Dell é condenada em Ação Civil Pública que denunciou Dispensas Discriminatórias

Autora Carmela Grune é jornalista e advogada. 

O TRT da 4ª Região, em 30 de junho de 2021, por meio da 8ª Turma, aplicou na decisão contra a Dell pela Ação Civil Pública n. 0021488-58.2017.5.04.0008, o Decreto n. 9.571 de 2018 que determina o Estado o dever de fiscalizar e reparar lesões decorrentes de violação de Direitos Humanos em atividades empresariais. Trata-se de decisão colegiada com grande relevância a classe trabalhadora, num cenário em que o Governo Federal atua de forma negacionista a Direitos Humanos, com retrocessos sociais, como pela Reforma Trabalhista. 

É uma vitória de todos os trabalhadores porque marca um exemplo de compromisso do Poder Judiciário com o Estado Democrático de Direito constitucionalmente expresso artigo 5, parágrafos segundo e terceiro:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: 

§ 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. 

Destaca-se a importância de advogados de trabalhadores, nas suas petições iniciais, referir numa análise conjunta ao Decreto n. 9.571 de 2018 como as irregularidades e abusos empresariais violam Direitos Humanos, ainda, a importância de que sempre que for violado direitos humanos haver denuncias aos órgãos competentes de fiscalização como o Ministério Público do Trabalho e a Coordenação-Geral de Fiscalização do Trabalho da Subsecretaria de Inspeção do Trabalho do Governo Federal.

Assim, pela tutela da jurisdição é possível provocar a reparação a danos causados com ressarcimentos na esfera econômica, social e ambiental, sobretudo, para que o descumprimento reiterado da legislação trabalhista e normas regulamentares de empresas na conduta com seus empregados, não sejam constantemente violadas, provocando a mudança de comportamento empresarial com a prevenção de condutas violadoras de Direitos Humanos em atividades empresariais, para que esses sejam respeitados. 

A decisão colegiada esta disponível a seguir:

Poder Judiciário Justiça do Trabalho
Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região

Recurso Ordinário Trabalhista 0021488-58.2017.5.04.0008

Processo Judicial Eletrônico

Partes:
RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO RECORRENTE: DELL COMPUTADORES DO BRASIL LTDA ADVOGADO: JOEL HEINRICH GALLO
ADVOGADO: EDUARDO PEUKERT MASCARENHAS LOPES RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO RECORRIDO: DELL COMPUTADORES DO BRASIL LTDA ADVOGADO: JOEL HEINRICH GALLO
ADVOGADO: EDUARDO PEUKERT MASCARENHAS LOPES
TERCEIRO INTERESSADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
PERITO: PEDRO EDMUNDO BOLL
CUSTOS LEGIS: MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO

EMENTA

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DELL COMPUTADORES DO BRASIL LTDA. VIOLAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS. DISPENSAS DISCRIMINATÓRIAS APÓS ALTA PREVIDENCIÁRIA. COBRANÇA EXCESSIVA DE METAS. RANKING DE PRODUTIVIDADE COM EXPOSIÇÃO PÚBLICA DE RESULTADOS. TRATAMENTO DEGRADANTE. ASSÉDIO MORAL. DECRETO 9571/18. DIRETRIZES NACIONAIS SOBRE EMPRESAS E DIREITOS HUMANOS. FALHA DE COMPLIANCE. DESCUMPRIMENTO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE. DANO SOCIAL. DANO MORAL COLETIVO. INDENIZAÇÃO. TUTELA DO INTERESSE
PÚBLICO. OBRIGAÇÕES DE FAZER. 1. Contexto fático e probatório a evidenciar diversas
violações de direitos humanos fundamentais praticadas pela ré, repercutindo em interesses extrapatrimoniais da coletividade, em ataque a valores fundamentais da República e à função social da propriedade. Os ilícitos praticados constituem ofensa direta à esfera moral e existencial, na forma do art. 5º, V e X, da CR, c/c art. 186 do Código Civil, não havendo falar em necessidade de comprovar a perturbação de ordem psicossocial da coletividade, porquanto a violação à ordem jurídica em seus valores fundamentais e a gravidade da repercussão de atos que dimanam seus efeitos sobre toda a sociedade é suficiente para o reconhecimento de um dano social, o dano moral coletivo. 2. Diretrizes Nacionais sobre Empresas e Direitos Humanos violadas: o Decreto 9.571/18, que promove os Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos da ONU e as Diretrizes para Multinacionais da OCDE, estabelece às empresas verdadeiro compromisso coletivo com a responsabilidade social, explicitando normas de ordem pública relativas à função social da propriedade (CR, art. 170) desrespeitadas no caso. O trabalho não pode representar um mecanismo de supressão de Direitos Humanos mas sim de efetivo respaldo, observância e devida reparação no caso de violações, especialmente no que se refere à manutenção de meio ambiente de trabalho hígido e livre de quaisquer discriminações e perturbações psíquicas às pessoas trabalhadoras. Clara falha de compliance evidenciada na conduta da empresa ao permitir controle de ida aos banheiros e práticas de assédio moral em face das pessoas trabalhadoras. Dolo na dispensa de pessoas afastadas em benefício previdenciário quando do retorno: violação do conteúdo essencial da proteção ao trabalho contido na Declaração Universal de Direitos Humanos (art.

23) e repetido no Pacto Internacional dos Direitos Econômicos Sociais e Culturais (arts. 6o e 7o) e na Convenção Americana de Direitos Humanos (art. 26). O cumprimento da função social da propriedade é direito concernente a toda a sociedade, e o Poder Judiciário tem o dever de exigir a responsabilidade social empresarial, não podendo se esquivar de tal leitura essencial na análise das relações de trabalho. 3. A prática das infrações ora reconhecidas, danosas à dignidade das pessoas envolvidas e prejudicial aos mecanismos institucionais de proteção ao trabalho, gera dever inequívoco de indenização pelo dano social causado, na modalidade de dano moral coletivo, cuja responsabilização prescinde da prova de efetivo prejuízo suportado pela sociedade e pelas vítimas, bastando que se prove tão-somente a prática do
ilícito do qual ele emergiu (dano in re ipsa), o que está sobejamente demonstrado no caso. 4.
Considerando-se a extensão dos danos sociais sofridos pela coletividade, a capacidade econômica da ofensora, o grau de culpa da demandada, o caráter pedagógico e punitivo que o quantum indenizatório deve cumprir na espécie, cabível a majoração do valor atribuído à indenização por danos morais coletivos, não se vinculando o juízo à estimativa feita na inicial.

DANOS SOCIAIS. DANOS MORAIS COLETIVOS. VIOLAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS E
SUA REPARAÇÃO. A violação de Direitos Humanos por empresas provoca inequívocos danos sociais, revelando, nada mais, nada menos, que a brutal exploração das pessoas despossuídas, que necessitam vender a sua força de trabalho para sobreviver, e são consideradas descartáveis no processo da atividade econômica. Não há dúvida de que a prática, quando perpetrada por empresa, significa o descumprimento da função social da propriedade, tornando ilegítimo o controle dos meios de produção, por abominável comportamento de descaso às pessoas que lhe prestam serviços para a consecução de sua finalidade econômica. Esta múltipla violação de bens jurídicos fundamentais ao Estado Democrático de Direito consolida uma espécie de dano social que se convencionou chamar de dano moral coletivo, assumindo o conteúdo de um prejuízo de caráter extrapatrimonial sofrido pela coletividade e que necessita reparação. Múltiplas indenizações devidas, graduadas segundo as distintas violações a Direitos Humanos ocorridas no caso.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

ACORDAM os Magistrados integrantes da 8ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região: por maioria, vencido parcialmente o Exmo. Juiz Convocado Luis Carlos Pinto Gastal quanto ao valor arbitrado aos danos morais, DAR PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO ORDINÁRIO DO AUTOR para: a) em relação ao assédio moral e às dispensas discriminatórias, condenar a ré no cumprimento das seguintes obrigações de fazer: a.1) zelar para que as relações interpessoais entre os seus trabalhadores – empregados subordinados e/ou superiores, terceirizados, dirigentes, dentre outros –

respeitem os princípios de boa convivência social, dentre os quais, cortesia, ética, boa-educação, valorização do trabalho e da pessoa, companheirismo, etc., estimulando práticas para uma melhor qualidade da saúde mental no trabalho e reprimindo atitudes de assédio moral ou humilhações em serviço; a.2) realizar, com todos os seus trabalhadores – empregados, superiores, dirigentes, terceirizados
– reuniões, seminários e/ou palestras, todos os anos, com o objetivo de abordar o tema “Assédio Moral no
Trabalho”, a fim de prevenir práticas discriminatórias no trabalho e valorizar a qualidade da saúde
mental de seus trabalhadores, devendo conter, obrigatoriamente, no mínimo, 06 (seis) horas-aula. A presente obrigação poderá ser cumprida conjuntamente com o treinamento anual dos trabalhadores e/ou em outras reuniões. A responsabilidade pela organização e apresentação do conteúdo da reunião
/seminário/palestra deverá ser obrigatoriamente incumbida a profissional que tenha, comprovadamente, habilidades técnicas e intelectuais no tema de assédio moral; b) condenar a ré em obrigação de fazer consistente no dever de emitir a CAT, em observância ao disposto no item 7.4.8. da NR – 7 da Portaria 3214/78 do MTE e nos arts. 286 e 336 do Decreto 3048/99, instruindo as referidas comunicações devidamente, sem questionar sobre a existência de nexo causal entre a doença e a atividade laborativa; c) majorar o valor da indenização por dano moral em razão de dispensas discriminatórias para R$100.000,00, para cada trabalhador dispensado no período de 12 meses após a alta previdenciária, observado o período de apuração referente ao inquérito civil público nº 001126.2014.04.000/3 em cotejo da avaliação constante do laudo contábil anexado a estes autos; d) acrescer à condenação o pagamento de indenização por dano moral coletivo em razão de assédio moral no valor de R$10.000.000,00, mantidos os critérios de atualização da sentença, valor este que deverá ser destinado a entidade pública e/ou filantrópica a critério do Ministério Público do Trabalho; e) deferir a antecipação de tutela postulada e determinar a execução da sentença antes do trânsito em julgado da decisão; f) determinar que a empresa convide e viabilize a participação do sindicato na elaboração de seu plano de integridade ou cumprimento (sistema de compliance); g) majorar o valor da multa por descumprimento para R$50.000,00 (cinquenta mil reais), por cada trabalhador prejudicado, encontrado em situação irregular ou mesmo para cada falta verificada. Por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO ORDINÁRIO DA RÉ. Custas de R$260.000,00, sobre o valor de R$13.000.000,00, que ora se acresce à condenação, pela ré.

Intime-se.

Porto Alegre, 30 de junho de 2021 (quarta-feira).

RELATÓRIO

Em sentença proferida no ID. 3c2f45f, o MM. Juiz, Dr. Tiago dos Santos Pinto da Motta, julga parcialmente procedentes os pedidos formulados pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO em face de DELL COMPUTADORES DO BRASIL LTDA. para: a) condenar a ré em obrigação de não fazer, devendo se abster de realizar qualquer prática discriminatória a doentes ou em tratamento ou que retornaram de benefício previdenciário, bem como de adotar qualquer conduta que tenha por objetivo coagir, ameaçar ou discriminar tais trabalhadores, sob pena de multa de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), em
caso de cada descumprimento, sem prejuízo de majoração; b) condenar a ré no pagamento de
indenização por danos morais coletivos, no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais), a ser revertida ao Fundo de Amparo do Trabalhador (FAT) ou a entidade beneficente, conforme indicar o Ministério Público do Trabalho em sede de cumprimento de sentença.

O Ministério Público do Trabalho, em recurso ordinário interposto no ID. c5d2b8e, requer: a) o
reconhecimento do assédio moral alegado na petição inicial, bem como seja a ré condenada a deixar de
praticá-lo, determinando-se o cumprimento das obrigações “b” e “c” do item 6 da exordial; b) a
procedência do pedido quanto à exigência de emissão de CAT; c) o acolhimento integral de todos os pedidos formulados na petição inicial no tocante à dispensa discriminatória; d) a majoração do valor da multa fixada por descumprimento para R$50.000,00 (cinquenta mil reais), por cada trabalhador prejudicado, encontrado em situação irregular ou mesmo para cada falta verificada; e) a majoração do valor da indenização por dano moral para, no mínimo, R$1.000.000,00; f) o deferimento da antecipação da tutela requerida na inicial, a fim de iniciar a execução da obrigação antes do trânsito em julgado da sentença.

DELL COMPUTADORES DO BRASIL LTDA., em recurso ordinário, requer: a) a declaração de
incompetência do Juízo da 8ª Vara do Trabalho de Porto Alegre para processar e julgar a presente demanda, com a consequente anulação da sentença e determinação de remessa dos autos eletrônicos para o Juízo competente da MM. Vara do Trabalho de Guaíba/RS, para prosseguimento, na forma de direito;
b) a declaração de nulidade da sentença, em razão do indeferimento da oitiva da testemunha Indira, determinando o retorno dos autos à origem para a produção da prova oral ou, sucessivamente, a
improcedência da ação no tocante ao pedido alusivo à “emissão de CATs”; c) seja afastado o
reconhecimento de discriminação nas dispensas e, por conseguinte, excluída a condenação em obrigação de não fazer e no pagamento de indenização por danos morais coletivos, com a consequente improcedência da ação. Sucessivamente, na hipótese de manutenção da condenação, requer a redução do

valor da

astreinte

fixada, limitando-se, ainda, a abrangência territorial da decisão ao município de

Eldorado do Sul ou, em última análise, ao estado do Rio Grande do Sul. Com contrarrazões, vêm os autos ao Tribunal para julgamento.

Intimado a proferir parecer (despacho no ID. 9fc60a3), o Ministério Público do Trabalho, na condição de órgão agente, reporta-se ao recurso ordinário e às contrarrazões já protocolizadas nos autos, preconizando o provimento de seu apelo e o não provimento do recurso da ré.

É o relatório.

FUNDAMENTAÇÃO

DADOS PROCESSUAIS: ação civil pública com pedido de antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional ajuizada em 05/10/2017 por Ministério Público do Trabalho, em face de Dell Computadores do Brasil Ltda. Valor de condenação na origem: R$100.000,00.

1. QUESTÕES PREJUDICIAIS NO RECURSO DA RÉ.

1.1 – INCOMPETÊNCIA TERRITORIAL DA 8ª VARA DO TRABALHO DE PORTO ALEGRE. COMPETÊNCIA TERRITORIAL DA VARA DO TRABALHO DE GUAÍBA.

A sentença, que rejeita a exceção de incompetência, está assim fundamentada:

“(…)

A partir dos institutos supratranscritos, nota-se que a competência para processamento e julgamento da Ação Civil Pública é fixada de acordo com a extensão do dano, isto é, havendo dano em duas ou mais localidades, será competente para julgamento o foro de qualquer uma das localidades em que ocorreu a lesão.

A controvérsia da presente Exceção, por outro lado, gira justamente em torno do alcance do dano coletivo verificado por meio do inquérito civil nº 001126.2014.04.0003. Para resolver a questão, cumpre que se façam algumas considerações.

Conforme contrato social de ID nº dc5f769, Cláusula 3ª, a empresa DELL possui filial localizada em Porto Alegre, RS, na Avenida Ipiranga nº 6681, prédio 95 e prédio 32, Bairro Azenha, CEP 90.610-001, NIRE 43900964796, inscrita no CNPJ/MF 72.381. 189
/0002-00, na qual são realizadas as atividades de pesquisa e desenvolvimento de softwares e produtos de informática em geral, bem como atividades administrativas da Sociedade (…).

Aliado ao acima referido, conforme se verifica através do ID. ec7dc81, a filial CNPJ/MF 72.381.189/0002-00 encontra-se ativa nos cadastros da Receita Federal, o que corrobora a alegação de existência de filial ativa em Porto Alegre. Quanto ao ponto, a testemunha ouvida a requerimento da parte excipiente apenas aduziu que não sabe dizer se formalmente há sede constituída em . Considerando os apontamentos feitos outro município além de Eldorado do Sul pela parte autora, no sentido de que há a possibilidade de contratação de empregados a qualquer momento para a filial de Porto Alegre da ré – tendo em vista sua situação ativa junto aos cadastros da RFB – aliado ao contrato social de junho de 2017 (período posterior ao noticiado pela parte ré quanto ao encerramento das atividades em 2016), o qual manteve ativa a filial alegadamente fechada, chega-se à competência deste Juízo para processar e julgar a presente ação,

respeitando-se o disposto no art. 93 do CDC, aplicado subsidiariamente ao Processo do Trabalho por força do art.769 da CLT, e à luz da OJ 130 da SDI2 do TST.

