Direito e Marxismo – volume 2: críticas contemporâneas

Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito

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Direito e Marxismo – volume 2: críticas contemporâneas/Organizadores Gladstone Leonel Júnior, Enzo Bello; Adriele Andrade Précoma; Ana Beatriz Nascimento de Souza Santa Rita; Ana Carolina Vasconcelos de Medeiros Chaves; [et al.]. – Rio de Janeiro: CEEJ, 2025. Para baixar o PDF:

https://www.academia.edu/144514350/Direito_e_Marxismo_cr%C3%ADticas_contempor%C3%A2neas_Vol_2?fbclid=PAZXh0bgNhZW0CMTEAAadUPBanOegqCNLE8LTzQVlIlZ4mSwWR_qJxdnkxI6Rd_Szqf3ROfSQEJOAITQ_aem_xwvQqqtXUwxbs_4YVyeEUg

 

De Gladstone Leonel Silva Junior e de Enzo Bello tenho colhido uma bibliografia crítica e instigante, em alguns textos com minha contribuição prefacial, em outros co-autoral, de vários estimulado a elaborar resenhas, entre elas as que aparecem neste espaço de Coluna Lido para Você.

Agora me defronto com o livro “Direito e Marxismo: Críticas contemporâneas” apresenta, no seu segundo volume – dizem os Organizadores uma síntese de um processo de ensino e aprendizagem, envolvendo – o também atividades de pesquisa e extensão, que vem sendo desenvolvido há anos no âmbito do Programa de Pós-graduação em Direito Constitucional da Universidade Federal Fluminense (PPGDC/UFF), com a coordenação dos docentes Gladstone Leonel Jr. e Enzo Bello.

Isto se deu com a participação protagonista de docentes em formação, dentro e fora das salas de aula, cursando disciplinas na pós-graduação, atuando em estágio docência na graduação do curso de direito, realizando pesquisas de mestrado e doutorado – em muitos casos, pesquisas empíricas –, esse processo propõe realizar intervenção social como parte de pesquisas acadêmicas multidisciplinares e críticas.

No entanto, cabe também salientar a interação com docentes convidados/as de outras instituições de ensino superior e militantes de movimentos sociais, que oferecem ensinamentos diversos e olhares de alteridade para temas de estudos e objetos de pesquisa desenvolvidos em nosso PPGDC/UFF, com eixo nas disciplinas “Teorias Críticas: Direito e Marxismo”, “Teoria Constitucional Crítica”, “Constitucionalismo Achado na Rua e Epistemologias do Sul” e “Constituição, Cidadania e Cidade na América Latina”, por nós ministradas desde 2017, além do Grupo de Pesquisa Crítica Jurídica Contemporânea, coordenado por Gladstone Leonel Jr., e do Grupo de

Estudos e Pesquisas Crítica do Direito no Capitalismo (CriDiCa), liderado por Enzo Bello, que articulam discentes de graduação e pós-graduação da UFF e outras instituições, conectando pesquisadores(as) de diversas áreas do conhecimento, tais como Economia, Sociologia, Ciência Política, Serviço Social, Arquitetura e Urbanismo, Geografia, dentre outros.

O livro “Direito e Marxismo: Críticas contemporâneas” – Vol. 2, busca se inserir na seara de estudos sobre Teoria Crítica do Direito, mais especificamente nos campos do “Direito e Marxismo” e do “Pensamento Descolonial”, com origens no ambiente histórico-social da América Latina e do Brasil.

A obra está dividida em dois eixos temáticos: “A Crítica Marxista ao direito e elementos do debate descolonial” e “O direito diante das contribuições da Crítica Marxista”.

O Eixo I é iniciado com o artigo “Para uma crítica à concepção economicista do Imperialismo a partir do bloqueio econômico a Cuba: resgate dos elementos político-jurídicos do debate”, de Gladstone Leonel Júnior e Josué Alves Gouvêa Filho dando o tom do debate e apresentando o perfil dos textos do referido eixo.

