É possível que os avós adotem netos?

Jornal Estado de Direito

 

 

 

     Existem várias formações de entidades familiares em nosso mundo real e no ordenamento jurídico. E essas entidades familiares precisam ser amparadas legalmente.

     Quando examinamos o Estatuto da Criança e do Adolescente, encontramos de forma expressa que é vedado aos avós adotarem seus netos. E isso porque iria reverter a ordem natural da família.

     Contudo, existem situações em que os avós efetivamente assumem os cuidados para com os netos tratando-os como se filhos fossem. E é nesse momento em que é preciso se socorrer ao Poder Judiciário para que essa forma de família seja reconhecida e aceita.

     Dessa forma podemos nos referir a uma situação que chegou ao Superior Tribunal de Justiça, na qual os avós pedem que seja reconhecida a paternidade do seu neto.

     Para que isso possa ocorrer, devemos analisar como realmente é essa família. Não se trata de querer ser adotado pela avó para vir a receber a pensão dele quando ele vier a óbito.

     O princípio do melhor interesse nos traz que devemos colocar a criança e o adolescente no centro da análise e verificar o que é melhor e mais adequado aquela criança ou adolescente em específico e com isso saímos da regra geral e iremos nos ater aos detalhes específicos do caso concreto.

     Dessa forma o Superior Tribunal de Justiça sinalizou a possibilidade dessa adoção desde que fosse preenchidos os requisitos para tal. E apresentou 08 (oito) requisitos que precisam ser preenchidos para que seja possível a adoção entre os avós e seus netos.

     A primeira regra é que a pessoa que está sendo adotada deve ser uma pessoa menor de idade.

     A segunda é que os candidatos à adoção (avós) devem exercer – com exclusividade – o papel de pais do menor – desde o seu nascimento.

     Já a terceira é que o estudo do psicossocial tenha analisado a família em questão e constante que o vínculo de socioafetividade formou-se.

     A quarta regra refere-se ao reconhecimento dos avós como pais e o pai/mãe como sendo um irmão ou irmã.

     Não há conflito familiar na família referente a essa adoção.

     Verifica ainda se o menor possa ter uma confusão emocional ou mental. Se isso acontecer está descartada a adoção avoenga.

     A adoção tem que representar uma real vantagem para o menor e não pode ser baseada em motivos ilegítimos, como, por exemplo, a questão econômica.

     Vejamos a ementa do referido acórdão para que seja possível considerar a adoção avoenga. E o caso é interessante pois o pedido ainda invoca um avó por socioafetividade.:

RECURSO ESPECIAL. ADOÇÃO DE MENOR PLEITEADA PELA AVÓ PATERNA E SEU COMPANHEIRO (AVÔ POR AFINIDADE). MITIGAÇÃO DA VEDAÇÃO PREVISTA NO § 1º DO ARTIGO 42 DO ECA. POSSIBILIDADE.

  1. A Constituição da República de 1988 consagrou a doutrina da proteção integral e prioritária das crianças e dos adolescentes, segundo a qual tais “pessoas em desenvolvimento” devem receber total amparo e proteção das normas jurídicas, da doutrina, jurisprudência, enfim de todo o sistema jurídico.
  2. Em cumprimento ao comando constitucional, sobreveio a Lei 8.069/90 – reconhecida internacionalmente como um dos textos normativos mais avançados do mundo -, que adotou a doutrina da proteção integral e prioritária como vetor hermenêutico para aplicação de suas normas jurídicas, a qual, sabidamente, guarda relação com o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, que significa a opção por medidas que, concretamente, venham a preservar sua saúde mental, estrutura emocional e convívio social.
  3. O princípio do melhor interesse da criança e do adolescente tem por escopo salvaguardar “uma decisão judicial do maniqueísmo ou do dogmatismo da regra, que traz sempre consigo a ideia do tudo ou nada” (PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Dicionário de direito de família e sucessões. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 588/589).
  4. É certo que o § 1º do artigo 42 do ECA estabeleceu, como regra, a impossibilidade da adoção dos netos pelos avós, a fim de evitar inversões e confusões (tumulto) nas relações familiares – em decorrência da alteração dos graus de parentesco -, bem como a utilização do instituto com finalidade meramente patrimonial.
  5. Nada obstante, sem descurar do relevante escopo social da norma proibitiva da chamada adoção avoenga, revela-se cabida sua mitigação excepcional quando: (i) o pretenso adotando seja menor de idade;