Não bastasse, por mais que alegue a parte ré não possuir mais filiais em Porto Alegre, de forma que não poderia a extensão do dano abranger empregados na capital, nota-se, diante da documentação de ID. 13bed55, ID. 47ae3e4 e ID. aaaec4f, que o suposto fechamento da filial TecnoPuc teria ocorrido no fim de 2016, em período posterior às lesões averiguadas por meio do inquérito civil nº 001126.2014.04.0003. Ainda, as Sentenças juntadas pela parte excepta, a exemplo dos Ids. 6b45b62 e 32e822c, constataram que as lesões foram denunciadas no período em que a filial de Porto Alegre estava incontroversamente em funcionamento, ocorrendo tanto nas filiais, quanto na Matriz da empresa.

Dessa forma, mesmo que se considere que a filial tenha de fato encerrado suas atividades em 2016, os danos analisados pelo MPT no inquérito civil referido, motivos da presente Ação Civil Pública, são anteriores a tal período, o que justifica, de igual forma, a competência deste Juízo para a resolução da controvérsia.

Dados estes contornos, por competente o presente Juízo, dada a abrangência regional dos danos averiguados, rejeito a exceção de incompetência territorial arguida.”

Em recurso, a ré afirma que o juízo da Vara do Trabalho de Guaíba é o competente para processar e julgar as ações decorrentes das relações de trabalho estabelecidas no âmbito da sede da empresa no município de Eldorado do Sul (integrante da área de jurisdição da Vara do Trabalho de Guaíba), como é o caso destes autos. Alega a incompetência territorial das Varas do Trabalho de Porto Alegre, salientando que a Magistrada, ao decidir sobre a arguição de incompetência (decisão da Id 5f9986d), a despeito de amparar-se no item II da OJ nº 130, da SBDI-II, do TST, foi levada a erro pelas indicações inverídicas da petição inicial no sentido de que a Dell tivesse realmente algum outro estabelecimento ativo, na época dos fatos, além de sua única unidade de Eldorado do Sul. Aduz que os fatos que deram origem ao inquérito precedente à ACP decorrem unicamente das relações de trabalho envolvendo alguns empregados da Dell em Eldorado do Sul/RS, não sendo correta a afirmação de que a Dell teria outros estabelecimentos ativos ao tempo dos fatos ou do Inquérito Civil, pois decorrente de pesquisa superficial e apressada por parte da PRT da 4ª Região, como salientado na petição de arguição da incompetência territorial. Menciona que não mais havia sequer a unidade ou qualquer atividade laboral de empregados da Dell junto à PUC em Porto Alegre/RS, afirmando que neste local a Dell manteve, no passado, um projeto de colaboração entre a empresa e a universidade junto ao centro denominado TECNOPUC, através do qual a Dell e a PUC-RS implementaram programas na área de TI e de desenvolvimento de recursos humanos para capacitação em ferramentas e processos utilizados no desenvolvimento de softwares. Refere que o encerramento desse projeto foi, inclusive, noticiado nos meios de comunicação (v.g. jornal Zero Hora e website “Rádio Gaúcha-ZH” de 11/10/2016 e em “websites” especializados). Alega que a decisão ignorou, também, a circunstância de que a petição inicial da ACP não apontou fato ou elemento de prova envolvendo estritamente empregado ou empregados que estivessem ativados no projeto da TECNOPUC em Porto Alegre, ressaltando que as atividades da Dell no TECNOPUC

encerraram há muitos anos. Diz que a decisão, reconhecendo “que a filial tenha de fato encerrado suas atividades em 2016”, resulta de argumentação baseada numa pletora de dados desorganizadamente reunidos no inquérito civil – sem qualquer contraditório ou direito de manifestação da empresa naquela fase administrativa, mediante equivocada conclusão de que os fatos investigados são anteriores a tal período – isto é, 2016, quando foi fechado o ambiente da Dell na PUC-RS – o que, de forma equivocada, justificaria a competência de um Juízo diferente, e não daquele que efetivamente é competente para processar e julgar questões fáticas que só aconteceram, na realidade, na unidade da Dell em Eldorado do Sul/RS – inclusive conforme a farta prova testemunhal dos autos se encarregou de estampar, de modo a não deixar dúvidas a respeito. Entende que a constatação de que desde 2016, mais de ano antes do ajuizamento da ação, já não havia qualquer outro local de trabalho com empregados da Dell no RS, além de Eldorado do Sul, deveria ser aplicada a regra geral de competência do artigo 2º, da Lei nº 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), reproduzida também no art. 93, I, da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), carecendo de amparo o fundamento de que a mera circunstância de que o CNPJ da Dell, relacionado às extintas atividades no TECNOPUC, só veio a ser baixado tempos depois. Ressalta que a decisão derroga o princípio ontológico da competência territorial, universalmente aceito, no sentido de que o juiz do foro do local onde ocorrer o dano tem melhores condições para exercer as funções necessárias à resolução da causa, sendo neste sentido o item I da OJ 130, da SBDI-II, do TST. Reitera que todos os fatos objeto de averiguação por parte do MPT, ensejadores da ação civil pública, se referem às relações de trabalho mantidas em Eldorado do Sul, devendo prevalecer a regra de competência específica, que disciplina a Ação Civil Pública, segundo o qual: “Art. 2º. As ações previstas nesta Lei serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa”. Destaca que os empregados chamados a depor no inquérito estavam vinculados à unidade da Dell em Eldorado do Sul, a começar pela trabalhadora que abriu a denúncia, de nome Kátia Angrezani, conforme comprovado na petição inicial da arguição de incompetência, a comprovar que a Dell possui apenas uma unidade ativa no Estado, em Eldorado do Sul, e todos os seus
2.500 empregados já estavam circunscritos a esta unidade ao tempo da conclusão do inquérito civil e do ajuizamento da ação. Requer a reforma da decisão de Id 63a5458, com a consequente anulação da sentença proferida pelo Juízo da 8ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, determinando-se a remessa do feito à Vara do Trabalho de Guaíba/RS, competente para processar e julgar a presente demanda.

Aprecio.

Em petição inicial, o Ministério Público do Trabalho esclarece que “O inquérito civil público nº 001126.2014.04.000/3 foi instaurado em face da DELL COMPUTADORES DO BRASIL LTDA, com o objetivo de investigar práticas de assédio moral, falta de emissão de CAT, doenças ocupacionais ou profissionais e discriminação de trabalhadores em razão de doença, através da demissão desses empregados. A investigação foi instaurada a partir de denúncia realizada pelo site da PRT da 4ª

Região, em que Kátia Andrezani relatou fatos que configuram assédio moral e não emissão de CAT (Doc. 01). (…) A partir das diligências realizadas no âmbito do inquérito civil, restou demonstrada, consoante se pode verificar dos documentos ora juntados, a ocorrência rotineira de condutas ilegais, discriminatórias e abusivas praticadas por empregados, supervisores, chefias e/ou prepostos da ré em face de pessoas que trabalham e/ou trabalharam para ela, submetendo-as a situações ofensivas, humilhantes, intimidatórias e/ou constrangedoras, causadoras de dano à personalidade, à dignidade, à intimidade, à vida privada e/ou à integridade física e mental dos trabalhadores, caracterizadoras, inclusive, de assédio moral. (…)” (grifei)

O ajuizamento da ação no Foro Trabalhista da Capital é justificado, pelo autor, com a alegação de que a ré possui filiais em Porto Alegre, “conforme segue: 1) CNPJ 72.381.189/0002-00, com endereço na Avenida Ipiranga 6681, prédio 95, bairro Partenon, CEP 90610-001; 2) CNPJ 72.381.189/0003-82, com endereço na Avenida das Industrias, bairro Humaitá, CEP 90.200-290; e 3) CNPJ 72.381.189/0004-63, com endereço na Rua Engenheiro Afonso Cavalcanti, bairro Bela Vista, CEP 90440-110.

A denúncia que deu origem à instauração de inquérito civil para apuração de possível assédio moral foi feita por KÁTIA ANGRAZANI (ID. e275cc6), que reside no Município de Guaíba/RS, mencionando fatos ocorridos na sede da empresa localizada na Avenida Belgraff, em Eldorado do Sul/RS (mesmo endereço indicado pelo autor na petição inicial). Tais fatos dizem respeito ao comportamento da gerência, praticados na sede da empresa em Eldorado do Sul/RS em período anterior a 2016, envolvendo atos de perseguição e humilhação, bem como pressão por atingimento de metas e dispensa discriminatória após a alta previdenciária de pessoas trabalhadoras da referida unidade. Isso é o que se depreende dos depoimentos das testemunhas ouvidas no procedimento investigatório conduzido pelo Ministério Público, e também da análise de toda a documentação anexada aos autos.

Pois bem.

A regra geral para a definição da competência territorial nas ações coletivas é ditada pela conjugação do art. 2º, caput, da Lei 7.347/85 e art. 93 do CPC.

O art. 2º da Lei 7.347/85 estabelece:

Art. 2º As ações previstas nesta Lei serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano
, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa.

(grifei)

Por sua vez, o art. 93 da Lei 8.078/90 prevê que:

Art. 93. Ressalvada a competência da Justiça Federal, é competente para a causa a justiça local:

I – no foro do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, quando de âmbito local;

II – no foro da Capital do Estado ou no do Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional, aplicando-se as regras do Código de Processo Civil aos casos de competência concorrente. (grifei)

Interpretando tais disposições, o TST editou a Orientação Jurisprudencial 130 da SDI-II do TST, que assim dispõe:
130. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. COMPETÊNCIA. LOCAL DO DANO. LEI Nº 7.347/1985, ART. 2º. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, ART. 93 (redação alterada na sessão do Tribunal Pleno realizada em 14.09.2012) – Res. 186/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012

I – A competência para a Ação Civil Pública fixa-se pela extensão do dano.

II – Em caso de dano de abrangência regional, que atinja cidades sujeitas à jurisdição de mais de uma Vara do Trabalho, a competência será de qualquer das varas das localidades atingidas, ainda que vinculadas a Tribunais Regionais do Trabalho distintos.

III – Em caso de dano de abrangência suprarregional ou nacional, há competência concorrente para a Ação Civil Pública das varas do trabalho das sedes dos Tribunais Regionais do Trabalho.

IV – Estará prevento o juízo a que a primeira ação houver sido distribuída.” (grifei)

Como visto, a competência territorial para a Ação Civil Pública é fixada sempre pela extensão do dano, sendo que, em caso de dano de abrangência regional ou nacional – espécie dos autos, que atinja cidades sujeitas à jurisdição de Varas do Trabalho diversas, a competência será de qualquer uma das localidades atingidas, ficando prevento o Juízo ao qual a primeira ação tiver sido distribuída. Ou seja, o ordenamento jurídico define que a competência para ações coletivas é fixada de acordo com o local e a extensão do dano.

No caso, como bem fundamentado em sentença “a controvérsia da presente Exceção, por outro lado, gira justamente em torno do alcance do dano coletivo verificado por meio do inquérito civil nº 001126.2014.04.0003. Para resolver a questão, cumpre que se façam algumas considerações. Conforme contrato social de ID nº dc5f769, Cláusula 3ª, a empresa DELL possui filial localizada em Porto Alegre, RS, na Avenida Ipiranga nº 6681, prédio 95 e prédio 32, Bairro Azenha, CEP 90.610-001, NIRE 43900964796, inscrita no CNPJ/MF 72.381. 189/0002-00, na qual são realizadas as atividades de pesquisa e desenvolvimento de softwares e produtos de informática em geral, bem como atividades
administrativas da Sociedade (…). Aliado ao acima referido, conforme se verifica através do ID.
ec7dc81, a filial CNPJ/MF 72.381.189/0002-00 encontra-se ativa nos cadastros da Receita Federal, o que corrobora a alegação de existência de filial ativa em Porto Alegre. Quanto ao ponto, a testemunha ouvida a requerimento da parte excipiente apenas aduziu que não sabe dizer se formalmente há sede constituída em outro município além de Eldorado do Sul.

Compartilho do entendimento adotado na origem, no sentido de que “(…) há a possibilidade de contratação de empregados a qualquer momento para a filial de Porto Alegre da ré – tendo em vista sua situação ativa junto aos cadastros da RFB – aliado ao contrato social de junho de 2017 (período posterior ao noticiado pela parte ré quanto ao encerramento das atividades em 2016), o qual manteve ativa a filial alegadamente fechada (…)”.

Diante disso, e observada a orientação vertida dos dispositivos legais acima transcritos, em cotejo da OJ 130 da SDI-II, itens II e III, do TST, resta evidenciada a competência da MM. 8ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, foro da capital do Estado e da sede do Tribunal Regional do Trabalho (art. 93, II, do CDC), para processar e julgar a presente ação.

Há que se atentar, ainda, ao fato de que, conforme evidenciam os documentos anexados (ID. 13bed55, ID. 47ae3e4 e ID. aaaec4f), o alegado fechamento da filial TecnoPuc ocorreu no fim de 2016, ou seja, em período posterior aos fatos investigados por meio do inquérito civil 001126.2014.04.0003, havendo evidências, nos autos (vide docs. nos Ids. 6b45b62 e 32e822c), de que tais fatos foram denunciados no período em que a filial de Porto Alegre estava em funcionamento, ocorrendo tanto nas filiais, quanto na matriz da empresa.

Nesse contexto, correta a sentença quanto à conclusão de que “mesmo que se considere que a filial tenha de fato encerrado suas atividades em 2016, os danos analisados pelo MPT no inquérito civil referido, motivos da presente Ação Civil Pública, são anteriores a tal período, o que justifica, de igual forma, a competência deste Juízo para a resolução da controvérsia.”

Por todo o exposto, nega-se provimento ao recurso.

Adotada tese explícita e implícita sobre tais argumentos, restam implicitamente rejeitados todos os demais, na forma do art. 489, §1º, do NCPC a contrario sensu.

Não há falar em violação aos dispositivos constitucionais e legais invocados pelas partes, inclusive em contrarrazões, os quais, diante da adoção de tese jurídica explícita sobre a matéria, consideram-se prequestionados para os devidos fins, nos termos da Súmula 297, I, do TST e da OJ 118 da SDI-1 do TST.

1.2 – CERCEAMENTO DE DEFESA. INDEFERIMENTO DA OITIVA DE TESTEMUNHA. NULIDADE DA SENTENÇA.

A ré requer a declaração de nulidade da sentença, em razão do indeferimento da oitiva da testemunha Indira Reyes, determinando o retorno dos autos à origem para a produção da prova oral ou, sucessivamente, a improcedência do pedido alusivo à “emissão de CATs”. Diz que o Juízo da origem, em

afronta ao art. 5ª, LV, da CRFB/88, indeferiu o requerimento para a oitiva da testemunha, que havia sido convidada por carta-convite na forma do artigo 455, §1º do CPC (id eaa4575). Afirma que a testemunha não pode comparecer, pois estava em viagem, conforme resposta à carta convite anexada no id f32f031. Alega que o indeferimento do adiamento da audiência para a oitiva da testemunha causou evidente prejuízo à sua ampla defesa, porque a produção de prova oral limitada indevidamente. Sustenta que, em uma ação civil pública como a presente, marcada por diversas acusações em face da empresa, deve ser permitida a mais ampla dilação probatória, especialmente para assegurar os esclarecimentos necessários ao deslinde da controvérsia. Esclarece que a testemunha convidada era médica do trabalho da empresa na época dos fatos alegados pelo MPT e poderia esclarecer de forma técnica e detalhada os pontos relativos à emissão de CATs, sendo essa prova essencial para reforçar a correção do procedimento por ela adotado. Requer o provimento do recurso, no ponto, sob pena de afronta aos arts. 794 da CLT e 5º, LIV e LV, da CF, bem como 455, §1º do CPC, todos prequestionados.

Examino.

Inicialmente, registro que, em atenção ao princípio da instrumentalidade das formas, a nulidade só é declarada quando comprovado o prejuízo à parte que alega o cerceamento. A declaração de nulidade de processo nesta Justiça Especializada está adstrita ao princípio da transcendência insculpido no art. 794 da CLT, que dispõe: “nos processos sujeitos à apreciação da Justiça do Trabalho só haverá nulidade quando resultar dos atos inquinados manifesto prejuízo às partes litigantes”.

No caso em análise, a ré entende necessário o depoimento da testemunha Indira, médica do trabalho da empresa, para, diante da alegação do MPT de que a empresa deveria ter emitido CATs em casos de doenças com evidente ausência de nexo causal com o labor (v.g. AVC), esclarecer como funcionam e quais são os procedimentos adotados em casos de emissão das CATs e as razões técnicas/médicas que levaram à não emissão dos referidos documentos em determinados casos.

Contudo, em se tratando de matéria eminentemente técnica – verificação de nexo causal entre a doença e a atividade laboral – restam despiciendas maiores digressões acerca da nulidade aventada, porquanto, no sentir deste Relator, a prova produzida nos autos é suficiente para decidir a matéria ora referida, não se mostrando imprescindível eventual opinião de médico da empresa.