Na sequência, uma série de textos críticos de discentes do PPGDC/UFF e outros Programas, que cursaram nossas disciplinas e/ou participaram de atividades que temos desenvolvido. Isabella Bandeira de Mello da Fonseca Costa Jangutta trabalha no texto com a realidade conjuntural venezuelana em “Uma agenda imperialista dos Estados Unidos na Venezuela: considerações sobre a declaração estadunidense nas eleições venezuelanas”. Adriele Andrade Précoma, com o artigo “O fundamento racializado do capitalismo e a re-existência do seu avanço sobre os indígenas”. Nathália Damasceno Victoriano e Maria Emília Velozo Schmiedecke, com o texto “Capital étnico e classes sociais na América Latina: a individualidade jurídica frente à coletividade indígena e do feminismo negro”. Juliana Mello de Queiroz, Matheus Felipe Gonçalves de Souza, juntamente com o professor de direito da UFRGS, Emiliano Maldonado, trouzeram o artigo “Os aspectos ambientais do Novo Constitucionalismo Latino-Americano: as limitações do Direito na defesa da natureza nos países de capitalismo dependente”. Leura Dalla Riva e Mayra Angélica Rodriguez Avalos, atentas à realidade mexicana com o texto, “Os Direitos da Natureza como paradigma contra-hegemônico: O uso tático do direito no contencioso judicial e o caso Cherán”. E Thais Petrillo Mello de Almeida, com o escrito “Um apelo por um giro decolonial na medicina: Por uma medicina integrada para além de uma medicina integrativa”.

O Eixo II inicia-se pautando no suporte de Marx para a construção da crítica no artigo de Enzo Bello e Nathália Damasceno Victoriano sobre “A litigância climática em desastres ambientais como vetor da financeirização do capital em países de economia dependente: o caso do Brasil”. Conta, na sequência, com a contribuição de convidados/as que colaboraram conosco e agora proporcionam ainda mais elementos para reflexão. Moisés Alves Soares (doutor em direito pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC e docente na Universidade Federal de Jataí – UFJ), juntamente com Gabriela Vilela da Cruz, apresentam o texto intitulado “Gramsci e a ampliação do Direito: notas a partir de uma teoria geral da hegemonia”. Victor Romero Escalante (Professor de Pós-Graduação em Direito da Universidade Nacional Autônoma do México – UNAM-MEX), junto com Ricardo Dimitri Gonçalves Kasakewitch e Victoria Lopes Rocha, trazem o artigo “Reflexões sobre o papel do direito em Stutchka e a crítica a judicialização da política nas repúblicas ocidentais”.

Além deles temos, Larissa Batista Franco e Ana Beatriz Nascimento de Souza Santa Rita com o texto “Corpo, cuidado e capital: a greve feminista contra a exploração”. O artigo da professora do PPGDC/UFF, Fernanda Andrade Almeida, dá continuidade à temática de gênero apropriada pelo capital em seu texto “Laboratório secreto das Tradwives”. Ana Carolina Vasconcelos de Medeiros Chaves e Nathalia de Carvalho Terra apresentam o artigo “Extrapolando os limites do doméstico: a resistência das trabalhadoras brasileiras à luz do debate sobre a reprodução da força de trabalho”. Por fim, Anna Luiza Pinage Barbosa, finaliza a obra com o texto “O piso nacional da enfermagem: a luta dialética entre o direito do proletariado e o direito da burguesia”.

Desta forma, registramos nosso agradecimento a aqueles/as que ajudam no desenvolvimento da pesquisa acadêmica no Brasil; ao colegiado e à coordenação do PPGDC/UFF, que, sempre apoiou este tipo de iniciativa de docentes e discentes, a despeito dos recursos escassos que gerem, mas ainda assim garantem a divulgação e a transparência do trabalho de formação docente e intervenção social desenvolvido na universidade pública brasileira.

