma seminal presença no Brasil, confirmação iluminada de sua generosa teoria civilizatória”.
Do professor Henryk Siewierski, um polonês que diz ter ganho de Agostinho “o Brasil de presente” (Como ganhei o Brasil de Presente, Presença de Agostinho da Silva no Brasil, org. Amândio Silva e Pedro Agostinho. Rio de Janeiro: Edições Casa de Rui Barbosa/ Ministério da Cultura, 2007), é afirmação de que “a História tem o sentido e o plano que a move e a transcende. Um plano correspondente aos mais profundos desejos do homem, que ele gostava de exprimir através da linguagem parabólica do culto popular do Espírito Santo, próprio da cultura portuguesa. E procurava humildemente cumprir este plano em todos os campos da vida, na medida das suas próprias possibilidades, pois na medida de seu coração”. Por isso é aquele que ajuda: “ajudar os outros a carregar o peso e confiar no rumo, que estão seguindo o caminho certo – embora às vezes, sim, por linhas tortas -, leva Agostinho da Silva a atuar preferencialmente nas suas margens. Nas margens da História não quer dizer à margem, pois é nas margens que a História toma a sua forma. E são as margens, os barrancos da História, que precisam de mais cuidado, devido à sua fragilidade, que os pode facilmente levar à margem” (Uma Lembrança de Agostinho in Presença de Agostinho da Silva no Brasil, op. cit).
Então, procurei uma nesga dessa faixa, de um tema que talvez possa ser adequadamente desenvolvido em novos tomos da edição: o projeto da UnB como universidade necessária, tantas vezes interrompido, mas sempre retomado para se constituir universidade emancipatória.
No livro Presença de Agostinho da Silva no Brasil há uma entrevista com o Professor João Ferreira, realizada pela Professora Neila Flores, da qual recorto uma passagem: A pergunta: “E como foi a saída de Agostinho da Universidade de Brasília, em 1969?”.
O Professor João Ferreira certifica em relação a Agostinho uma nota de posicionamento, em geral desconsiderada nos demais estudos que se debruçaram sobre esse período sombrio. Não há registro no livro-referência de Roberto Salmeron – A Universidade Interrompida: Brasília 1964-1965, com depoimentos e dados históricos, da diáspora
Digo isso no prefácio que fiz para a edição comemorativa do cinquentenário da UnB (2012), no qual distingo as suas duas partes, a primeira que se concentra na reconstrução da memória de fundação da UnB, tratando dos acontecimentos que a cercam e da crônica dos fatos que caracterizaram as bases conceituais e políticas da proposta da nova universidade; a segunda, que descreve a crise e a violência com que o golpe se impôs sobre a universidade, intimidando alunos e professores, desorganizando-a, reprimindo seu poder criativo e ferindo antagonistas.
Tomo o pressuposto de que A Universidade Interrompida, nesse duplo aspecto, integra a antologia explicativa de criação da UnB, sua promessa utópica, as vicissitudes que sofreu, seu começo e permanente recomeços. Sustento que o livro tem lugar cativo na mesma estante na qual se classificam outras preciosidades, como os títulos de Darcy Ribeiro: Universidade de Brasília, editado em 1962 e reeditado pela UnB em 2011; A Universidade Necessária, de 1969; e UnB: Invenção e Descaminho, de 1978. A obra de Heron Alencar A Universidade de Brasília. Projeto Nacional da Intelectualidade Brasileira, comunicação que o Autor apresentou à Assembleia Mundial de Educação, no México, em 1964, que Darcy publicou como apêndice ao seu Universidade Necessária. Também Antônio Luiz Machado Neto, coordenador do Instituto Central de Ciências Humanas, no período de 1962-1965, quando da diáspora de 1965, em um ensaio sofrido publicado na antiga Revista da Civilização Brasileira, basta ver o título: A Ex-Universidade de Brasília (cf. SOUSA JUNIOR, José Geraldo de. Prefácio, in SALMERON, Roberto A. A Universidade interrompida: Brasília 1964-1965. Edição Comemorativa. Brasília: Editora UnB, 2012).