Diante disso, por economia e celeridade, e entendendo desnecessário o retorno dos autos à origem para a reabertura da instrução processual, nego provimento ao recurso da ré neste item.

A questão relativa à emissão da CAT será oportunamente analisada em item próprio.

Adotada tese explícita e implícita sobre tais argumentos, restam implicitamente rejeitados todos os demais, na forma do art. 489, §1º, do NCPC a contrario sensu.

Não há falar em violação aos dispositivos constitucionais e legais invocados pelas partes, inclusive em contrarrazões, os quais, diante da adoção de tese jurídica explícita sobre a matéria, consideram-se prequestionados para os devidos fins, nos termos da Súmula 297, I, do TST e da OJ 118 da SDI-1 do TST.

1.3 – DISPENSAS DISCRIMINATÓRIAS. OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER. MULTA POR DESCUMPRIMENTO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS COLETIVOS.

A ré requer seja afastado o reconhecimento de discriminação nas dispensas e, por conseguinte, excluída a condenação em obrigação de não fazer e no pagamento de indenização por danos morais coletivos, com a consequente improcedência da ação. Sucessivamente, na hipótese de manutenção da condenação, requer

a redução do valor da

astreinte

fixada, limitando-se, ainda, a abrangência territorial da decisão ao

município de Eldorado do Sul ou, em última análise, ao estado do Rio Grande do Sul. Aduz que a sentença se equivocou quanto aos critérios utilizados para resolver a questão de saber se houve a prática de discriminar trabalhadores doentes ou em tratamento ou que retornaram de benefício previdenciário, conforme alegado na inicial. Afirma restar comprovado, pela prova pericial, que a quantidade de empregados retornados de auxílio-doença não demitidos é significativamente maior do que o número de empregados retornados de auxílio-doença que vieram a ser demitidos em algum momento depois disso, bem como que o afastamento de um empregado por motivo de doença não é e nunca foi causa de extinção do contrato de trabalho, considerando-se o índice de rotatividade normal no estabelecimento da Dell ao longo dos anos. Pondera que a sentença se amparou em informações incorretas do laudo contábil, inservíveis como meio de prova, porque inconclusivas e repletas de equívocos, para, isoladamente, embasar a condenação, em detrimento do trabalho realizado por seu assistente técnico, Sr. Andrei José Leal, perito contador com 22 anos de experiência em perícias judiciais, sendo inclusive perito de confiança do juízo em diversas Varas de Porto Alegre. Pontua que o laudo contábil anexado aos autos: considera, erroneamente, empregados que pediram demissão como se fossem “demitidos” nos gráficos apresentados e que embasaram a condenação (resposta ao quesito 4, id b5e11fb – Pág. 10); omite a não contabilização de empregados que saíram de benefício mais de uma vez e não foram demitidos; compara grandezas distintas, impossibilitando estabelecer qualquer conclusão lógica a partir dos dados utilizados; ignora que a grande maioria dos empregados que retorna de benefício segue trabalhando normalmente na empresa, cerca de 80%, e que em diversos meses, o percentual de demitidos que não gozaram de benefício é superior aos demitidos que retornam de benefícios, existindo meses em que o número de demitidos após o retorno de benefício é ZERO; ignora que a grande maioria das demissões não possui relação com empregados que retornam de benefício, cerca de 95%. Destaca que a sentença deixou de valorar a prova oral, taxativa ao mostrar que as demissões ocorrem por razões de desempenho e de comportamento e não guardam relação com o afastamento por doença. Requer a reforma da sentença

para afastar o reconhecimento da natureza discriminatória das dispensas e, por conseguinte, a totalidade da condenação imposta, bem como a obrigação de não fazer e o pagamento de indenização por danos morais coletivos fixados na decisão de origem.

Aprecio.

Considerado o tema em debate, releva analisar a norma constante no art. 1º da Lei nº 9.029/95:

Fica proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso a relação de emprego, ou sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade, ressalvadas, neste caso, as hipóteses de proteção ao menor previstas no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal.

Ainda, conforme o art. 4º da citada lei:

O rompimento da relação de trabalho por ato discriminatório, nos moldes desta Lei, além do direito à reparação pelo dano moral, faculta ao empregado optar entre:

I – a reintegração com ressarcimento integral de todo o período de afastamento, mediante pagamento das remunerações devidas, corrigidas monetariamente e acrescidas de juros legais;

II – a percepção, em dobro, da remuneração do período de afastamento, corrigida monetariamente e acrescida dos juros legais.

Nesse sentido é a Súmula nº 443 do TST:

DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. PRESUNÇÃO. EMPREGADO PORTADOR DE DOENÇA GRAVE. ESTIGMA OU PRECONCEITO. DIREITO À REINTEGRAÇÃO

– Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012

Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego.

Especificamente no que diz respeito à conduta discriminatória, cabe salientar que, na forma do art. 26 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (ratificado pelo Brasil por meio do Decreto 592/92), “todas as pessoas são iguais perante a lei e têm direito, sem discriminação alguma, a igual proteção da Lei. A este respeito, a lei deverá proibir qualquer forma de discriminação e garantir a todas as pessoas proteção igual e eficaz contra qualquer discriminação por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, situação econômica, nascimento ou qualquer outra situação”. No mesmo sentido, a dicção do art. 2o, 2, do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos Sociais e Culturais.

Registro, ainda, que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, ratificada pelo Brasil por intermédio do Decreto 678/92, estabelece em seu art. 1º que “os Estados Partes nesta Convenção

comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social”.

No caso, a par da argumentação recursal, entendo comprovada a prática de “comportamento discriminatório generalizado e sistemático pela ré”, como bem observado pelo Juízo da origem.

A perícia contábil realizada nestes autos (v. fl. 2265) e não infirmada pela ré por nenhum outro meio de prova, revela que, no período analisado (2013 a 2016), o percentual de pessoas trabalhadoras dispensadas nos 6 meses após o retorno de benefício previdenciário foi superior ao percentual de pessoas empregadas, sem afastamento, também dispensadas. E isso em todos os anos analisados (2013 a 2016), a revelar significativa e reiterada discrepância entre as dispensas promovidas pela demandada. Há, portanto, prova estatística relativa à questão.

Correto o exemplo citado em sentença: no mesmo período de 2013, 2014, 2015 e 2016, o grupo de pessoas dispensadas, não afastadas para gozo de benefício previdenciário anteriormente, representou percentuais de 12,44%, 17,71%, 15,20% e 15,56% da totalidade de pessoas empregadas pela ré. Já as pessoas trabalhadoras dispensadas após retorno de benefício, nos mesmos interregnos, representam percentuais de 40,79%, 31%, 27,12% e 23,53%, respectivamente, sempre bem acima dos não afastados.

Tais quantitativos revelam haver significativa superioridade de dispensas entre o segundo grupo (pessoas empregadas que retornaram de benefício) e, também, que tais diferenças chegaram a atingir quantidade muitas vezes superior ao dobro do percentual de pessoas empregadas dispensadas sem afastamento anterior. As diferenças não são pequenas, portanto, mas reveladoras, estatisticamente, de uma prática discriminatória.

Por outro lado, as insurgências da ré, apresentadas em sucessivas impugnações, não tiveram o condão de infirmar a conclusão pericial ou demonstrar qualquer equívoco na apuração, pois, conforme esclareceu o perito, as correções procedidas de erros materiais não alteram, de forma significativa, os percentuais apurados (item “c” do laudo complementar de fl. 2262). E nem se diga que a inclusão de pessoas empregadas que pediram demissão no cálculo de dispensas pós retorno de benefício estaria equivocada, porquanto, conforme jurisprudência pacífica deste Regional, é questionável o pedido de demissão após a alta previdenciária, durante período de estabilidade, seja por acidente de trabalho ou por doença a ele equiparada. Ademais, como bem esclarecido pelo perito, na fórmula adotada para cálculo, no que respeita à quantidade considerada de dispensas não se inserem os pedidos de transferência no conceito de “desligamentos” (v. esclarecimentos, item “a”, fl. 2261).

Como bem fundamentado em sentença, “observando-se a quantidade superior de dispensas entre os empregados em retorno de benefício previdenciário (no prazo de seis meses após) e os empregados sem afastamento, tem-se por comprovada a existência de preferência ou viés na dispensa do primeiro grupo de empregados. Tanto é assim que em nenhum dos interregnos anuais houve inversão ou mesmo equalização das dispensas aferidas por grupo de empregados. Na realidade, por todo o longo período de análise, o percentual de empregados dispensados após retorno de benefício não apenas foi superior, mas significativamente superior. E é exatamente esse viés, isto é, a tendência de dispensa dos empregados que manifesta, de forma concreta, a discriminação perpetrada pela reclamada, porquanto inexistem motivos externos que justifiquem a razoabilidade da dispensa, durante todos os anos analisados, de maior e significativa incidência de dispensas entre um grupo específico de empregados com uma mesma característica (retorno de benefício). Esclareço que a quantidade absoluta de empregados dispensados é incapaz de, por si só, comprovar a existência ou mesmo inexistência. O que demonstra a existência de preferência na despedida de empregados com retorno de benefício é a comparação dos percentuais de dispensas totais, e, nesse ponto, a análise comparativa comprova a adoção de injustificado viés pela ré, caracterizador de ilícita discriminação.

A par da argumentação recursal, não há prova de que as despedidas superiores entre o grupo de pessoas empregadas com retorno de benefício se fundaram em motivos razoáveis e distintos (v.g. produtividade), não existentes entre o grupo de pessoas empregadas não afastadas. A ré não comprovou, como deveria, a teor dos arts. 818 da CLT e 373, II, do CPC, a existência de fatos modificativos passíveis de afastar a conclusão que emerge da prova produzida nos autos, a qual corrobora os fatos constitutivos dos direitos alegados na inicial.

Como bem observado em sentença, “a análise matemática realizada pela perícia contábil é, por si só, suficiente à demonstração do comportamento discriminatório adotado, de forma sistemática e generalizada, pela ré. Nesse ponto, ainda, as declarações das testemunhas ouvidas a convite da ré, como a de Gabriela (“não tem conhecimento de algum colega que tenha se afastado e sido demitido após o retorno”) ou Luiza (a qual também declarou não possuir conhecimento “de tratamentos diferenciados a empregados que se afastam em benefício previdenciário”) são inócuas, e, de todos os modos, sequer teriam o condão de infirmar a predisposição revelada pela perícia. Isso porque a prova do comportamento discriminatório se extrai dos aspectos externos e concretos das dispensas promovidas, quais sejam, a maior quantidade, de forma substancial, sistemática e contínua, de dispensas entre empregados com retorno de benefício do que em relação àqueles não afastados anteriormente. As situações pontuais extraídas de outros elementos de prova, como o depoimento de André Nunes (de que o colega André Sauer “foi demitido logo após o retorno do benefício previdenciário”) apenas reforçam,

neste caso, a constatação, já amplamente extraída da prova pericial, de sistemática política discriminatória em relação ao mencionado grupo de empregados, sujeitos à despedida imotivada em índices muito superiores aos demais.”

Diante do contexto fático e do acervo probatório, entendo comprovada a ocorrência de discriminação nas dispensas de pessoas adoecidas e em retorno de benefício previdenciário, o que, no caso, atinge indistintamente a coletividade de pessoas trabalhadoras da ré e a sociedade como um todo, ante a violação de direito humano fundamental concernente à não discriminação, constitutiva de ataque a bem jurídico fundamental da República e no âmbito internacional.

Aliás, cito, por oportuno, precedente desta Corte Regional, considerando discriminatória, e portanto nula, a dispensa de trabalhador que se encontrava “inapto para o desempenho da função de professor, em razão das sequelas derivadas de um AVC”, dentre as quais hipertensão e diabetes, a tornar devida a reintegração ao emprego, o pagamento dos salários do período de afastamento e o pagamento de uma indenização por dano moral, conforme as disposições do art. 4º, I, da Lei 9.029/95 e da Súmula 443 do TST (TRT da 4ª Região, 2ª Turma, 0020848-18.2018.5.04.0203 ROT, em 20/11/2020, Desembargador Alexandre Correa da Cruz).

Não há dúvida que a prática abala, sobremaneira, a vida em sociedade, porquanto atinge valores relativos a bens jurídicos fundamentais para o estabelecimento do Estado Democrático de Direito. A norma basilar de não discriminação, correspondente a um Direito Humano repetido em inúmeros tratados internacionais, e fundamentalizada na Constituição de 1988 (art. 3o., IV, objetivo fundamental da República), em seu art. 5o, XLI – “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”, constitui pilar primordial de estruturação das relações sociais. A violação, portanto, do Direito Humano Fundamental de não sofrer discriminação de nenhuma espécie, provoca inequívocos danos sociais, ante a quebra da solidariedade e da confiança social de que todas as pessoas convivem em harmonia com as diferenças umas das outras. Na espécie, a discriminação de pessoas que retornam de afastamento previdenciário estampa reprovável e odiosa conduta que agride, também, o Direito Humano à Seguridade Social, revelando, nada mais, nada menos, que a brutal exploração das pessoas despossuídas, que necessitam vender a sua força de trabalho para sobreviver, e são consideradas descartáveis pela ré quando adoecem. Não há dúvida de que a prática, quando perpetrada por empresa, significa o descumprimento da função social da propriedade, tornando ilegítimo o controle dos meios de produção, por abominável comportamento de desprezo às pessoas que lhe prestam serviços para a consecução de sua finalidade econômica. Esta múltipla violação de bens jurídicos fundamentais ao Estado Democrático de Direito consolida uma espécie de dano social que se consolidou chamar de dano moral coletivo, assumindo o conteúdo de um prejuízo de caráter extrapatrimonial sofrido pela coletividade e que necessita reparação.

Neste sentido, o significado do Decreto 9571/18, que estabelece as Diretrizes Nacionais sobre Empresas e Direitos Humanos, promovendo, no país, os Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas) e as Diretrizes sobre Multinacionais e Direitos Humanos da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) se amolda à explicitação do controle e comportamento do capital num Estado verdadeiramente Democrático de

Direito,

rectius,

há limites claros e expressos à atividade econômica, que deve guardar respeito aos

Direitos Humanos e à ordem jurídica internacional e doméstica. O Decreto 9571, que veio a lume no final de 2018, constitui um moderno instrumento de democratização e humanização do capitalismo, inaugurando, no Brasil, a fase do chamado capitalismo regulatório (regulatory capitalism), mediante o qual a operação das empresas se subordina à indispensável adequação da atividade econômica à lei, em busca de uma globalização socialmente sustentável. Como restou comprovado na ONU, ao motivar a estruturação dos Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos em 2011, a partir dos estudos do professor estadunidense John Ruggie, consolidados no tripé proteger, respeitar, reparar, as empresas violam Direitos Humanos e cabe aos Estados coibir essa conduta, protegendo e fazendo cumprir os Direitos Humanos, garantindo a adequada reparação quando ocorra seu desrespeito. Segundo o art. 13, VII, do Decreto 9571/18, as medidas de reparação podem ser constituídas de compensações pecuniárias e não pecuniárias, desculpas públicas, restituição de direitos e garantias de não repetição (tutela inibitória).

Sobre o conceito de dano moral coletivo, segue julgado que reputo pertinente:

DANO MORAL COLETIVO. O dano moral coletivo implica lesão de direitos de natureza extrapatrimonial titularizados por toda a coletividade, que se faz presente, inclusive, em relação a grupos, classes ou categoria de pessoas. Ampara-se em fundamento jurídico distinto daquele em que se sustenta o dano moral individual, restrito aos modelos teóricos civilistas clássicos. Dele resulta um sentimento de repúdio, desagrado, insatisfação, vergonha, angústia ou impotência em face da lesão perpetrada. Sua configuração independe de lesão subjetiva a cada um dos componentes da coletividade e tem assento na Constituição Federal de 1988 (art. 5º, V e X) bem como, no plano infraconstitucional na Lei da Ação Civil Pública (art. 1º, IV), no Código de Defesa do Consumidor (art. 6ª, VII), na Lei 4.717/65, arts. 1º e 11 (Ação Popular), na Lei 6.938/81 (define a Política Nacional do Meio Ambiente) e na Lei 8.884/94 (dispõe sobre a repressão ao abuso do poder econômico). (…) (TRT3. RO. 0010030-39.2016.5.03.0030

(RO); Disponibilização: 05/10/2017; Órgão Julgador: Quinta Turma; Relator: Marcio Flavio Salem Vidigal)

No mesmo norte, a doutrina de Tiago Xisto Medeiros Neto (Dano moral coletivo. São Paulo: Ltr, 2004, p. 136):
“A idéia e o reconhecimento do dano moral coletivo (lato sensu), bem como a necessidade de sua reparação, constituem mais uma evolução nos contínuos desdobramentos do sistema da responsabilidade civil, significando a ampliação do dano extrapatrimonial para um conceito não restrito ao mero sofrimento ou à dor pessoal,

porém extensivo a toda modificação desvaliosa do espírito coletivo, ou seja, a qualquer ofensa a valores fundamentais compartilhados pela coletividade, e que refletem o alcance da dignidade dos seus membros.”