Na divulgação da obra, nas mídias sociais, os Organizadores afirmam a satisfação em apresentar “o Vol. 2 do nosso livro “Direito e Marxismo: críticas contemporâneas”. O resgate da literatura marxista no direito se mostra fundamental. Aqui trabalhamos 2 Eixos: a crítica marxista ao direito e elementos do debate descolonial + Direito diante da contribuição da crítica marxista”, enquanto agradecem “a todos s autores/as que acreditaram no trabalho e nos permitiu trazer reflexões atuais e necessárias”, esclarecendo que “o Livro é GRATUITO e aberto ao público em PDF”, podendo ser baixado:

Do Prefácio, elaborado pelo professor Martonio Mont’Alverne Barreto Lima (Professor Titular da Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Doutor em Direito pela Johann Wolfgang Goethe Universität – Frankfurt am Main (Alemanha). Direto de Ubajara (na Serra da Ibiapaba), junho de 2025), retiro o alcance da obra em seu intento crítico contemporâneo:

Esta coletânea evidencia ainda que, apesar dos avanços constitucionais e normativos alcançados pelos movimentos sociais latino-americanos, persistem desafios estruturais significativos. A dependência econômica, a pressão do capital transnacional e a fragilidade institucional da região continuam limitando a efetivação plena dos direitos conquistados.

No entanto, os casos analisados demonstram que essas experiências representam mais do que simples reformas jurídicas. Elas constituem laboratórios de experimentação democrática que podem inspirar transformações mais amplas na relação entre Estado, sociedade e natureza.

Em um momento de crise climática global e de questionamento dos modelos de desenvolvimento baseados no extrativismo, as experiências latino- americanas de reconhecimento dos direitos da natureza e de plurinacionalidade ganham relevância mundial. As epistemologias indígenas e afrodescendentes, historicamente marginalizadas, emergem como alternativas necessárias para pensar novos paradigmas civilizatórios.

Os trabalhos aqui reunidos contribuem para essa discussão ao demonstrar que a superação da crise socioambiental contemporânea exige não apenas mudanças técnicas ou normativas, mas uma transformação profunda nas relações de poder e nas formas de compreender a relação entre humanidade e natureza. Os artigos convergem na análise crítica das relações entre direito, poder e dominação social, utilizando ferramentas teóricas marxistas para compreender fenômenos contemporâneos. Seja através da teoria gramsciana da hegemonia, da crítica à judicialização, da análise dos movimentos feministas ou da problematização das tradwives, todos os trabalhos demonstram como o direito e as instituições sociais servem à manutenção de estruturas de dominação capitalista e patriarcal.

A coletânea evidencia a necessidade de abordagens interseccionais que considerem simultaneamente exploração econômica, opressão de gênero e resistência coletiva, contribuindo para a compreensão crítica das formas contemporâneas de dominação e das possibilidades de transformação social.

Ao longo da obra, o direito é desnudado como estrutura que organiza e legitima a acumulação capitalista, mas também como território permeado por contradições, onde emergem brechas, resistências e disputas. A crítica marxista aqui não se restringe a denunciar o formalismo jurídico, mas propõe uma análise situada, comprometida com as lutas concretas e com a transformação das condições de vida

 Embora tenha me incumbido, a convite dos Organizadores da Apresentação da obra, de fato publicada no livro, começo dizendo que a pretensão de uma Apresentação, nos moldes tradicionais, do segundo volume de “Direito e Marxismo: Críticas contemporâneas”, coordenado pelos professores Gladstone Leonel Jr. e Enzo Bello, ficou impossível.

Os próprios organizadores da obra disso se incumbiram, dando continuidade atualizadora a um belo projeto de ensino e aprendizagem, inaugurado com o primeiro volume, que trazia interessantes inovações para a Teoria Crítica do Direito e que se insere na seara de estudos sobre Teoria Crítica do Direito, mais especificamente nos campos do “Direito e Marxismo” e do “Pensamento Descolonial”, com origens no ambiente histórico-social da América Latina e do Brasil.

Assim, os dois eixos temáticos: “A Crítica Marxista ao direito e elementos do debate descolonial” e “O direito diante da Crítica Marxiana”, que formavam o primeiro volume, e associava ao esforço crítico um seleto grupo de pesquisadores, permanecem, no segundo volume, com um novo catálogo de títulos e de autores, ampliando o repositório dos temas críticos que orientam o objetivo da obra, vale dizer, reunir críticas contemporâneas a uma relação complexa que continua a se por como um desafio político-epistemológico.