Não há referências diretas a Agostinho da Silva, nessas memórias Por isso o valor do depoimento de João Ferreira à indagação da professora Neila Flores:
Como fundador, como Coordenador do Centro Brasileiro de Estudos Portugueses em Brasília, e também por suas convicções políticas, sociais e humanitárias, Agostinho tinha uma linha da qual não se afastava. Democrata convicto, serviu em muitos projetos no Ministério da Educação, no tempo de Darcy Ribeiro, e foi um dos fundadores da Universidade de Brasília. Como a partir de 1964 surgiu o governo militar, Agostinho, embora sem partido político, lutava por uma sociedade livre em suas formas de organização e de expressão. Disso não abriu mão nunca. Na Universidade, tentou tocar seus projetos culturais enquanto pôde, apesar da ditadura. A partir de 1968, porém, a nova Reitoria via com desconfiança a liberalização política dos que frequentavam o Centro Brasileiro de Estudos Portugueses, e também o Centro de Estudos Clássicos, e foi pensando na extinção dos Centros a curto prazo…Agostinho sabia que, em determinada altura, a Reitoria começaria a fazer pressão, pegando pequenas coisas e tentando incomodar…o que ele rapidamente entendeu é que não teria ambiente de trabalho, sobretudo o ambiente de que precisava para seus projetos… foi para Portugal, onde rapidamente se transformaria num guru da juventude, e onde teria o apreço dos jovens, dos políticos e da sociedade..”.
Os elementos narrativos aqui encontrados, confirmam um dos achados da Comissão Anísio Teixeira de Memória e Verdade da UnB, em seu Relatório (https://www.comissaoverdade.unb.br/images/docs/Relatorio_Comissao_da_Verdade.pdf). A gravidade das violações não alcançaram apenas os indivíduos na sua integridade e dignidade, mas atingiram as estruturas institucionais democráticas, notadamente as universitárias. Aliás, essa percepção ficou sufragada pelo comentário de meu colega Marcus Motta, que em sua exposição, reagindo a esse pressuposto, levantou a hipótese de que a ação destituinte dos dois Centros – de Estudos Portugueses (Agostinho) e de Estudos Clássicos (Eudoro de Sousa), deveu-se não só a uma hostilidade política, mas a uma objeção epistemológica: a perspectiva de interdisciplinaridade que caracterizava os estudos e as pesquisas neles desenvolvidas, em face da resistência paradigmática do disciplinar tão confortável ao positivismo tout court e ainda atual.
Em artigo de memória, publicado para marcar 30 anos da UnB (UnB 30 Anos), no vol. 8, da Revista Humanidades, nº 4, 1992) e republicado para segunda leitura, no nº 65, dezembro de 2021, da mesma Revista, a professora Geralda Dias Aparecida, lembra que “a história da Universidade de Brasília precisa ser contada no plural. Encontram-se em suas formas arrojadas as aspirações de políticos e intelectuais encantados com o Brasil do futuro”. No texto ela sintetiza seu material de pesquisa que foi aplicado ao processo de anistia das vítimas do período autoritário, conforme a periodicidade inscrita na norma de remissão.
Nessa periodização ela localiza as ocorrências pela caracterização das situações de crise e de disciplinarização exercitadas nas formas mais exacerbadas. Mas ela recupera uma espécie de roteiro para o que fazer com a UnB. Para um desses setores interessados na Instituição, o Serviço Nacional de Informações (SNI), conforme um informe especial sobre a UnB, em setembro de 1965, um diagnóstico e possíveis soluções para reordenar a UnB trazia 11 orientações. Dessas, no aspecto administrativo, a) a mudança de reitor não era suficiente para garantir uma mudança de filosofia e objetivos da UnB; b) a equipe de Darcy Ribeiro era eficiente e envolvia a reitoria através de assessoramento técnico com a constituição de laços de amizade; c) havia necessidade de substituir os detentores de cargos-chaves e transformá-los em cargos de confiança; d) a reitoria deveria criar um órgão do tipo ‘Centro Social’ para centralizar as vantagens e benefícios concedidos aos alunos e pessoal docente e técnico-administrativo. Seguiam-se orientações para a área de pessoal e corpo discente.
Essa uma nova realidade que vai contrapor-se a tudo que pensava Agostinho e que se constituía seu ideário filosófico. Basta consultar suas Notas para uma posição ideológica e pragmática da Universidade de Brasília. Esse texto anteriormente publicado em pelo menos duas edições em Lisboa (1964-1965 e 1988), consta de Presença de Agostinho Silva no Brasil, citado.