No caso em tela, resta inconteste o caráter discriminatório das dispensas levadas a efeito de pessoas que retornaram de benefício previdenciário, em detrimento de outras que não tiveram afastamento do trabalho por motivo de doença.

E não se pode perder de vista uma interpretação que prestigie a perspectiva de Enfoque de Direitos Humanos. O tema, de inquestionável relevância atual foi objeto de texto de minha autoria, sendo oportuna a transcrição de alguns trechos:
Especificamente, na hermenêutica juslaboral, em que se faz presente o conflito entre capital e o valor humano, a teoria do Enfoque de Direitos Humanos adotada como referencial tem potencial transformador das decisões judiciais que, da tradicional visão econômica do Direito, passam a centralizar seu fundamento nas pessoas, como sujeitos de direitos.

A atração é natural, pois o Direito do Trabalho pode se chamar Direito Humano do Trabalho, já que os direitos sociais se constituem, como visto, em direitos humanos de primeira grandeza, razão maior de aplicação do EDH à hermenêutica juslaboral.

Embora pareça simples, na prática representa um giro de cento e oitenta graus na posição dos juízes e juristas no trato das questões laborais: primeiramente, o alicerce do ato de interpretar e julgar estará na fonte de Direitos Humanos aplicável ao caso em análise (PIDESC – Pacto Internacional dos Direitos Econômicos e Sociais, Convenções da OIT etc.), que orientará a construção de toda a lógica da solução da causa; depois, sua conclusão ou dispositivo se fará com viés de concreção e efetividade dos próprios direitos humanos identificados no processo.

Assim, apreciar um acidente de trabalho à luz da responsabilidade extracontratual ou aquiliana é bem diferente de apreciá-lo na perspectiva de direitos humanos como a vida, saúde, incolumidade do trabalhador, meio ambiente laboral hígido, trabalho com segurança etc., bens jurídicos que passam a orientar a lógica do julgador, transpondo, assim, uma visão econômico-reparadora em prol de uma ótica humanitária, contextualizando a pessoa no sinistro ocorrido e não apenas a reparação econômica de direitos e obrigações.

Também se pode imaginar, a título de exemplo, demandas de Direito Sindical envolvendo o exercício de liberdades sindicais, enquanto direitos humanos, no que toca à necessidade de sua efetivação.

Com o EDH, a lógica da exploração capitalista das relações de trabalho é contraposta pela centralização da prestação jurisdicional nas pessoas que prestam serviços como sujeitos de direitos humanos dentro e fora do trabalho. Portanto, um pedido de dano moral decorrente de assédio moral deixa de ser analisado por seu conteúdo econômico e sob o viés da prestação remunerada de serviços, em prol de uma dimensão ampla da preservação da incolumidade da esfera íntima da pessoa trabalhadora.

No campo processual, as ações passam a ser vistas não como números estatísticos de um sistema, mas como instrumentos de efetivação de Direitos Humanos, com todas as implicações que isso traz, como, por exemplo, superar formalidades que obstem a aproximação do Poder Judiciário das pessoas que a ele acorrem. (…)

Especial é a observação de Herrera Flores (…), ao afirmar que um direito humano fundamental se constitui exatamente nos próprios meios e condições necessárias para pôr em prática os processos de luta pela dignidade humana.

Sem dúvida, a aplicação do Enfoque de Direitos Humanos à hermenêutica juslaboral é uma forma de aprofundar a construção e o respeito à dignidade humana, como mecanismo de efetivação dos Direitos Humanos por juristas e pelo Poder Judiciário e em resgate da cidadania perdida das pessoas no caos globalizado pelo neoliberalismo. Nos limites deste texto, justifica-se o destaque ao campo da hermenêutica jurídica trabalhista, ante a citada atração natural do Direito do Trabalho ao EDH, restando a Justiça do Trabalho, enquanto aparato público destinado à consecução do primado do valor social do trabalho, como último garante de efetividade dos direitos humanos no plano das relações laborais.

Urge, pois, a busca de um pensamento diferente do estabelecido, apto a construir uma plataforma de concretização da dignidade da pessoa humana para todos os povos e, também, de um instrumento que permita a efetividade dos direitos humanos no mundo globalizado.

Como diz Michel Maffesoli (São Paulo: 2009, p. 114-5), é preciso passar pelo crivo da inteligência todas as palavras da modernidade (individualismo, racionalismo, universalismo, democratismo, republicanismo, contratualismo, progressismo, desenvolvimentismo etc.), sob pena de ficarmos atolados num dogmatismo esclerosado, aceitando a ideia de que nada é tabu. (Texto elaborado em 15/08/2018. Íntegra disponível em: http://estadodedireito.com.br/interpretacao-humanistica-e-hermeneutica- juslaboral-o-enfoque-de-direitos-humanos)

Nesse mesmo passo, em normativa internacional, a busca pela saúde e segurança no trabalho é imperativa, como também a dignidade da pessoa trabalhadora, atentando-se que tais normas destinam-se aos Estados Partes e inclusive, às pessoas respectivas, especialmente no caso da República Federativa do Brasil, tendo em conta a inquestionável eficácia vertical e horizontal dos direitos humanos e fundamentais.

Com efeito, o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ratificado pela República Federativa do Brasil, por meio do Decreto 591/1992, assim dispõe:
ARTIGO 3º

Os Estados Partes do presente Pacto comprometem-se a assegurar a homens e mulheres igualdade no gozo de todos os direitos econômicos, sociais e culturais enumerados no presente Pacto. (…)

ARTIGO 7º

Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa de gozar de condições de trabalho justas e favoráveis, que assegurem especialmente: (…) b) A

segurança e a higiene no trabalho; (…) d) O descanso, o lazer, a limitação razoável das horas de trabalho e férias periódicas remuneradas, assim como a remuneração dos feridos. (…)

ARTIGO 12

1. Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa de desfrutar o mais elevado nível possível de saúde física e mental.

2. As medidas que os Estados Partes do presente Pacto deverão adotar com o fim de assegurar o pleno exercício desse direito incluirão as medidas que se façam necessárias para assegurar: a) A diminuição da mortinatalidade e da mortalidade infantil, bem como o desenvolvimento é das crianças; b) A melhoria de todos os aspectos de higiene do trabalho e do meio ambiente; c) A prevenção e o tratamento das doenças epidêmicas, endêmicas, profissionais e outras, bem como a luta contra essas doenças; d) A criação de condições que assegurem a todos assistência médica e serviços médicos em caso de enfermidade. (…)

Além disso, a Convenção 161 da OIT, ratificada pelo Brasil e promulgada por meio do Decreto 127, de 22/05/91, relativa aos Serviços de Saúde do Trabalho, a qual assim especifica:

ARTIGO 3º

1 – Todo Membro se compromete e a instituir, progressivamente, serviços de saúde no trabalho para todos os trabalhadores, entre os quais se contam os do setor público, e os cooperantes das cooperativas de produção, em todos os ramos da atividade econômica e em todas as empresas; as disposições adotadas deverão ser adequadas e corresponder aos riscos específicos que prevalecem nas empresas.

2 – Se os serviços de saúde no trabalho não puderem ser instituídos imediatamente para todas as empresas, todo Membro em questão deverá, em consulta com a organizações de empregadores mais representativas, onde elas existam, elaborar planos que visam a instituição desses serviços.

3 – Todo Membro em questão deverá, no primeiro relatório sobre a aplicação da Convenção que está sujeito a apresentar em virtude do Artigo 22 da Constituição da Organização Internacional do Trabalho, indicar os planos que tenha elaborado em função do parágrafo 2 do presente Artigo e expor, em relatórios ulteriores, todo progresso obtido com vistas à sua aplicação. (…)

PARTE II

Funções ARTIGO 5º
Sem prejuízo da responsabilidade de cada empregador a respeito da saúde e da segurança dos trabalhadores que emprega , e tendo na devida conta a necessidade de participação dos trabalhadores em matéria de segurança e saúde no trabalho, os serviços de saúde no trabalho devem assegurar as funções, dentre as seguintes, que sejam adequadas e ajustadas aos riscos da empresa com relação à saúde no trabalho: a) identificar e avaliar os riscos para a saúde, presentes nos locais de trabalho; b) vigiar os fatores do meio de trabalho e as práticas de trabalho que possam afetar a saúde dos trabalhadores, inclusive as instalações sanitárias, as cantinas e as áreas de habitação,

sempre que esses equipamentos sejam fornecidos pelo empregador; c) prestar assessoria quanto ao planejamento e à organização do trabalho, inclusive sobre a concepção dos locais de trabalho, a escolha, a manutenção e o estado das máquinas e dos equipamentos, bem como, sobre o material utilizado no trabalho; d) participar da elaboração de programa de melhoria das práticas de trabalho, bem como dos testes e da avaliação de novos equipamentos no que concerne aos aspectos da saúde; e) prestar assessoria nas áreas da saúde, da segurança e da higiene no trabalho, da ergonomia e, também, no que concerne aos equipamentos de proteção individual e coletiva; f) acompanhar a saúde dos trabalhadores em relação com o trabalho; g) promover a adaptação do trabalho aos trabalhadores; h) contribuir para as medidas de readaptação profissional; i) colaborar na difusão da informação, na formação e na educação mas áreas da saúde e da higiene no trabalho, bem como na da ergonomia; j) organizar serviços de primeiros socorros e de emergência; k) participar da análise de acidentes de trabalho e das doenças profissionais.

Destaque-se que somados a tais elementos, um novo Direito do Trabalho se desenha a partir da promulgação do Decreto 9571, em 21.11.2018, pelo qual se estabeleceram as Diretrizes Nacionais sobre Empresas e Direitos Humanos, para médias e grandes empresas, incluídas as empresas multinacionais com atividades no País e também para o próprio Estado. Tal Decreto atendeu à necessidade de viabilização do acordo comercial de 2018 com o Chile e, também, à pretensão de ingresso do Brasil como membro da OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, obedecendo às Linhas Diretrizes para Empresas Multinacionais da entidade, mudando o cenário hermenêutico relacionado ao controle de convencionalidade da reforma trabalhista e de quaisquer outras normas que venham a contrariar os Direitos Humanos destacados nesse Decreto.

Neste sentido, o Decreto 9.571/18 estabelece como obrigação do Estado brasileiro a proteção dos Direitos Humanos em atividades empresariais, a partir de quatro eixos definidos como orientadores das Diretrizes Nacionais sobre Empresas e Direitos Humanos, a saber: a própria obrigação do Estado com a proteção dos direitos humanos em atividades empresariais; a responsabilidade das empresas com o respeito aos direitos humanos; o acesso aos mecanismos de reparação e remediação para aqueles que, nesse âmbito, tenham seus direitos afetados; e a implementação, o monitoramento e a avaliação das Diretrizes (art. 2º). Além disso, ao regulamentar concretamente a obrigação do Estado com a proteção dos Direitos Humanos, refere expressamente o estímulo à adoção, por grandes empresas, de procedimentos adequados de dever de vigilância (due diligence) em direitos humanos; garantia de condições de trabalho dignas para as pessoas trabalhadoras, por meio de ambiente produtivo, com remuneração adequada e em condições de liberdade, equidade e segurança, com estímulo à observância desse objetivo pelas empresas; combate à discriminação nas relações de trabalho e promoção da valorização da diversidade; promoção e apoio às medidas de inclusão e de não discriminação, com criação de programas de incentivos para contratação de grupos vulneráveis; estímulo à negociação permanente sobre as condições de trabalho e a resolução de conflitos, a fim de evitar litígios; aperfeiçoamento dos programas e das políticas públicas de combate ao trabalho infantil e ao trabalho análogo à escravidão etc. (art. 3º).

O Decreto 9571 igualmente prevê que as empresas devem respeito aos Tratados Internacionais sobre Direitos Humanos ratificados pelo Brasil, aos direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição, com especial referência aos Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos da ONU, às Linhas Diretrizes para Multinacionais da OCDE e às Convenções da OIT (art. 5º). Inclusive, o art. 7º estabelece a obrigação das empresas de garantir condições decentes de trabalho.

Importante destacar que o Decreto 9571/18 possui status de norma constitucional, em consonância dos
§§2º e 3º do art. 5º da CR, por versar sobre Direitos Humanos e Tratados Internacionais sobre Direitos Humanos ratificados pelo Brasil (inserindo-se na cláusula de recepção do §2º), como as Convenções da OIT, inclusive porque o País é membro da ONU e da OIT e está obrigado a cumprir as Resoluções das Nações Unidas e do organismo internacional laboral.

Assim, o Decreto 9571/18 estabelece verdadeiro compromisso coletivo das empresas com a responsabilidade social, pois o trabalho não pode representar um mecanismo de supressão de Direitos Humanos mas sim de efetivo respaldo, observância e devida reparação no caso de violações, especialmente no que se refere à manutenção de meio ambiente de trabalho hígido e livre de quaisquer discriminações e perturbações psíquicas às pessoas trabalhadoras. O cumprimento da função social da propriedade é direito concernente a toda a sociedade, e o Poder Judiciário tem o dever de exigir a responsabilidade social empresarial, não podendo se esquivar de tal leitura essencial na análise das relações de trabalho. Convém destacar alguns trechos do aludido Decreto o qual reforça as teses acima expostas:
(…)

DA RESPONSABILIDADE DAS EMPRESAS COM O RESPEITO AOS DIREITOS HUMANOS

Art. 4º Caberá às empresas o respeito:

I – aos direitos humanos protegidos nos tratados internacionais dos quais o seu Estado de incorporação ou de controle sejam signatários; e

II – aos direitos e às garantias fundamentais previstos na Constituição. Art. 5º Caberá, ainda, às empresas:
I – monitorar o respeito aos direitos humanos na cadeia produtiva vinculada à empresa; (…)

Art. 6º É responsabilidade das empresas não violar os direitos de sua força de trabalho, de seus clientes e das comunidades, mediante o controle de riscos e o dever de enfrentar os impactos adversos em direitos humanos com os quais tenham algum envolvimento e, principalmente:

I – agir de forma cautelosa e preventiva, nos seus ramos de atuação, inclusive em relação às atividades de suas subsidiárias, de entidades sob seu controle direito ou indireto, a fim de não infringir os direitos humanos de seus funcionários, colaboradores, terceiros, clientes, comunidade onde atuam e população em geral;

II – evitar que suas atividades causem, contribuam ou estejam diretamente relacionadas aos impactos negativos sobre direitos humanos e aos danos ambientais e sociais, (…)

IV – adotar compromisso de respeito aos direitos humanos, aprovado pela alta administração da empresa, no qual trará as ações que realizará, para evitar qualquer grau de envolvimento com danos, para controlar e monitorar riscos a direitos humanos, assim como as expectativas da empresa em relação aos seus parceiros comerciais e funcionários;

V – garantir que suas políticas, seus códigos de ética e conduta e seus procedimentos operacionais reflitam o compromisso com o respeito aos direitos humanos; (…)

IX – comunicar internamente que seus colaboradores estão proibidos de adotarem práticas que violem os direitos humanos, sob pena de sanções internas;

X – orientar os colaboradores, os empregados e as pessoas vinculadas à sociedade empresária a adotarem postura respeitosa, amistosa e em observância aos direitos humanos; (…)

Art. 7º Compete às empresas garantir condições decentes de trabalho, por meio de ambiente produtivo, com remuneração adequada, em condições de liberdade, equidade e segurança, com iniciativas para:

I – manter ambientes e locais de trabalho acessíveis às pessoas com deficiência, mesmo em áreas ou atividades onde não há atendimento ao público, a fim de que tais pessoas encontrem, no ambiente de trabalho, as condições de acessibilidade necessárias ao desenvolvimento pleno de suas atividades; (…)

IV – não manter relações comerciais ou relações de investimentos, seja de subcontratação, seja de aquisição de bens e serviços, com empresas ou pessoas que violem os direitos humanos; (…)

VI – avaliar e monitorar os contratos firmados com seus fornecedores de bens e serviços, parceiros e clientes que contenham cláusulas de direitos humanos que impeçam o trabalho infantil ou o trabalho análogo à escravidão;

VII – adotar medidas de prevenção e precaução, para evitar ou minimizar os impactos adversos que as suas atividades podem causar direta ou indiretamente sobre os direitos humanos, a saúde e a segurança de seus empregados; e

VIII – assegurar a aplicação vertical de medidas de prevenção a violações de direitos humanos.

§ 1º A inexistência de certeza científica absoluta não será invocada como argumento para adiar a adoção de medidas para evitar violações aos direitos humanos, à saúde e à segurança dos empregados.