Os próprios coordenadores apresentam o processo de elaboração do livro e o modo como se estabeleceu o diálogo crítico e as escolhas temáticas do coletivo reunido a partir de suas atuações organizadas no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional da Universidade Federal Fluminense (PPGDC/UFF), no espaço das disciplinas “Teorias Críticas: Direito e Marxismo”, “Teoria Constitucional Crítica”, “Constitucionalismo Achado na Rua e Epistemologias do Sul” e “Constituição, Cidadania e Cidade na América Latina”, além do Grupo de Pesquisa Crítica Jurídica Contemporânea, e do Grupo de Estudos e Pesquisas Crítica do Direito no Capitalismo (CriDiCa), conduzidos pelos professores coordenadores do livro.

Desde que já não cabe, pois, apresentar no sentido de mostrar qual o conteúdo da obra, procuro cumprir a tarefa buscando algumas questões-guias que permitam operar como chaves de ativação dos interpelantes temáticos para problematizar a interconexão proposta pela obra, ou seja, a relação entre marxismo e direito à luz de uma crítica contemporânea.

Assim, quero proceder mais ou menos como, com essa intenção me convidou o Instituto Herrera Flores, para refletir sobre o tema “Repensar o Pensamento Crítico: Emergências, Revisitações, Travessias e (Re)Invenções.”, por meio de um texto que pudesse ser a base para as discussões do 15º Seminário de Teoria Crítica dos Direitos Humanos, uma iniciativa conjunta do Instituto Joaquín Herrera Flores e da Maestría en Derechos Humanos, Interculturalidad y Desarrollo (UPO-UNIA), evento, que se realizou em Sevilha de 21 a 23 de janeiro de 2025.

Nesse sentido, ao apresentar o texto-guia para aquele evento, procurei fazê-lo de modo que a minha abordagem fosse além de simplesmente revisitar e reinterpretar ideias existentes; ela também procurou destacar a urgência de desenvolver novas formas de pensamento e ação que sejam capazes de responder às crises contemporâneas de maneira eficaz e humanizadora. E, desse modo, convocar a pensar, repensar e mobilizar o pensamento crítico em direção a uma prática transformadora e emancipatória que responda às demandas da atualidade com sensibilidade, razão e coragem.

Entre as questões que procurei por em causa para esse fim, uma delas foi sobre a condição contemporânea de realização do socialismo. Meu pressuposto esteve em considerar que uma importante lição na luta pelo socialismo é a de que não há modelos universais para a sua construção. As características políticas, econômicas, sociais, ambientais e culturais de cada país é que definem a configuração do socialismo a ser construído. A incompreensão deste processo, fruto de uma visão antidialética e dogmática de setores marxistas, conduziu à tentativa de importar modelos completamente desligados de nossa realidade. E ainda, quando o mesmo fenômeno ocorre em relação à revolução socialista. Esta é uma questão que justifica porque pensar e como pensar questões que parecem já não exigir reflexividade. Questões de tal modo decantadas que se tornam opacas, se acomodaram na paisagem de nossas percepções; estão de tal modo instaladas em nossa cognição que as olhamos sem ver. Penso que assim se passa com o socialismo. Está tão visível a nossos olhos que já somos capazes de enxergá-lo. E porque não o enxergamos, achamos que ele já não existe.

Com efeito, já nos anos 1970, nos perguntávamos, diante desse encurtamento da percepção, não sobre a permanência utópica do socialismo, mas de qual socialismo? Um tanto dessa questão me veio da leitura do livro de Norberto Bobbio, com esse título – Qual Socialismo? Discussão de uma alternativa (1976), já em seu deslocamento para a esquerda e com a perplexidade um tanto desassossegadamente crítica em face do liberalismo e dos modelos de socialismo real, para se posicionar no sentido de que democracia sem socialismo e socialismo sem democracia são, respectivamente, uma democracia e um socialismo imperfeitos.

Também Rudolf Bahro, na mesma época, num impulso de dissidência, pensando alternativas, ao modo de crítica como se expôs na publicação em português de A Alternativa – Para uma crítica do socialismo (Paz e Terra, 1980), porém renegando o socialismo real, em face da estagnação de sua Alemanha (Oriental), já em apelo “a uma nova revolução que transformasse não só as circunstâncias sociais, mas também as pessoas de modo a superar a mentalidade subalterna, a ‘forma de existência e modo de pensar das pessoas comuns’, num sistema que abolisse a divisão do trabalho”.