Seus enunciados podem ser também encontrados em Agostinho da Silva: Filosofia e Espiritualidade, Educação e Pedagogia, de Luís Carlos Rodrigues dos Santos, Tese orientada pelo Prof. Doutor Paulo Alexandre Esteves Borges e pelo Prof. Doutor Jorge Manuel Bento Pinto, especialmente elaborada para a obtenção do grau de doutor em Filosofia, especialidade de Filosofia da Educação, Universidade de Lisboa, Faculdade de Letras, Departamento de Filosofia.
Distingo-a, entre outros escritos sobre diferentes aspectos da vida e obra de Agostinho da Silva, porque nela há um capítulo (2.4) sobre a Universidade de Brasília e um capítulo (2.4.2) “Depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito”.
Aqui reporto ao texto na tese. O Autor registra que, “no final do Verão de 1967, depois de uma “viagem pela Europa Central (Suiça, Alemanha, Holanda, Bélgica, França)”, Agostinho passa por Portugal e as relações com a Universidade de Brasília, embora as desavenças registadas, ainda não se tinham extinguido. Ele veio com a missão que lhe fora dado pelo Reitor da Universidade de Brasília para recrutar novos professores. “Nessa altura, a Universidade estava abalada pela decisão, política, de autodemissão coletiva de uma grande parte dos seus professores, no ano de 1965, em sinal de protesto contra a ditadura militar. A Universidade precisava, entretanto, de retomar o seu caminho, e Agostinho trabalhava entusiasmado para isso. Para criar uma Universidade educada e livre, cujo sucesso passava por uma qualificação do corpo docente.”
Salmeron em seu livro dá relevo à Comissão Parlamentar de Inquérito instalada na Câmara dos Deputados em 1966. Claro, estando sua obra demarcada pela crise de 1964-1965, alude apenas aquele enquadramento de uma CPI que não chegou a aprovar seu Relatório. Mesmo assim ele reproduz seu próprio e lúcido depoimento e também o do Reitor Laerte Ramos de Carvalho. Ambos. No seu antagonismo, compõem um mosaico de interpretações sobre a condição da UnB e da universidade brasileira naquela conjuntura.
Entretanto, também Agostinho da Silva contribuiu para a interpretação dessa realidade. Conforme o professor Luiz Carlos dos Santos em sua tese,
Em Maio de 1968, ano anterior ao do regresso do Professor a Portugal, Agostinho da Silva ainda vai perante a Câmara dos Deputados Brasileiros que o convoca para conhecer a sua opinião sobre a organização do ensino superior no país.
Reteremos aqui o desenrolar sintético do seu testemunho que nos permitirá apreender sobre o modo como, para ele, deveria funcionar uma Universidade.
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Com o capitalismo, a partir do século XV/XVI, a Universidade começou tomando formas que traíram a sua origem. “Do que se queixam todas as Universidades ou todos os homens que pensam a Universidade em termos gerais é que está muito formando técnicos, está muito formando especialistas, está formando homens cuja linguagem deixa de ser inteligível para outros homens (…) A Universidade americana, a alemã, podem formar técnicos excelentes mas rarissimamente formam homens (…) A Universidade passa a ser alguma coisa que se frequenta para ter um diploma para poder exercer legalmente a profissão mas não alguma coisa que se frequenta para adquirir uma capacidade plenamente humana.”
Para Agostinho a Universidade passa, por vários motivos, a não consolidar a natureza humana, mas a formar técnicos com dificuldades de compreensões humanistas. Professores e alunos que, de alguma forma, estão divorciados dos reais problemas do seu país, como da fome, da doença, do abandono a que as pessoas estão votadas. É preciso que se construa uma Universidade que promova o desenvolvimento tecnológico, é certo, mas que ao mesmo tempo saiba utilizar esse desenvolvimento como um meio de progresso humano e pensar numa humanidade que seja mais compreensiva do que aquela que ia surgindo nos países mais industrializados.