§ 2º As medidas de prevenção e precaução a violações aos direitos humanos serão adotadas em toda a cadeia de produção dos grupos empresariais. (…)

Art. 9º Compete às empresas identificar os riscos de impacto e a violação a direitos humanos no contexto de suas operações, com a adoção de ações de prevenção e de controle adequadas e efetivas e, principalmente:

I – realizar periodicamente procedimentos efetivos de reavaliação em matéria de direitos humanos, para identificar, prevenir, mitigar e prestar contas do risco, do impacto e da violação decorrentes de suas atividades, de suas operações e de suas relações comerciais;

II – desenvolver e aperfeiçoar permanentemente os procedimentos de controle e monitoramento de riscos, impactos e violações e reparar as consequências negativas sobre os direitos humanos que provoquem ou tenham contribuído para provocar;

III – adotar procedimentos para avaliar o respeito aos direitos humanos na cadeia produtiva; (…)

V – informar publicamente as medidas que adotaram no último ciclo para evitar riscos, mitigar impactos negativos aos direitos humanos e prevenir violações, com base em compromisso assumido pela empresa, consideradas as características do negócio e dos territórios impactados por suas operações;

VI – divulgar e identificar publicamente aos seus fornecedores as normas de direitos humanos às quais estejam sujeitos, de modo a possibilitar o controle por parte dos trabalhadores e da sociedade civil, ressalvado o sigilo comercial; e (…) (…)

Art. 12. Compete às empresas adotar iniciativas para a sustentabilidade ambiental, tais como:

I – ter conhecimento dos aspectos e dos impactos ambientais causados por suas atividades, seus produtos e seus serviços;

II – desenvolver programas com objetivos, metas e ações de controle necessárias, vinculadas aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas, suficientes para evitar danos e causar menor impacto sobre recursos naturais como flora, fauna, ar, solo, água e utilizar, de forma sustentável, os recursos materiais;

III – divulgar as informações de que trata o inciso I do caput de forma transparente, especialmente para grupos diretamente impactados; (…)

CAPÍTULO IV

DO ACESSO A MECANISMOS DE REPARAÇÃO E REMEDIAÇÃO

Art. 13. O Estado manterá mecanismos de denúncia e reparação judiciais e não judiciais existentes e seus obstáculos e lacunas legais, práticos e outros que possam dificultar o acesso aos mecanismos de reparação, de modo a produzir levantamento técnico sobre mecanismos estatais de reparação das violações de direitos humanos relacionadas com empresas, como:

I – elaborar, junto ao Poder Judiciário e a outros atores, levantamento dos mecanismos judiciais e não judiciais existentes e dos entraves existentes em sua realização e realizar levantamento, sistematização e análise de jurisprudência sobre o tema;

II – propor soluções concretas para tornar o sistema estatal de reparação legítimo, acessível, previsível, equitativo, transparente e participativo; (…)

VII – incentivar a adoção por parte das empresas e a utilização por parte das vítimas, de medidas de reparação como: a) compensações pecuniárias e não pecuniárias; b) desculpas públicas; c) restituição de direitos; e d) garantias de não repetição; (…)

XII – fortalecer as ações de fiscalização na hipótese de infração de direitos trabalhistas e ambientais.

Art. 14. Compete à administração pública incentivar que as empresas estabeleçam ou participem de mecanismos de denúncia e reparação efetivos e eficazes, que permitam propor reclamações e reparar violações dos direitos humanos relacionadas com atividades empresariais, com ênfase para: (…)

IV – reparar, de modo integral, as pessoas e as comunidades atingidas.

Art. 15. A reparação integral de que trata o inciso IV do caput do art. 14 poderá incluir as seguintes medidas, exemplificativas e passíveis de aplicação, que poderão ser cumulativas:

I – pedido público de desculpas; II – restituição;
III – reabilitação;

IV – compensações econômicas ou não econômicas;

V – sanções punitivas, como multas, sanções penais ou sanções administrativas; e

VI – medidas de prevenção de novos danos como liminares ou garantias de não repetição.

Parágrafo único. Os procedimentos de reparação serão claros e transparentes em suas etapas, amplamente divulgados para todas as partes interessadas, com garantia da imparcialidade, da equidade de tratamento entre os indivíduos e serem passíveis de monitoramento de sua efetividade a partir de indicadores quantitativos e qualitativos de direitos humanos. (…)

Nestes termos, entendo que a situação evidenciada nos autos gera inequívoco dever de indenização pelo dano moral coletivo, assim entendido aquele que atinge a coletividade que a norma pretende proteger.

Destarte, resta configurado o dano moral coletivo, cuja responsabilização prescinde da prova de efetivo dano suportado pela sociedade e pelas vítimas, bastando que se prove tão-somente a prática do ilícito do qual ele emergiu (dano in re ipsa), o que está sobejamente demonstrado.

A matéria referente à multa por descumprimento e a abrangência territorial serão abordadas oportunamente, em itens específicos, a seguir.

E, por todos os fundamentos acima alinhados, nego provimento ao recurso da ré, inclusive quanto às pretensões sucessivas.

Adotada tese explícita e implícita sobre tais argumentos, restam implicitamente rejeitados todos os demais, na forma do art. 489, §1º, do NCPC a contrario sensu.

Não há falar em violação aos dispositivos constitucionais e legais invocados pelas partes, inclusive em contrarrazões, os quais, diante da adoção de tese jurídica explícita sobre a matéria, consideram-se prequestionados para os devidos fins, nos termos da Súmula 297, I, do TST e da OJ 118 da SDI-1 do TST.

2. RECURSO ORDINÁRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

2.1 – ASSÉDIO MORAL. COBRANÇA POR METAS. RANKING PÚBLICO. LIMITAÇÃO PARA USO DE BANHEIRO. HUMILHAÇÕES (PAGAR PRENDAS) POR MAU DESEMPENHO.

O autor afirma que os depoimentos de ex empregados da Dell, transcritos na petição inicial, comprovam a prática de assédio moral consistente na cobrança excessiva de metas, gestão por estresse, exigências impostas ao time de vendas, exposição dos rankings de venda com destaque para resultados negativos, atribuição de apelidos pejorativos, tratamento desrespeitoso, limitações para uso de banheiro. Diz que tais situações foram sempre comunicadas aos superiores hierárquicos e nenhuma medida jamais foi adotada para coibir tais práticas. Diante das provas produzidas e de todas as situações apontadas, requer seja reconhecido o assédio moral e condenada a ré deixar de praticá-lo, determinando-se o cumprimento das

obrigações

“b”

(zelar para que as relações interpessoais entre os seus trabalhadores – empregados

subordinados e/ou superiores, terceirizados, dirigentes, dentre outros – respeitem os princípios de boa convivência social, dentre os quais, cortesia, ética, boa-educação, valorização do trabalho e da pessoa, companheirismo, etc., estimulando práticas para uma melhor qualidade da saúde mental no trabalho e reprimindo atitudes de assédio moral ou humilhações em serviço;) e “c” (realizar, com todos os seus trabalhadores – empregados, superiores, dirigentes, terceirizados – reuniões, seminários e/ou palestras, todos os anos, com o objetivo de abordar o tema “Assédio Moral no Trabalho”, a fim de prevenir práticas discriminatórias no trabalho e valorizar a qualidade da saúde mental de seus trabalhadores, devendo conter, obrigatoriamente, no mínimo, 06 (seis) horas-aula. A presente obrigação poderá ser cumprida conjuntamente com o treinamento anual dos trabalhadores e/ou em outras reuniões. A responsabilidade pela organização e apresentação do conteúdo da reunião/seminário/palestra deverá ser obrigatoriamente incumbida a profissional que tenha, comprovadamente, habilidades técnicas e intelectuais no tema de assédio moral.) do item 6 da exordial.

Examino.

Foram ouvidas cinco testemunhas no curso da instrução processual, sendo três a convite do autor e duas da ré.

André Iserhard Nunes declarou que “(…) ouviu falar que haviam pessoas chorando nos corredores, acreditando que seja por diversas situações, podendo ser pelas cobranças mas isso vai da situação pessoal de cada um, da pessoa se sentir cobrada (…) o depoente se sentia pressionado porque muitas vezes era difícil atingir a meta; que o depoente conseguia atingir as metas desde que trabalhasse de casa; que o trabalho em casa era além da sua jornada e não remunerado; que esclarece que a situação de ter ouvido falar sobre pessoas chorando ocorria no setor de vendas, mas que havia pressão no seu setor porque trabalhando em empresas grandes a cobrança é naturalque ocorra desde que seja de uma forma saudável dependendo de como a pessoa se vê num cenário de pressão; que não sabe o nome de colegas que se afastaram em decorrência de pressão, sabendo apenas que ocorriam afastamentos seguidos (…) na área do depoente onde trabalhou a pressão existia mas dependia daforma como era encarada, podendo ser “como um desafio ou como um problema”; que acredita que a grande a maioria vê a pressão como um problema; que o depoente nunca foi ameaçado mesmo que de forma implícita de ser demitido se não atingisse os números; que não teve nenhum colega de seu convício que foi ameaçado; que ouviu falar que na área de vendas ocorria situações como esta; que ouviu por comentários, ‘fofoca’ dentro da empresa; que o depoente nunca foi desrespeitado por seu gestor (…) entende que a reclamada tem possui um bom ambiente de trabalho; que o depoente nunca teve restrição ao uso de banheiro; que a reclamada possui um programa para resgatar os empregados com performance abaixo da média; que não sabe como esta o programa hoje, mas na época do 1º contrato a pessoa que estivesse com número baixo era informada que estava entrando num processo de melhoria onde era dado a ela um prazo de acordo com o que deveria alcançar para obter a melhoria dentro de determinado número que estava abaixo dos demais; que é normal haver a melhoria das pessoas que se submetem ao processo e a reclamada oferece suporte como treinamentos e coaching” (sublinhei)

Malgrado o Juízo da origem conclua que “os fatos supostamente caracterizadores de assédio, como cobranças abusivas, estão baseados no que a testemunha “ouviu falar”, sendo o relato, em tal ponto, incapaz de comprovar a veracidade das situações relatadas por terceiros”, entendo de modo diverso, pois a testemunha André confirma que havia pressão por atingimento por metas em todos os setores da empresa, inclusive no setor em que ela trabalhava, e que as consequências emocionais dessa cobrança dependiam apenas da maneira como era encarada a pressão: “problema ou desafio”.

A testemunha Luciana Eloy Cardoso declarou: “(…) trabalhou na reclamada de 2011 a 2014, como analista de pós vendas, no setor costumer care; que retornou do INSS e foi demitida; (…) no ambiente de trabalho da depoente grande pressão para atingimento de metas, que a depoenterelata como sendo

‘diariamente o tempo todo, ficavam em cima da gente, recebiam rankings por email, colocavam rankings no telão com nome em vermelho que era pra todo mundo ver’; a depoente nem sempre conseguia atingir as metas, assim como grande maioria de seus colegas; a depoente procurou sua gerente imediata da época, Viviane, relatando da pressão que entendia acima da média, e ‘ela foi uma das pessoasque mais me pressionou, toda vez que ela me chamava por que eu reclamava de alguma coisa ela me dizia que eu poderia ser demitida, que imaginasse eu e meu marido com filho pequeno na rua, demitida’, tendo por mais de uma vez dito ‘estou te falando porque sou sua amiga e cala a boca’; a depoente também procurou o setor ‘ethics’ que era o setor a ser relatado o quando houvesse algo que pudesse estar incorreto, tendo sido chamada por esse setor, tendo relatado o que estava acontecendo e no dia seguinte foi chamada por sua gerente, Sra. Viviane, que disse que não adiantava ir no ‘ethics’, relatando tudo que havia sido dito pela depoente ao setor ‘Ethics’, a depoente ficou surpresa, pois lhe foi garantido que seria uma reclamação anônima e ‘depois daquilo ali, só piorou’; depois do relatado a depoente ficou doente aproximadamente um mês depois, quando afastou-se; após a reclamação feita à gerente Viviane e o contato ao setor Ethics, a depoente entende que foi perseguida porque ‘diariamente eu era chamada em reuniões dizendo que eu era reativa, que eu era uma má influência aos colegas, que eu e meu marido iríamos perder os empregos, que eu deveria fazer meu trabalho e me colocavam fazer o trabalho dos outros, eu ficava até mais tarde, mesmo que eu dissesse que não poderia ficar até mais tarde, e acabei me afastando de meus colegas’; a depoente também teve seu horário de almoço trocado para às 10 da manhã, quando a depoente reclamou e seu almoço foi trocado para 11h, foi proibida de conversar com seu marido dentro da empresa; o marido da depoente trabalhava em setor que prestava suporte, então o marido da depoente contatava todos os colegas do setor da depoente, entretanto apenas a depoente não poderia entrar em contato direto com ele, devendo mandar email para sua gerente, que então intermediava a comunicação, inclusive dificultando o trabalho da depoente em razão do intermédio; ao perguntar para sua gerente, ela lhe disse que esse procedimento era apenas com relação à depoente; quando a depoente retornou do afastamento médico a depoente retornou com limitações quanto à digitação rápida, tendo a depoente requerido que não fosse lotada sob a supervisão da mesma gerente; a depoente foi, entretanto, lotada com a mesma gerente que a colocou no chat; a depoente apresentou laudo médico que apontava tal limitação; quando trabalhou no chat, em que pese sua limitação a depoente era orientada a atender rapidamente a duas telas e a gerente ‘ficava me ligando cobrando agilidade, que tinha gente esperando, e eu dizendo que não conseguia’; após o retorno do afastamento previdenciário acredita ter sido demitida após um mês; (…) após questionada sobre o nome de seu médico psiquiatra, a depoente afirma que o médico não atestou que teve o AVC em decorrência do trabalho, mas que sua situação foi agravada devido ao estresse; a depoente afirma ter sido indicada ao médico psiquiatra e ter iniciado seu tratamento e que durante as consultas a depoente relatava situações de estresse porém não sabe as questões técnicas sobre seu diagnóstico, CID, afirma que demandou contra a reclamada sobre estes assuntos; questionada pela

reclamada sobre o nome de seu médico, a depoente diz que está no seu processo e que a reclamada pode ter acesso; a depoente ‘perdeu” o processo contra a reclamada’.” (sublinhei)

Ao contrário do Juízo da origem, não percebo nenhuma contrariedade nas informações prestadas pela testemunha Luciana, a qual relata em minúcias situações de grande e notório constrangimento a que foi submetida. O só fato da testemunha declarar que recebeu diagnóstico médico de que o seu acidente vascular cerebral (AVC) decorreu da atividade laboral e, em seguida, ao ser questionada acerca do nome do seu médico, admitir que o médico não atestou que o AVC decorreu do trabalho e que não saberia questões técnicas relacionadas ao seu diagnóstico, em nada compromete seu depoimento, primeiro porque a testemunha não é profissional da área da saúde e não é obrigada a deter conhecimentos científicos na área da medicina. Além disso, a testemunha esclareceu que, conforme avaliação médica, a situação de estresse a que submetida no trabalho pode ter atuado como fator agravante para o AVC. De qualquer forma, o simples fato da demanda judicial ajuizada pela testemunha em face da ré, envolvendo matéria médica, não ter logrado êxito não retira a credibilidade do depoimento.