(ii) os avós (pretensos adotantes) exerçam, com exclusividade, as funções de mãe e pai do neto desde o seu nascimento; (iii) a parentalidade socioafetiva tenha sido devidamente atestada por estudo psicossocial; (iv) o adotando reconheça os – adotantes como seus genitores e seu pai (ou sua mãe) como irmão; (v) inexista conflito familiar a respeito da adoção; (vi) não se constate perigo de confusão mental e emocional a ser gerada no adotando; (vii) não se funde a pretensão de adoção em motivos ilegítimos, a exemplo da predominância de interesses econômicos; e (viii) a adoção apresente reais vantagens para o adotando. Precedentes da Terceira Turma.

  1. Na hipótese dos autos, consoante devidamente delineado pelo Tribunal de origem: (i) cuida-se de pedido de adoção de criança nascida em 17.3.2012, contando, atualmente, com sete anos de idade;

(ii) a pretensão é deduzida por sua avó paterna e seu avô por afinidade (companheiro da avó há mais de trinta anos); (iii) os adotantes detém a guarda do adotando desde o seu décimo dia de vida, exercendo, com exclusividade, as funções de mãe e pai da criança;

(iv) a mãe biológica padece com o vício de drogas, encontrando-se presa em razão da prática do crime de tráfico de entorpecentes, não tendo contato com o filho desde sua tenra idade; (v) há estudo psicossocial nos autos, atestando a parentalidade socioafetiva entre os adotantes e o adotando; (vi) o lar construído pelos adotantes reúne as condições necessárias ao pleno desenvolvimento do menor;

(vii) o adotando reconhece os autores como seus genitores e seu pai (filho da avó/adotante) como irmão; (viii) inexiste conflito familiar a respeito da adoção, contra qual se insurge apenas o Ministério Público estadual (ora recorrente); (ix) o menor encontra-se perfeitamente adaptado à relação de filiação de fato com seus avós; (x) a pretensão de adoção funda-se em motivo mais que legítimo, qual seja, desvincular a criança da família materna, notoriamente envolvida em criminalidade na comarca apontada, o que já resultou nos homicídios de seu irmão biológico de apenas nove anos de idade e de primos adolescentes na guerra do tráfico de entorpecentes; e (xi) a adoção apresenta reais vantagens para o adotando, que poderá se ver livre de crimes de delinquentes rivais de seus parentes maternos.

  1. Recurso especial a que se nega provimento.

(REsp 1587477/SC, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 10/03/2020, DJe 27/08/2020)

 

renata vilas boas
*Renata Malta Vilas-Bôas é Articulista do Estado de Direito, advogada devidamente inscrita na OAB/DF no. 11.695. Sócia-fundadora do escritório de advocacia Vilas-Bôas & Spencer Bruno Advocacia e Assessoria Jurídica, Professora universitária. Professora na ESA OAB/DF; Mestre em Direito pela UPFE, Conselheira Consultiva da ALACH – Academia Latino-Americana de Ciências Humanas; Acadêmica Imortal da ALACH – Academia Latino-Americana de Ciências Humanas; Integrante da Rete Internazionale di Eccelenza Legale. Secretária-Geral da Rede Internacional de Excelência Jurídica – Seção Rio de Janeiro – RJ; Colaboradora da Rádio Justiça; Ex-presidente da Comissão de Direito das Famílias da Associação Brasileira de Advogados – ABA; Presidente da Comissão Acadêmica do IBDFAM/DF – Instituto Brasileiro de Direito das Familias – seção Distrito Federal; Autora de diversas obras jurídicas.

 

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