As Universidades na Europa ficaram no século XIX e os alunos já estão, pela imaginação, pela energia, no século XXI. Quando um aluno sai da Universidade, por mais incrível que pareça, a verdade é que sai bastante amputado da sua capacidade de criação, de originalidade. Um dos pontos mais importantes porque uma Universidade deve vigiar é que, mais importante do que ensinar, é fazer com que os alunos descubram por si próprios, mais do que ensinar apostar na investigação. Há que se utilizar cada vez mais os métodos de uma “nova pedagogia”, em que o professor fala menos e o aluno pesquisa mais. Mais liberdade de pensamento, mais liberdade de crítica. “A Universidade não deve obedecer àquilo que (outrora) fez o seu fundador, deve obedecer àquilo que os estudantes querem”, ao mundo que querem construir
Não perderam fôlego as ideias de Agostinho da Silva sobre o tema. Elas ainda pavimentam o percurso que, ao menos na UnB, em suas interrupções e recomeços, ainda agora passamos por um período bem turbulento, conduz o seu projeto desde uma concepção de universidade necessária para se constituir plenamente, também emancipatória (SOUSA JUNIOR, José Geraldo de (org). Da Universidade Necessária à Universidade Emancipatória. Brasília: Editora UnB, 2012).
Ainda estamos engolfado nesse processo que afeta a liberdade acadêmica, não só no Brasil mas em muitos âmbitos do hemisfério. No dia 9/11, aconteceu o lançamento formal do Free To Think 2023 ! O relatório, divulgado em 31 de outubro de 2023, analisa 409 ataques à comunidade do ensino superior em 66 países e territórios, entre 1 de julho de 2022 e 30 de junho de 2023. Destaca como os ataques à liberdade académica ameaçam ainda mais a sociedade democrática e o progresso social. de forma ampla e apela às partes interessadas para que criem proteções robustas para académicos, estudantes e instituições de ensino superior.
O lançamento aconteceu durante a Segunda Conferência Regional sobre Liberdade Acadêmica nas Américas, organizada pela Coalizão pela Liberdade Acadêmica nas Américas (CAFA). e sediado pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná-PUCPR em Curitiba, Brasil. O lançamento contou com um painel de especialistas apresentando perspectivas regionais sobre a liberdade acadêmica e discutirá respostas aos ataques.
A Conferência acontece depois que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos aprovou, 182º Período Ordinário de Sessões, entre 6 a 17 de dezembro de 2021, Princípios Interamericanos sobre Liberdade Acadêmica e Autonomia Universitária. Mobilizada por constantes violações e denúncias, esses princípios têm em vista que “a liberdade acadêmica é um direito humano independente e interdependente, que cumpre uma função capacitadora para o exercício de uma série de direitos que incluem a proteção do direito à liberdade de expressão, educação, liberdade de associação, igualdade perante a lei. A liberdade acadêmica implica o direito de toda pessoa de buscar, gerar e transmitir conhecimento, de fazer parte de comunidades acadêmicas e de realizar atividades autônomas e independente para realizar atividades de acesso à educação, ensino, aprendizagem, pesquisa, descoberta, transformação, debate, divulgação de informações e ideias livremente e sem medo de represálias. Além disso, a liberdade acadêmica tem uma dimensão coletiva, consistindo no direito da sociedade e de seus membros de receber informações, conhecimentos e opiniões produzidas no âmbito da atividade acadêmica e de ter acesso aos benefícios e produtos da pesquisa, inovação e progresso científico” (https://www.brasilpopular.com/principios-interamericanos-sobre-a-liberdade-academica/; https://www.brasilpopular.com/violacao-da-autonomia-universitaria-punicao-ao-abuso-de-poder/; https://estadodedireito.com.br/a-tutela-juridica-da-liberdade-academica-no-brasil-a-liberdade-de-ensinar-e-seus-limites/; https://www.brasilpopular.com/o-reitor-cancellier-o-absurdo-e-o-suicido-reparar-a-injustica/; https://www.brasilpopular.com/intervencoes-nas-universidades-autonomia-e-nomeacao-de-reitores/;
Realizar esses princípios implica diria Agostinho da Silva, tal como ele lançou em seu texto Notas para uma posição ideológica e pragmática da Universidade de Brasília, do qual, muito que nele se contêm está em seu depoimento na Câmara dos Deputados, “um esforço de inteligência, temendo acima de tudo a imbecilidade que nos espreita”.
José Geraldo de Sousa Junior é Articulista do Estado de Direito, possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal (1973), mestrado em Direito pela Universidade de Brasília (1981) e doutorado em Direito (Direito, Estado e Constituição) pela Faculdade de Direito da UnB (2008). Ex- Reitor da Universidade de Brasília, período 2008-2012, é Membro de Associação Corporativa – Ordem dos Advogados do Brasil, Professor Titular, da Universidade de Brasília, Coordenador do Projeto O Direito Achado na Rua.55 |
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