A testemunha Daiane Matozo Pereira, por sua vez, declarou: “(…) trabalhou na reclamada de final de 2012 /2013 a 2014 como vendedora do chat no setor de vendas com atendimento a pequenas e médias empresas; que sofria pressão considerando acima da média para o cumprimento de metas; que considerava acima damédia porque já trabalhou em outras empresas na área comercial e a pressão era diferente; que na reclamada a pressão era pejorativa; que se referia a bichos e animais; que se referiam a depoente e aos demais colegas como anta e burro; que diziam ‘vocês são bichos, vocês são burros, não estão entendendo’, ‘porque aquela anta não conseguia fazer tal coisa’; que a reclamada costumava apresentar slides para toda aequipe indicando a depoente e outros colegas com resultados abaixo do esperado; que os colegas ficavam incomodados com essas apresentações; que a depoente se sentia incomodada, achando que isso deveria ser tratado de forma individual e se sentia exposta; que uma situação é expor os melhores e parabenizá-los, outra é colocar em telão todos os colegas inclusive os com resultados inferiores e com cores diferentes; que tem diferenciação de tratamento entre os que atingiam as metas e os que não atingiam; que dentro de uma mesma equipe havia separação em dois times, os ‘bons’ ficavam perto da gerente e os ‘ruins’ ficavam distantes; que essa gerente se chamava Roselaine; que Roselaine era gerente somente daquele time; que cada time tinha seu gerente; que não sabe o que ocorria nos outros times; que reportou a Roselaine na reunião privada que estava se sentindo exposta mas nada mudou; que não foi repreendida por Roselaine após a reunião privada; que melhor esclarecendo havia entendido que a pergunta se dirigia a gerente, se ela havia sido repreendida; que a depoente foi repreendida pela gerente após a conversa porque ganhou uma campanha onde seria premiada com um tablet e o prêmio foi dado ao segundo lugar; que quando saia pra o almoço deveria fazer o logout e quando retornasse fazer o login; que muitas vezes devido a demanda de trabalho era pedido que não saíssem para o intervalo; que das 12h às 13h saia o pessoal ‘de quem a gerente gostasse’

e que das 13h30 ou 14h às 15h, não se recordando ao certo, saía o outro pessoal; que adepoente estava em tratamento médico e foi demitida mesmo assim; que acredita que sua demissão foi em decorrência das reclamações; que não estava afastada, mas estava indo a consultas, ficou um período de atestado em razão de dores nos braços; que foi dito a depoente que não houve lesão pelo trabalho, mas tem dores até o dia de hoje; que isso foi dito pelo perito, acreditando ser o perito contratado pela reclamada; que isso ocorreu no seu processo judicial; que consultou com médico particular, fazendo tratamento medicamentoso; que quando iria iniciar a fisioterapia foi desligada da reclamada; que juntamente com esse tratamento tinha o tratamento psicológico; que não trabalha mais na mesma área e mesmo assim permanece com dores; que o seu processo já foi julgado, tendo sido em parte procedente; que o pedido envolvendo a doença foi improcedente e quanto ao dano moral não se recorda, mas acredita que foi improcedente; que em torno de 15 pessoas eram subordinadas a Roselaine; que enquanto estava lá Roselaine não foi desligada; que após enquanto recebeu notícias do pessoal que ainda trabalhava lá não havia sido desligada; que melhor esclarecendo sabe que Roselaine moveu ação contra a reclamada devendo portanto ter sido desligada; que existe um canal para registrar reclamações sobre a reclamada; que utilizou de tal canal e Roselaine ficou sabendo; que no momento em que começou a pontuar as reclamações ficou mais evidente o tratamento discriminatório; que foi submetida ao programa de auxílio de melhoria da produção, onde se identifica os fatores pelos quais não esta conseguindo produzir e melhorá-los; que recebe um acompanhamento durante o programa; que esse acompanhamento era feito pela Roselaine e teve uma participação de Debora; que nesse acompanhamento ao invés de tratar o que deveria ser melhorado havia apenas conversas genéricas que não ajudavam; que a depoente já estava acuada; que quando a depoente se submeteu ao acompanhamento teve melhoras; que não existia então um acompanhamento direcionada a depoente; que a depoente teve de procurar formas de melhorar com os colegas que estavam indo bem; que sabe Roselaine teve acesso a reclamação do canal porque logo após foi feita a separação do time onde a depoente ficava ao lado da gerente e ela conversava diretamente com a depoente chamando-a ‘vamos lá bichinha’, ‘vamos lá que seus números estão baixos’; que a gerente não falou diretamente que ficou sabendo da sua reclamação no canal, mas que logo após o tratamento piorou muito, havendo mudança do horário de almoço, as trocas de posição; que havia uma avaliação dos gestores e numa ocasião a gerente mencionou ‘não adianta quererem me derrubar porque eu sei o que cada um vai falar’; que tal avaliação também era sigilosa e feita pelo mesmo canal” (sublinhei).

A testemunha Daiane, como visto, narra minuciosamente situações de grande constrangimento e até mesmo perseguição após apresentar reclamação diante do comportamento de sua superior Roselaine. E, diversamente do Juízo da origem, entendo que o fato da testemunha declarar que realizava tratamento psicológico ou que não obteve sucesso em demanda contra a ré envolvendo matéria médica em nada prejudicam a credibilidade do depoimento.

Nesse contexto, entendo que os depoimentos das testemunhas Luciana e Daiane, por coerentes e minuciosos, revelam a fragilidade do depoimento da testemunha André, que, embora reconhecendo haver pressão por atingimento de metas, declarou que não se sentia incomodado com a referida cobrança e, por alguma razão que não restou bem esclarecida, enfatizou o “bom ambiente de trabalho” no âmbito da empresa.

Os depoimentos das testemunhas Gabriela Bueno Stein e Luiza Emilia Tischler, por sua vez, não impressionam e não tem o condão de retirar a credibilidade dos depoimentos prestados por Luciana e Daiana, uma vez que apenas limitados a confirmar que há treinamentos envolvendo questões relacionadas ao ambiente de trabalho e relacionamentos entre as pessoas, que há políticas de não discriminação e referente ao assédio moral, que há um código de ética e conduta da empresa e que fazem treinamentos anuais em cima deste código de ética e conduta, além de declarar que “todo mundo tem suas metas” e jamais ouviram algum gerente chamar empregados de burros ou antas.

Ademais quanto ao controle de idas ao banheiro, aplica-se o princípio da conexão, segundo o qual a realidade dos fatos conhecida por este Tribunal, sem dúvida, não pode ser desprezada. O hodierno princípio processual da conexão, concebido por contribuição do eminente Desembargador do Trabalho JOSÉ EDUARDO DE RESENDE CHAVES JÚNIOR, do TRT da 3ª Região, e aplicado, v.g., em decisão do TRT da 8ª Região (Acórdão TRT SE II/MS 0000027-82.2013.5.08.0000), de lavra do Exmo. Des. JOSÉ MARIA QUADROS DE ALENCAR, chama a atenção para a necessária prevalência da realidade dos fatos sobre a “realidade dos autos”. Relega-se para um segundo plano, assim, o tradicional princípio da escritura, sintetizado no brocardo “quod non est in actis non est in mundo” (o que não está nos autos não está no mundo), princípio este que, em última análise, acaba criando uma situação de desconexão dos autos com a realidade e, deste modo, distancia o Julgador da verdade real que tanto se pretende alcançar na solução de um litígio.

Neste sentido, cito o precedente 0020126-95.2016.5.04.0221 ROT, julgado em 27/11/2019, de Relatoria da Exma. Desa. Joaquina Charao Barcelos, no qual restou comprovada a prática ilícita da ré de limitação de uso do banheiro:
TESTEMUNHA DO RECLAMANTE, CRISTIANO HUGO LUZ: […] que trabalhou com o
reclamante no mesmo setor; que trabalharam no setor de suporte técnico a empresas; que as atividades do depoente e reclamante eram similares; que na visão do depoente ele e o reclamante tinham o mesmo conhecimento técnico, pois atendiam os mesmos clientes; que a atividade do depoente era a mesma do reclamante; […] que métricas são formas de mediar desempenho; que algumas métricas o depoente atingiu; […] que para ir ao banheiro era necessário pedir autorização no comunicador interno; que se fosse um situação de urgência o depoente ia ao banheiro com o headset; que para sair o local de trabalho tinha que pedir autorização para o gestor ou gerente e o depoente colocava status para não entrar ligação; QUE O TEMPO QUE O DEPOENTE FICAVA INDISPONÍVEL ERAM DESCOTADAS DAS MÉTRICAS. Perguntas do advogado do reclamante:que quando precisava ir ao banheiro usava o comunicador interno e

recebendo autorização colocava o status de indisponibilidade para ir ao banheiro; que para ir no RH era o mesmo status de ir ao banheiro; que para ir ao almoço tinha um status específico; que havia um status específico para reunião; que esse status é uma nomenclatura em inglês; que o depoente não lembra qual era relativo a cada qual; que todos estados tinham AUX seguidos de um dígito numérico; que a autorização para ir ao banheiro era normalmente dada pela gerência e supervisão, sendo que entre eles estava o Alexandre Rossi; que a autorização para ir ao banheiro poderia levar até 10/15min; […] que o depoente já foi chamado a atenção por ir ao banheiro antes de ter autorização; […] que o depoente participava de reuniões e treinamento durante a jornada;

TESTEMUNHA DO RECLAMADO, ALEXANDRE FRANCO ALMEIDA: […] que
trabalhou com o reclamante; que o reclamante o reclamante entrou no time Enterprise (atende servidores de computadores, switche, storages); […] que métricas são indicadores de todos os tipos, entre eles, qualidade, desempenho, produtividade e tempo de atendimento; […] que participava de reuniões e treinamentos durante a jornada; […] que as métricas são possíveis de serem atingidas; que o depoente nunca pediu autorização para ir ao banheiro e só colocar pause e ir; que ninguém limita ida ao banheiro; que apenas comunicam; que o mesmo ocorria com o reclamante quando precisava ir ao banheiro; […] que o código para ir ao banheiro é denominado “Break” que abrange banheiro, saída para caminhar, tomar um café, descansar, dar uma volta, emfim tudo que não estivesse relacionado ao trabalho; que há um código específico para reunião; que AUX 2 ao que recorda é o break para ir ao banheiro e outras atividades não relacionadas ao trabalho, para quem trabalha com o telefone, ou seja, é um código similar ao breack de quem trabalha no chat; que o código AUX3 é o almoço de quem trabalha ao telefone; que cada analista tem direito a três intervalos de 15 min por dia, mas não precisa tirar os 15 corridos em cada intervalo; que os intervalos são somados por equipe por pessoa; que o depoente não recorda se esses intervalos são informados aos trabalhadores, mas é feito o controle pela reclamada; que o tempo de atendimento reflete nas métricas, mas os intervalos não;

O comportamento da ré revela-se abusivo e malicioso, havendo nítida prática de assédio moral, com as pessoas empregadas tratadas de forma desrespeitosa e rigorosa, sofrendo cobranças excessivas e ameaças, evidenciando o desrespeito a seus direitos humanos fundamentais a um meio ambiente de trabalho hígido, à dignidade. A cobrança excessiva para satisfação das metas impostas é prática ilícita que constitui, por si só, assédio moral, pois, no caso, impingiu situação de constrangimento e humilhação no ambiente laboral, o que induvidosamente também causa dano moral coletivo.

Por outro viés, a ampla exposição do desempenho por ranking – seja em “telão” ou por email – com evidente prejuízo à imagem e à honra, além da cobrança excessiva de metas, torna presumíveis os danos causados na esfera íntima, social, familiar e laborativa.

Além das humilhações públicas por ranking e das cobranças excessivas, há prova de que as pessoas trabalhadoras eram tratadas de forma desrespeitosa por seus superiores hierárquicos, o que causava ainda mais constrangimentos diante de colegas que não recebiam o mesmo tratamento.

Tal situação não se trata de mero aborrecimento ou simples desgosto, mas de tratamento humilhante e vexatório por parte do empregador, que transcende a subjetividade da interpretação dada pela pessoa ao

tratamento recebido e implica violação da honra e dignidade, configurando assédio/dano moral, cuja responsabilização prescinde da prova de efetivo dano suportado pela vítima, bastando que se prove tão somente a prática do ilícito do qual ele emergiu (dano in re ipsa).

Assim avaliado o conjunto da prova, entendo, pois, comprovada a prática de assédio moral consistente no controle de idas ao banheiro, na cobrança excessiva de metas, na existência de ranking de produtividade com exposição pública de resultados e tratamento humilhante e inadequado por parte de superiores hierárquicos.

Isso porque o assédio moral, de acordo com artigo publicado no sítio eletrônico www.assediomoral.org, a respeito do tema ASSÉDIO MORAL NO TRABALHO – CHEGA DE HUMILHAÇÃO, consiste:
“(…) na exposição dos trabalhadores e trabalhadoras a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções, sendo mais comuns em relações hierárquicas autoritárias e assimétricas, em que predominam condutas negativas, relações desumanas e aéticas de longa duração, de um ou mais chefes dirigida a um ou mais subordinado(s), desestabilizando a relação da vítima com o ambiente de trabalho e a organização, forçando-o a desistir do emprego. Caracteriza-se pela degradação deliberada das condições de trabalho em que prevalecem atitudes e condutas negativas dos chefes em relação a seus subordinados, constituindo uma experiência subjetiva que acarreta prejuízos práticos e emocionais para o trabalhador e a organização. A vítima escolhida é isolada do grupo sem explicações, passando a ser hostilizada, ridicularizada, inferiorizada, culpabilizada e desacreditada diante dos pares. Estes, por medo do desemprego e a vergonha de serem também humilhados associado ao estímulo constante à competitividade, rompem os laços afetivos com a vítima e, frequentemente, reproduzem e reatualizam ações e atos do agressor no ambiente de trabalho, instaurando o ‘pacto da tolerância e do silêncio’ no coletivo, enquanto a vítima vai gradativamente se desestabilizando e fragilizando, ‘perdendo’ sua autoestima. Em resumo: um ato isolado de humilhação não é assédio moral. Este, pressupõe: repetição sistemática, intencionalidade (forçar o outro a abrir mão do emprego), direcionalidade (uma pessoa do grupo é escolhida como bode expiatório) temporalidade (durante a jornada, por dias e meses) degradação deliberada das condições de trabalho. (Fonte: BARRETO, M. Uma jornada de humilhações. São Paulo: Fapesp; PUC, 2000)”.

Vejo perfeitamente delineadas, no caso dos autos, práticas abusivas, nocivas e reiteradas contra as pessoas trabalhadoras durante o horário de trabalho.

Saliento que a manutenção de um meio ambiente do trabalho livre de riscos à saúde não apenas física, mas também psíquica, é dever e responsabilidade do empregador, conforme Enunciado 39 da 1ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho realizada no TST, in verbis:
“Enunciado 39. MEIO AMBIENTE DE TRABALHO. SAÚDE MENTAL. DEVER DO
EMPREGADOR. É dever do empregador e do tomador dos serviços zelar por um ambiente de trabalho saudável também no ponto de vista da saúde mental, coibindo práticas tendentes ou aptas a gerar danos de natureza moral ou emocional aos seus trabalhadores, passíveis de indenização”. (grifei)

Com efeito, a Constituição Federal garante, em seu art. 7º, XXII, a manutenção de um ambiente de trabalho hígido, com redução dos riscos inerentes ao trabalho, incluindo os riscos de cunho psicológico e emocional, sem dúvida alguma, que também integram o conceito do meio ambiente de trabalho.

Nesse sentido, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) define o assédio como:

Atos, insinuações, contatos físicos forçados, convites impertinentes, desde que apresentem uma das características a seguir: a) ser uma condição clara para manter o emprego; b) influir nas promoções da carreira do assediado; c) prejudicar o rendimento profissional, humilhar, insultar ou intimidar a vítima.

Ademais, registro que o Brasil é signatário da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), tratado no qual se comprometeu, perante a comunidade internacional, a observar os direitos humanos ali previstos, nos quais se colhe o acesso à justiça facilitado quando se tratar de garantias fundamentais:
1. Toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante os juízes ou tribunais competentes, que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela constituição, pela lei ou pela presente Convenção, mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas que estejam atuando no exercício de suas funções oficiais.

Desta forma, sofrimento e o abalo emocional resultantes da situação em foco são mais do que evidentes e dispensam a prova de sua efetividade, pois o dano moral é definido, pela legislação, ilícito de ação, e não de resultado, de modo que o dano se esgota em si mesmo (na ação do ofensor) e dispensa a prova do resultado.

Destaco que a ré não pode se furtar da imputação de responsabilidade, na forma do art. 932 do Código Civil:
Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:

I – os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia;

II – o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições;

III – o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele; (Grifei)

E por comprovado o assédio moral em razão de cobrança excessiva de metas, ranking de produtividade com exposição pública de resultados e tratamento humilhante e desrespeitoso por parte de superiores hierárquicos, dou provimento parcial a este item do recurso para condenar a ré no cumprimento das seguintes obrigações de fazer: a) zelar para que as relações interpessoais entre as pessoas trabalhadoras – subordinado(a)s e/ou superiores, terceirizado(a)s, dirigentes, dentre outros – respeitem os princípios de

boa convivência social, dentre os quais, cortesia, ética, boa-educação, valorização do trabalho e da pessoa, companheirismo, etc., estimulando práticas para uma melhor qualidade da saúde mental no trabalho e reprimindo atitudes de assédio moral ou humilhações em serviço; b) realizar, com todas as pessoas trabalhadoras – empregado(a)s, superiores, dirigentes, terceirizado(a)s – reuniões, seminários e/ou
palestras, todos os anos, com o objetivo de abordar o tema “Assédio Moral no Trabalho”, a fim de
prevenir práticas discriminatórias no trabalho e valorizar a qualidade da saúde mental das pessoas trabalhadoras, devendo conter, obrigatoriamente, no mínimo, 06 (seis) horas-aula. A presente obrigação poderá ser cumprida conjuntamente com o treinamento anual das pessoas trabalhadoras e/ou em outras reuniões. A responsabilidade pela organização e apresentação do conteúdo da reunião/seminário/palestra deverá ser obrigatoriamente incumbida a profissional que tenha, comprovadamente, habilidades técnicas e intelectuais no tema de assédio moral.

Adotada tese explícita e implícita sobre tais argumentos, restam implicitamente rejeitados todos os demais, na forma do art. 489, §1º, do NCPC a contrario sensu.

Não há falar em violação aos dispositivos constitucionais e legais invocados pelas partes, inclusive em contrarrazões, os quais, diante da adoção de tese jurídica explícita sobre a matéria, consideram-se prequestionados para os devidos fins, nos termos da Súmula 297, I, do TST e da OJ 118 da SDI-1 do TST.