E logo, como roteiro crítico, desde meu lugar de apreensão dos problemas, recuperei o ensaio-programa para pensar utopicamente o humanismo em sua realização histórica, projetado por Roberto Lyra Filho (Desordem e Processo: um Posfácio Explicativo in LYRA, Doreodó Araújo (org). Desordem e Processo: Estudos sobre o Direito em Homenagem a Roberto Lyra Filho. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1986), para estabelecer as bases da Nova Escola Jurídica Brasileira, a NAIR. Ele tinha em conta, nessa questão, que “o socialismo verdadeiro tem de ser inventado” mas, nessa invenção, fazer incidir, necessariamente, “o legado das liberdades democráticas, pois não há democracia sem socialismo, nem socialismo sem democracia”, de modo que defender um socialismo democrático significa atenção “ao processo das transformações sociais que se harmonizem com as exigências da mais ampla liberdade civil e política, não admitindo, confundir-se com o reformismo de fachada ou a demagogia populista”.

Armar uma crítica contemporânea para articular marxismo e direito, remete ao processo já divisado pelo próprio Marx, no que ele parecia reconhecer como exigência de ação política, a necessidade de os trabalhadores, no curto prazo, conquistarem direitos dentro do sistema burguês, como a jornada de 8 horas, mesmo que o horizonte revolucionário continue a ser o fim dos domínio de classes.

Na Crítica ao Programa de Gotha, Marx critica duramente o programa do Partido Operário Alemão por usar frases como “justa distribuição” e por parecer pedir “privilégios” para os trabalhadores. Ele lembra que os trabalhadores não lutam por privilégios corporativos, mas pela supressão de toda dominação de classe.

O Programa de Gotha dizia que “o trabalho é a fonte de toda a riqueza e de toda a cultura, e como o trabalho é de todos, toda a riqueza e toda a cultura pertencem igualmente a todos”. Marx ataca isso como fraseologia vazia, porque não toca na questão essencial: a supressão das classes e a abolição da propriedade privada dos meios de produção. Por isso, para ele, o partido operário não pode apresentar-se como detentor de princípios gerais que beneficiam exclusivamente o proletariado; não pode se colocar como portador de interesses particulares do proletariado, mas sim como representante dos interesses gerais da humanidade: a abolição das condições de dominação de classe e, consequentemente, das classes em geral.

Ele critica, portanto, qualquer proposta que pareça “pedir um privilégio” para a classe trabalhadora. Os trabalhadores, segundo Marx, não exigem privilégios de classe para si, mas o fim de toda forma de dominação de classe — o que coincide com os interesses de toda a sociedade, ao acabar com a exploração.

“Crítica ao Programa de Gotha”, é um texto que Karl Marx escreveu em 1875. Nele, Marx critica o programa do Partido Operário Alemão (o Programa de Gotha), abordando várias questões, inclusive a perspectiva de classe e a exigência de direitos iguais. No texto, Marx afirma que os trabalhadores não pedem privilégios para si mesmos, mas direitos iguais para todos. Ele escreve: “Em vez de reivindicar direitos especiais, os trabalhadores apenas exigem a supressão de toda classe social e de todo domínio de classe.”

Assim, a luta do proletariado não é por “privilégios operários” (um regime que continue explorando outras classes), mas por um modo de produção novo, sem classes, onde toda dominação desapareça.

 

 

 

 

Dentro da ordem burguesa, a classe trabalhadora precisa lutar por melhorias concretas (como redução da jornada de trabalho, melhores condições de vida, liberdade de associação, etc.). Essas conquistas não abolirão as classes, mas fortalecem a organização da classe trabalhadora; aliviam parte da exploração e ampliam o espaço de atuação da luta de classes; mostram a contradição entre a igualdade “jurídica” e a desigualdade real.

A jornada de 8 horas, defendida pela Primeira Internacional (AIT), onde Marx era uma figura central, se afigurava como uma “primeira lei econômica” que o capital teve de aceitar — um passo decisivo, mesmo dentro do sistema burguês. No entanto, Marx lembrava que essas reformas não devem ser confundidas com o fim da luta de classes. Elas são meios de fortalecer a consciência e a organização do proletariado — para que este vá além das reformas parciais e caminhe rumo à supressão das próprias classes.