2.2 – EMISSÃO DE CAT.

O autor afirma restar comprovada a alegação quanto a não emissão de CAT, devendo ser acolhido o pedido formulado na inicial neste sentido.

A par do posicionamento do Juízo da origem, no sentido de não haver prova de que a ré indevidamente tenha se recusado a emitir CAT ou de não haver prejuízo às pessoas trabalhadoras que puderam ter o documento emitido pelo Sindicato, pelo médico assistente ou qualquer autoridade pública, entendo que a sentença comporta reparo.

No contexto dos fatos e das provas produzidas nos autos, notadamente nos termos da argumentação defensiva e recursal, entendo incontroverso o fato de que a ré somente emite a CAT quando, após avaliação unilateral por médico da empresa, conclui haver nexo de causalidade entre a patologia e o trabalho, o que, em tese, equivale a não emitir a CAT.

Vale lembrar que a CAT é o documento através do qual a empresa informa um acidente de trabalho ou uma doença ocupacional ao INSS. A empresa deve emitir a CAT sempre que ocorrer um acidente ou quando constatar uma doença ocupacional. Todavia, a avaliação da natureza do acidente ou da doença e seu enquadramento como ocupacional não são ato discricionário e volitivo do empregador, a quem

incumbe o dever de informar ao INSS a ocorrência do fato, através da CAT. Ou seja, não cabe ao empregador decidir se determinada doença é ou não ocupacional para só então emitir a CAT.

Conforme item 7.4.8 da NR-7 da Portaria 3.214/78 do MTE:

“7.4.8. Sendo constatada a ocorrência ou agravamento de doenças profissionais, através de exames médicos que incluam os definidos nesta NR; ou sendo verificadas alterações que revelem qualquer tipo de disfunção de órgão ou sistema biológico, através dos exames constantes dos Quadros I (apenas aqueles com interpretação SC) e II, e do item
7.4.2.3 da presente NR, mesmo sem sintomatologia, caberá ao médico-coordenador ou encarregado:

a) solicitar à empresa a emissão da Comunicação de Acidente do Trabalho – CAT;

b) indicar, quando necessário, o afastamento do trabalhador da exposição ao risco, ou do trabalho;

c) encaminhar o trabalhador à Previdência Social para estabelecimento de nexo causal, avaliação de incapacidade e definição da conduta previdenciária em relação ao trabalho;

d) orientar o empregador quanto à necessidade de adoção de medidas de controle no ambiente de trabalho.”

E o art. 336 do Decreto 3.048/99:

“Art. 336. Para fins estatísticos e epidemiológicos, a empresa deverá comunicar à previdência social o acidente de que tratam os arts. 19, 20, 21 e 23 da Lei nº 8.213, de 1991, ocorrido com o segurado empregado, exceto o doméstico, e o trabalhador avulso, até o primeiro dia útil seguinte ao da ocorrência e, em caso de morte, de imediato, à autoridade competente, sob pena da multa aplicada e cobrada na forma do art. 286.

(…)

§ 2º Na falta do cumprimento do disposto no caput, caberá ao setor de benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social comunicar a ocorrência ao setor de fiscalização, para a aplicação e cobrança da multa devida.

E, restando evidenciado nos autos que essa era a conduta da ré, tenho por evidenciada a omissão empresarial quanto à obrigação de emitir a CAT, em franco descumprimento das normas contidas no item 7.4.8. da NR – 7 da Portaria 3214/78 do MTE, no art. 22 da Lei 8.213/91 e nos arts. 286 e 336 do Decreto 3048/99, com a redação dada pelo Decreto 6.957/09.

Dou, pois, provimento ao recurso, no item, para condenar a ré em obrigação de fazer consistente no dever de emitir a CAT, em observância ao disposto no item 7.4.8. da NR – 7 da Portaria 3214/78 do MTE e nos arts. 286 e 336 do Decreto 3048/99, instruindo as referidas comunicações devidamente, sem questionar sobre a existência de nexo causal entre a doença e a atividade laborativa.

Adotada tese explícita e implícita sobre tais argumentos, restam implicitamente rejeitados todos os demais, na forma do art. 489, §1º, do NCPC a contrario sensu.

Não há falar em violação aos dispositivos constitucionais e legais invocados pelas partes, inclusive em contrarrazões, os quais, diante da adoção de tese jurídica explícita sobre a matéria, consideram-se prequestionados para os devidos fins, nos termos da Súmula 297, I, do TST e da OJ 118 da SDI-1 do TST.

2.3 – DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. ACOLHIMENTO DE TODOS OS PEDIDOS FORMULADOS NA PETIÇÃO INICIAL.

O autor afirma que os pedidos formulados na inicial foram acolhidos apenas em parte. Requer a reforma da sentença para que as pretensões sejam integralmente acolhidas ou, em não o sendo, seja Dell condenada ao cumprimento das letras “b” e “c” tanto no que respeita ao assédio moral quanto à conduta discriminatória.

As pretensões relacionadas a assédio moral foram analisadas e decididas nos termos do item 2.1 deste julgado.

E, considerando a confirmação da sentença quanto às dispensas discriminatórias, dou provimento ao recurso do autor para condenar a ré no cumprimento das seguintes obrigações de fazer, também em
relação às dispensas discriminatórias: a) zelar para que as relações interpessoais entre as pessoas
trabalhadoras – empregado(a)s subordinado(a)s e/ou superiores, terceirizado(a)s, dirigentes, dentre outros
– respeitem os princípios de boa convivência social, dentre os quais, cortesia, ética, boa-educação, valorização do trabalho e da pessoa, companheirismo, etc., estimulando práticas para uma melhor qualidade da saúde mental no trabalho e reprimindo atitudes de assédio moral ou humilhações em
serviço; b) realizar, com todas as pessoas trabalhadoras – empregado(a)s, superiores, dirigentes,
terceirizado(a)s – reuniões, seminários e/ou palestras, todos os anos, com o objetivo de abordar o tema
“Assédio Moral no Trabalho”, a fim de prevenir práticas discriminatórias no trabalho e valorizar a
qualidade da saúde mental das pessoas trabalhadoras, devendo conter, obrigatoriamente, no mínimo, 06 (seis) horas-aula. A presente obrigação poderá ser cumprida conjuntamente com o treinamento anual das pessoas trabalhadoras e/ou em outras reuniões. A responsabilidade pela organização e apresentação do conteúdo da reunião/seminário/palestra deverá ser obrigatoriamente incumbida a profissional que tenha, comprovadamente, habilidades técnicas e intelectuais no tema de assédio moral.

Adotada tese explícita e implícita sobre tais argumentos, restam implicitamente rejeitados todos os demais, na forma do art. 489, §1º, do NCPC a contrario sensu.

Não há falar em violação aos dispositivos constitucionais e legais invocados pelas partes, inclusive em contrarrazões, os quais, diante da adoção de tese jurídica explícita sobre a matéria, consideram-se prequestionados para os devidos fins, nos termos da Súmula 297, I, do TST e da OJ 118 da SDI-1 do TST.

2.4 – DANO MORAL COLETIVO. MAJORAÇÃO DO VALOR DA INDENIZAÇÃO.

Mencionando a gravidade da conduta ilícita perpetrada pela ré, sobretudo diante da conduta de discriminação às pessoas trabalhadoras doentes ou que retornaram de afastamento previdenciário, o que gerou dano à coletividade passível de reparação, em cotejo da notória capacidade econômica da demandada, tratando-se de empresa que possui mais de 2000 empregados e empregadas e lucros anuais superiores a centenas de milhões de reais, o autor requer a majoração do valor da indenização por dano moral coletivo para, no mínimo, R$1.000.000,00, nos termos requeridos na petição inicial.

Analiso.

O conceito de dano moral coletivo provém da teoria dos danos coletivos que, segundo Caio Mário da Silva Pereira, “in” Responsabilidade Civil, Ed. Forense, 1991, “podem revestir formas ou expressões variadas: danos a toda uma coletividade, ou aos indivíduos integrantes de uma comunidade, ou danos causados a uma pessoa jurídica, com reflexo nos seus membros componentes”.

Não é outra a definição bem traçada na lição do já referido Carlos Alberto Bittar Filho:

“Dano moral coletivo é a injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, é a violação antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos. Quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de que o patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor), idealmente considerado, foi agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de vista jurídico: quer isso dizer, em última instância, que se feriu a própria cultura, em seu aspecto imaterial.” (artigo publicado na Revista de Direito do Consumidor n° 12, out/dez-94, pág. 45/61, Ed. Revista dos Tribunais).

No campo do dano moral, a teoria da responsabilidade civil se aplica mediante a imposição de indenizações com dupla função: punitiva para o infrator e compensatória para o lesado, seja na seara das ações individuais ou coletivas. Há que se agregar, ainda, o caráter preventivo-pedagógico, para que a expressão da lesão no quantum monetário fixado traduza um desencorajamento à repetição da conduta.

No caso, entendo que o valor fixado a título de indenização por dano moral coletivo comporta majoração.

Considerando a gravidade do ilícito praticado pela ré – dispensas discriminatórias e assédio moral, conforme fundamentos alinhados em itens anteriores deste julgado – com fulcro nos arts. 187 e 927 do Código Civil, c/c art. 5º, X da CF/88, cabível a reparação do dano coletivo, mediante indenização pecuniária com efeito inibitório da prática de condutas como as reconhecidas nesta ação.

No arbitramento do valor devido, observados os critérios de proporcionalidade e razoabilidade na apuração do quantum, ponderam-se: a gravidade do fato em si e suas consequências (dimensão do dano); a intensidade do dolo ou o grau de culpa do agente (culpabilidade do agente); a condição econômica do ofensor; as condições pessoais do lesado (posição política, social e econômica).

No exame da gravidade do fato em si (dimensão do dano) e de suas consequências para o ofendido (intensidade do sofrimento), deve-se avaliar a maior ou menor gravidade do fato em si, a intensidade do sofrimento e a repercussão da ofensa (amplitude do dano).

O recorrente postula a indenização de, no mínimo, R$1.000.000,00, havendo a indicação genérica de que a ré possui mais de 2 mil pessoas empregadas.

A sentença, considerando “as peculiaridades do caso concreto (como a gravidade do ato; longo período de verificação do ilícito; e o número de trabalhadores efetivamente lesados)”, fixa em R$100.000,00 o valor da indenização por danos morais coletivos, a ser adimplida pela ré, devendo tal valor ser destinado ao Fundo de Amparo do Trabalhador ou entidade beneficente a ser indicada pelo MPT, conforme opção a ser feita por este em sede cumprimento de sentença.

Contudo, tendo em vista o contexto das violações de direitos humanos fundamentais reconhecidos em sentença (dispensas discriminatórias de pessoas trabalhadoras no período de 6 meses após a alta previdenciária) e neste Acórdão (assédio moral), reputo adequado fixar a indenização por dano moral nos seguintes termos: a) R$100.000,00 para cada pessoa trabalhadora dispensada no período de 12 meses após a alta previdenciária, observado o período de apuração referente ao inquérito civil público nº 001126.2014.04.000/3 em cotejo da avaliação constante do laudo contábil anexado a estes autos; b) R$10.000.000,00 por práticas de assédio moral.

Saliento que o montante acima fixado leva em conta as circunstâncias do caso em concreto e a capacidade econômica da ré (mais de 358 milhões de reais em 2017 – v. contrato social – ID. dc5f769), e será atualizado com juros desde o ajuizamento da ação e correção monetária desde a data desta Sessão de Julgamento.

No que tange à incidência do disposto no art. 223-G, da CLT (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017), no caso em concreto, convém ressaltar que, o referido dispositivo é fruto da reforma que entrou em vigor em

11/11/17. A par da questionável legitimidade de tal dispositivo legal, especialmente do parágrafo 1º, no qual realizada uma taxação do valor a ser alcançado no caso de ofensas de ordem imaterial, trata-se de inovação atinente à normas de direito material.

Ainda que se entendesse de modo diverso, há de se levar em conta que tais parâmetros, mesmo que se admitisse a incidência no caso em concreto, funcionariam apenas como balizadores, jamais como instrumento de limitação indevida de direitos fundamentais, mormente diante do tema responsabilização civil, que exige observância de regramento amplo, observado ainda, o princípio que veda o retrocesso social no âmbito trabalhista (art. 7º, “caput”, da CRFB).

No mesmo sentido o Enunciado 1 da Comissão 7, I Jornada sobre a Reforma Trabalhista do TRT4:

DANO EXTRAPATRIMONIAL. REPARAÇÃO. ART. 223-A DA CLT.

I – A expressão “apenas” contida no artigo 223-A restringe-se à quantificação da reparação em sentido estrito e não ao instituto da responsabilidade civil e aos conceitos que o permeiam.

II – A legislação comum tem aplicação subsidiária ou supletiva ao Direito do Trabalho, na forma do §1º do art. 8º da própria CLT e do art. 4º da LINDB, atendendo ao princípio do diálogo das fontes.

De qualquer forma, a presente decisão leva em conta a maioria dos parâmetros indicados no “caput” do artigo em referência e incisos respectivos, no que diz respeito à análise detalhada das circunstâncias do caso em concreto e da condição econômica das partes envolvidas e que, conforme previsão contida no § 2º do mencionado artigo, a análise, no caso de pessoa jurídica, deveria levar em conta o “salário contratual do ofensor”, no caso, o capital social da empresa.

Saliento que o valor sugerido pelas partes é meramente estimativo e não vincula o Colegiado, não havendo falar em decisão citra, ultra ou extra petita, neste aspecto.

De outra parte, entendo que o valor da indenização deve ser revertido à sociedade, que é a titular do dano moral coletivo. Assim, determina-se a destinação da condenação a entidade pública e/ou filantrópica a critério do Ministério Público do Trabalho, como melhor aprouver para a reparação dos danos sociais ora definidos.

Dou, pois, provimento ao este item do recurso do autor para: a) majorar o valor da indenização por dano moral em razão de dispensas discriminatórias para R$100.000,00, para cada trabalhador dispensado no período de 12 meses após a alta previdenciária, observado o período de apuração referente ao inquérito civil público nº 001126.2014.04.000/3 em cotejo da avaliação constante do laudo contábil anexado a

estes autos; b) acrescer à condenação o pagamento de indenização por dano moral coletivo em razão de assédio moral no valor de R$10.000.000,00, mantidos os critérios de atualização da sentença, valor este que deverá ser destinado a entidade pública e/ou filantrópica a critério do Ministério Público do Trabalho.

Adotada tese explícita e implícita sobre tais argumentos, restam implicitamente rejeitados todos os demais, na forma do art. 489, §1º, do NCPC a contrario sensu.

Não há falar em violação aos dispositivos constitucionais e legais invocados pelas partes, inclusive em contrarrazões, os quais, diante da adoção de tese jurídica explícita sobre a matéria, consideram-se prequestionados para os devidos fins, nos termos da Súmula 297, I, do TST e da OJ 118 da SDI-1 do TST.

2.5 – ANTECIPAÇÃO DA TUTELA.

Diante da gravidade dos fatos praticados pela empresa, o autor requer o deferimento da antecipação da tutela requerida na inicial, a fim de iniciar a execução da obrigação antes do trânsito em julgado da sentença.

Aprecio.

O CPC assim dispõe:

“Art. 520. O cumprimento provisório da sentença impugnada por recurso desprovido de efeito suspensivo será realizado da mesma forma que o cumprimento definitivo, sujeitando-se ao seguinte regime:

(…)

§ 5º Ao cumprimento provisório de sentença que reconheça obrigação de fazer, de não fazer ou de dar coisa aplica-se, no que couber, o disposto neste Capítulo.

Art. 521. A caução prevista no inciso IV do art. 520 poderá ser dispensada nos casos em que:

I – o crédito for de natureza alimentar, independentemente de sua origem; II – o credor demonstrar situação de necessidade;
(…)

IV – a sentença a ser provisoriamente cumprida estiver em consonância com súmula da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça ou em conformidade com acórdão proferido no julgamento de casos repetitivos.

(…)”

Pois bem.

Considerando a grave violação de direitos fundamentais de trabalhadores da ré, reputo cabível a execução da sentença, mesmo antes do trânsito em julgado da sentença, na consonância do disposto nos arts. 520 e 521 do CPC, subsidiariamente aplicáveis ao processo do trabalho por força do art. 769 da CLT, em face da natureza coletiva e homogênea dos direitos tutelados nesta ação.

Demais disso, o pagamento das indenizações deferidas e o cumprimento das obrigações de fazer determinadas, de imediato, está de acordo com o poder geral de cautela ínsito aos Magistrados, pelo que não há afronta a nenhum dos dispositivos legais e constitucionais eventualmente invocados pela parte.