Para Marx a meta dos trabalhadores não é privilégio para si, mas o fim de toda dominação de classe. Contudo, no dia a dia, é fundamental arrancar, da lei burguesa, direitos como a jornada de 8 horas — pois cada conquista fortalece a luta geral contra a exploração.

A consideração de Roberto Lyra Filho se aninhava na síntese criativa de sua leitura da obra de Marx, sobretudo para pensá-la como fundamento para assentar no jurídico uma base dialética para assentar o Direito na raiz material da existência emancipada. Com efeito, em Karl, meu amigo: Diálogo com Marx sobre o Direito, publicada em 1983 pela Editora Sérgio Fabris, de Porto Alegre, Roberto Lyra Filho oferece um texto fundamental para compreender a proposta de uma teoria crítica e dialética do Direito no Brasil.

O livro é estruturado como um diálogo entre o próprio Lyra Filho e Karl Marx, no qual o idealizador do projeto O Direito Achado na Rua busca reinterpretar o pensamento marxiano sobre o Direito, superando leituras reducionistas que o tratam apenas como instrumento de dominação de classe. Lyra Filho propõe uma leitura dialética que reconhece as contradições internas do Direito e sua potencialidade emancipatória.

Ele argumenta que o Direito não deve ser visto apenas como um reflexo da estrutura econômica, mas como uma construção social em constante transformação, capaz de expressar lutas por justiça e liberdade. O Direito como a enunciação dos princípios de uma legítima organização social da liberdade.

A obra é uma das bases do movimento conhecido como “Direito Achado na Rua”, que defende a ideia de um Direito construído a partir das lutas sociais e das experiências concretas de grupos marginalizados. Essa abordagem valoriza a participação popular na definição do que é justo, rompendo com a visão tradicional que centraliza o poder jurídico no Estado, seja pela mediação ideológica do jusnaturalismo idealista, ou a do positivismo redutor ancilado na vontade política da burguesia dominante.

Assim que Roberto Lyra Filho ao introduzir o conceito de “humanismo dialético”, termina por propor uma visão do Direito centrada na dignidade humana e na transformação social, abrindo a crítica às ideologias jurídicas que naturalizam as desigualdades, para defender uma prática jurídica comprometida com a emancipação dos oprimidos.

Penso que essa é a chave de leitura dos textos que dão conteúdo a este segundo volume de “Direito e Marxismo: Críticas contemporâneas”, coordenado pelos professores Gladstone Leonel Jr. e Enzo Bello.

Neles, com as nuances designadas pelos coordenadores da obra para reuní-los integradamente no contexto da edição, está em que para constatar a relação que o seu título propõe, eles refletem a concepção marxista de igualdade — não no sentido de uma igualdade meramente formal, mas de uma abolição de classes que acabe com toda forma de dominação. Assim, a igualdade buscada pelos trabalhadores, para Marx, não é a igualdade de “direitos civis” abstratos, mas a igualdade real, efetiva, que só surge quando não há mais classes sociais. Não o direito burguês que se esvanecerá como se desmanchará a própria classe que nele se sustentava, enquanto se consolida aqueles direitos materiais iguais para todos, quando tenha fim todo domínio de classe.

Assim que, a luta dos trabalhadores não é luta por “privilégios operários” (um regime que continue explorando outras classes), mas por um modo de produção novo, sem classes, onde toda dominação desapareça, numa sociedade de iguais emancipados.

 

|Foto Valter Campanato
José Geraldo de Sousa Junior é Articulista do Estado de Direito, possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal (1973), mestrado em Direito pela Universidade de Brasília (1981) e doutorado em Direito (Direito, Estado e Constituição) pela Faculdade de Direito da UnB (2008). Ex- Reitor da Universidade de Brasília, período 2008-2012, é Membro de Associação Corporativa – Ordem dos Advogados do Brasil,  Professor Titular, da Universidade de Brasília,  Coordenador do Projeto O Direito Achado na Rua.55

 

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