Dou, pois, provimento ao recurso, no item para deferir a antecipação de tutela postulada e determinar a execução da sentença antes do trânsito em julgado da decisão.

Adotada tese explícita e implícita sobre tais argumentos, restam implicitamente rejeitados todos os demais, na forma do art. 489, §1º, do NCPC a contrario sensu.

Não há falar em violação aos dispositivos constitucionais e legais invocados pelas partes, inclusive em contrarrazões, os quais, diante da adoção de tese jurídica explícita sobre a matéria, consideram-se prequestionados para os devidos fins, nos termos da Súmula 297, I, do TST e da OJ 118 da SDI-1 do TST.

2.6. FISCALIZAÇÃO DA CONDUTA DA DEMANDADA. PLANO DE INTEGRIDADE OU CUMPRIMENTO (SISTEMA DE COMPLIANCE).

Na tentativa de manter o padrão de direitos sociais, países ditos desenvolvidos, vêm adotando sistemas de Compliance, buscando uma forma de incentivar as empresas ao cumprimento de leis e regulamentos que protejam os direitos pessoas trabalhadoras, criando uma cultura de respeito à ordem jurídica, à cultura e costumes locais do território aonde operam.

O multicitado Decreto 9571/18, no particular, prevê o seguinte:

“(…)

Art. 6º. É responsabilidade das empresas não violar os direitos de sua força de trabalho, de seus clientes e das comunidades, mediante o controle de riscos e o dever de enfrentar os impactos adversos em direitos humanos com os quais tenham algum envolvimento e, principalmente:

I – agir de forma cautelosa e preventiva, nos seus ramos de atuação, inclusive em relação às atividades de suas subsidiárias, de entidades sob seu controle direito ou indireto, a fim de não infringir os direitos humanos de seus funcionários, colaboradores, terceiros, clientes, comunidade onde atuam e população em geral;

II – evitar que suas atividades causem, contribuam ou estejam diretamente relacionadas aos impactos negativos sobre direitos humanos e aos danos ambientais e sociais,

III – evitar impactos e danos decorrentes das atividades de suas subsidiárias e de entidades sob seu controle ou vinculação direta ou indireta;

(…)

Art. 8º Caberá às empresas combater a discriminação nas relações de trabalho e promover a valorização e o respeito da diversidade em suas áreas e hierarquias, com ênfase em: Ver tópico

I – resguardar a igualdade de salários e de benefícios para cargos e funções com atribuições semelhantes, independentemente de critério de gênero, orientação sexual, étnico-racial, de origem, geracional, religiosa, de aparência física e de deficiência;

II – adotar políticas de metas percentuais crescentes de preenchimento de vagas e de promoção hierárquica para essas pessoas, contempladas a diversidade e a pluralidade, ainda que para o preenchimento dessas vagas seja necessário proporcionar cursos e treinamentos específicos;

III – promover o acesso da juventude à formação para o trabalho em condições adequadas;

IV – respeitar e promover os direitos das pessoas idosas e promover a sua empregabilidade;

V – respeitar e promover os direitos das pessoas com deficiência e garantir a acessibilidade igualitária, a ascensão hierárquica, a sua empregabilidade e a realização da política de cotas;

VI – respeitar e promover o direito de grupos populacionais que tiveram dificuldades de acesso ao emprego em função de práticas discriminatórias;

VII – respeitar e promover os direitos das mulheres para sua plena cidadania, empregabilidade e ascensão hierárquica,

VIII – buscar a erradicação de todas as formas de desigualdade e discriminação;

IX – respeitar a livre orientação sexual, a identidade de gênero e a igualdade de direitos da população de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais ou transgêneros em âmbito empresarial;

X – efetivar os direitos sociais, econômicos e culturais das comunidades locais e dos povos tradicionais, respeitadas a sua identidade social e cultural e a sua fonte de subsistência e promover consulta prévia e diálogo constante com a comunidade.

Como se percebe da simples leitura dos dispositivos supratranscritos, cabe às empresas, através do programa de integridade (compliance) adotar uma série de medidas para não violar os direitos humanos das pessoas que lhe prestam serviços, ou seja, devem buscar exatamente o processo contrário ao que ocorre nas matérias exaustivamente já analisadas nos presentes autos, objeto de condenação por dano moral coletivo.

Assim, inobstante a pretensão da inicial não contemple pedido atinente à participação sindical na elaboração e fiscalização do cumprimento do plano de integridade, em sede de ação coletiva é pacífica a possibilidade de relativização do princípio da congruência, com a adoção da teoria da individualização
/individuação da causa petendi, em detrimento da teoria da substanciação adotada pelo direito processual comum para as ações individuais (art. 283, III, CPC).

Tal relativização justifica-se porque “enquanto numa ação individual é factível que a substanciação desça a minúcias de fato, que são inerentes à própria relação jurídica de cunho material e individual, isto não se verifica com tamanho rigor na demanda coletiva, onde a substanciação acaba tornando mais tênue, recaindo sobre aspectos mais genéricos da conduta impugnada na decisão” (LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. 3 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, págs. 246-247).

Neste contexto, considerando a situação fática comprovada, entendo adequada, doravante, a fiscalização da conduta da demandada, com a necessária presença do(s) Sindicato(s) de trabalhadores e trabalhadoras com representação em face da empresa, com obrigação de serem comunicados sobre despedidas, CATs e critérios de metas/cobranças por produtividade, ainda que não exatamente postulada na inicial.

Deste modo, visando evitar futuros casos semelhantes aos analisados no presente feito – ou episódios semelhantes, no ambiente de trabalho, com amparo na teoria da individualização (que permite a interpretação extensiva da causa de pedir e dos pedidos em sede de ação civil pública, com vistas ao bem jurídico a ser tutelado), bem como no princípio geral de Direito de que “quem pede o mais pode ter deferido o menos”, reputo cabível adicionar provimento jurisdicional no sentido de determinar que a empresa convide e viabilize a participação do sindicato na elaboração de seu plano de integridade ou cumprimento (sistema de compliance)

3. MATÉRIA COMUM E CONEXA NOS RECURSOS DAS PARTES.

MULTA POR DESCUMPRIMENTO DA DECISÃO QUE RECONHECEU A PRÁTICA DE DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. VALOR ARBITRADO.

Diz o autor que o valor da multa fixada em sentença (R$5.000,00) não é suficiente para impedir o cometimento do ilícito, nem está de acordo com a gravidade dos fatos ou com o porte da empresa. Aduz que em um Estado Democrático de Direito, como é o caso do Brasil, em que não se admite o uso da força bruta para compelir uma pessoa ao cumprimento de uma obrigação de fazer e não fazer, impõe-se a cominação de multas adequadas para a efetivação do comando judicial, pois, do contrário, a decisão cairia no vazio. Alude à notória capacidade financeira da ré e à natureza dos direitos protegidos na ação (dignidade da pessoa humana e proteção contra a discriminação), ambos fatores dotados de expressiva

magnitude, dos quais deriva a necessidade de fixação de multa em montante compatível com a alta valoração desses elementos. Requer a fixação do valor da multa por descumprimento em R$50.000,00 (cinquenta mil reais), por cada trabalhador prejudicado, encontrado em situação irregular ou mesmo para cada falta verificada.

A ré, por sua vez, requer seja revisto e reduzido o valor da multa estipulada, por excessivo. Diz que a penalização cominada – R$5 mil por “cada caso constatado, em execução” – se considerados o universo expressivo de trabalhadores empregados pela Dell no RS e a necessidade ocasional de promover rescisões contratuais, como fato inerente à gestão do negócio, é decididamente desproporcional, capaz de gerar onerosidade substancial, em afronta ao princípio da proibição de excesso que, como se sabe, integra o núcleo dos direitos fundamentais previstos na Constituição, nos termos da CF, art. 5º, V, além de afrontar o direito ao devido processo legal, inscrito nos itens LIV e LV da Carta.

Aprecio.

Pelos mesmos fundamentos expostos no item 2.4 – ou seja, considerando a gravidade do ilícito praticado pela ré – dispensas discriminatórias e assédio moral, observados os critérios de proporcionalidade e razoabilidade, a gravidade do fato em si e suas consequências (dimensão do dano), a intensidade do dolo ou o grau de culpa do agente (culpabilidade do agente), a condição econômica do ofensor, as condições pessoais do lesado (posição política, social e econômica) – reputo cabível a majoração do valor da multa por descumprimento para R$50.000,00 (cinquenta mil reais), por cada trabalhador prejudicado, encontrado em situação irregular ou mesmo para cada falta verificada.

Dou, pois, provimento ao recurso do autor para majorar o valor da multa por descumprimento para R$50.000,00 (cinquenta mil reais), por cada trabalhador prejudicado, encontrado em situação irregular ou mesmo para cada falta verificada.

E, pelos mesmos fundamentos, nego provimento ao recurso da ré.

Adotada tese explícita e implícita sobre tais argumentos, restam implicitamente rejeitados todos os demais, na forma do art. 489, §1º, do NCPC a contrario sensu.

Não há falar em violação aos dispositivos constitucionais e legais invocados pelas partes, inclusive em contrarrazões, os quais, diante da adoção de tese jurídica explícita sobre a matéria, consideram-se prequestionados para os devidos fins, nos termos da Súmula 297, I, do TST e da OJ 118 da SDI-1 do TST.

4. RECURSO ORDINÁRIO DA DELL COMPUTADORES DO BRASIL LTDA. MATÉRIA REMANESCENTE.

ABRANGÊNCIA TERRITORIAL DA AÇÃO. QUESTÃO REGIONAL. IMPROPRIEDADE DE SUA EXTENSÃO A TODO O TERRITÓRIO NACIONAL.

A ré investe contra a sentença que defere a abrangência da decisão a todo o território nacional. Afirma não se cogitar de dano em nível nacional, salientando não haver nem sequer alegação, no curso do processo, quanto à ocorrência de dano fora do Estado do Rio Grande do Sul, não se justificando a condenação neste sentido. Diz que a diferenciação entre ações coletivas trabalhistas e ACPs ambientais e de consumo impede a aplicação generalizada da interpretação do STJ sobre o artigo 16 da LACP, não se podendo atribuir à sentença coletiva trabalhista uma eficácia que ela não tem o condão de comportar, exatamente como no caso presente, em que a controvérsia submetida ao Juízo foi desde o início circunscrita ao âmbito regional. Aduz que a eficácia da ação coletiva trabalhista, em que se discutiu a conduta da empresa apenas e tão somente em seu estabelecimento regional, é ampla, mas não pode exceder os limites traçados por aquilo que foi objeto de discussão e contraditório no feito, ou seja, a conduta da empregadora no estado do RS. Menciona que tais questões não foram corretamente avaliadas pelo Juízo da origem. Requer a reforma da sentença neste aspecto.

Nada a reparar, no entanto.

Como acima destaquei, a presente ação civil pública com pedido de antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional trata-se de verdadeira ação coletiva voltada à tutela de direitos individuais homogêneos.

E nada há mais homogêneo do que a múltipla lesão coletiva perpetrada pela demandada, que tem em sua causa uma só origem: o descumprimento de direitos emanados das relações de trabalho dos trabalhadores tutelados na presente ação. Obviamente, a natureza coletiva da lesão atrai ação de mesmo gênero, capaz de ceifar em um único golpe uma mesma ilegalidade.

No particular, acresço que não há dúvida de que os direitos vindicados se inserem na categoria dos individuais homogêneos, cuja definição vem estampada no inciso III do parágrafo único do art. 81 do CDC, que dispõe: “a defesa coletiva será exercida quando se tratar de: (…) III – interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.”

Pode-se afirmar que direitos individuais homogêneos são aqueles decorrentes de um fato comum, não necessariamente de origem concomitante, sendo essencial que decorram do mesmo nexo causal (espécie dos autos).

No caso, a causa de pedir interessa, em primeiro lugar, à sociedade, configurando tutela de direitos difusos relativos ao respeito ao ordenamento jurídico-social e aos Direitos Humanos. Por outro lado, interessa também à comunidade de pessoas trabalhadoras tutelada na ação. É, pois, evidente que os direitos violados caracterizam-se ainda como coletivos stricto sensu – pois as pessoas trabalhadoras do

empreendimento são determináveis por grupo e ligados com a parte contrária por meio de um vínculo jurídico laborativo, aqui considerado pelas pessoas empregadas no passado, presentes e futuros do empreendimento; e, também, como individuais homogêneos, representados pelas postulações de danos individuais originadas de um mesmo fato comum (violações legais e normativas).

Ora, antes de serem homogêneos, os direitos são sempre individuais. Assim, a natureza dos direitos não deve ser analisada de uma forma restrita, bastando apenas a origem comum da lesão para caracterizá-los, pela homogeneidade, como direitos coletivos lato sensu e, nesta senda, identificar-se a lesão comum e sua origem.

Por outras palavras, a natureza do direito não muda pela sua virtual localização geográfica ou territorial e a presente ação tutela as três espécies de direitos coletivos ao mesmo tempo: interesses difusos, coletivos stricto sensu e individuais homogêneos.

A ação civil pública visa justamente a alcançar a prestação jurisdicional para um número maior de pessoas beneficiadas, obtendo celeridade e economia da atividade judiciária, ou seja, menos dispêndio de esforços e mais eficácia no resultado, pois a homogeneidade relaciona-se ao direito postulado e não à sua quantificação.

Portanto, quanto à abrangência territorial dos efeitos da decisão recorrida, confirmo a sentença pelos próprios fundamentos, os quais adoto como razões de decidir: “(…) Nesse contexto, diversamente do disposto no art. 16 da Lei n° 7.347/85, posteriormente alterado pela Lei 9.494/97, a sentença não está circunscrita aos limites territoriais (geográficos) do órgão prolator, na medida em que os arts. 93 e 103 do CDC, aplicável ao microssistema da tutela coletiva, estabelece que os direitos coletivos em sentido amplo são indivisíveis para fins de tutela. Dessa forma, não há razão para que a decisão que os define seja limitada territorialmente. Inclusive, o Superior Tribunal de Justiça, nos Embargos de Divergência em Recuso Especial n° 1134957/SP, em revisão de sua jurisprudência, já assentou o entendimento de que a eficácia das decisões proferidas em ações civis públicas não deve ficar limitada ao território da competência do órgão jurisdicional que prolatou a decisão. Nesse sentido, ainda, o mesmo tribunal já explicitou: “Os efeitos da sentença proferida em ação civil pública versando direitos individuais homogêneos em relação consumerista operam-se erga omnes para além dos limites da competência territorial do órgão julgador, isto é, abrangem todo o território nacional, beneficiando todas as vítimas e seus sucessores, já que o art. 16 da Lei nº 7.347/1985 (alterado pelo art. 2º-A da Lei nº 9.494/1997) deve ser interpretado de forma harmônica com as demais normas que regem a tutela coletiva de direitos.” (STJ, REsp1594024/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA,
julgado em 27 /11/2018, DJe 05/12/2018). Portanto, sanando a omissão apontada, acresço à sentença (fundamentação e dispositivo) que a abrangência territorial da presente decisão alcança todo o território nacional.”

Nego provimento, pois.

Adotada tese explícita e implícita sobre tais argumentos, restam implicitamente rejeitados todos os demais, na forma do art. 489, §1º, do NCPC a contrario sensu.

Não há falar em violação aos dispositivos constitucionais e legais invocados pelas partes, inclusive em contrarrazões, os quais, diante da adoção de tese jurídica explícita sobre a matéria, consideram-se prequestionados para os devidos fins, nos termos da Súmula 297, I, do TST e da OJ 118 da SDI-1 do TST.

PREQUESTIONAMENTO

Adotada tese explícita a respeito das matérias objeto de recurso, são desnecessários o enfrentamento específico de cada um dos argumentos expendidos pelas partes e referência expressa a dispositivo legal para que se tenha atendido o prequestionamento e a parte interessada possa ter acesso à instância recursal superior. Nesse sentido, o item I da Súmula 297 do TST e a Orientação Jurisprudencial 118 da SDI-1, ambas do TST.

Também é inexigível o prequestionamento de determinado dispositivo legal quando a parte entende que ele tenha sido violado pelo próprio Acórdão do qual pretende recorrer, conforme entendimento pacificado na Orientação Jurisprudencial 119 da SDI-1 do TST.

Isto considerado, tem-se por prequestionadas as questões e matérias objeto da devolutividade recursal, bem como os dispositivos legais e constitucionais invocados pelas partes.

Relator

VOTOS

DESEMBARGADORA BRÍGIDA JOAQUINA CHARÃO BARCELOS:

Acompanho o voto do Exmo. Desembargador Marcelo José Ferlin D’Ambroso.

JUIZ CONVOCADO LUIS CARLOS PINTO GASTAL:

Pede-se licença ao eminente Relator para divergir quanto ao seguinte item da condenação:

“c) majorar o valor da indenização por dano moral em razão de dispensas discriminatórias para
R$100.000,00, para cada trabalhador dispensado no período de 12 meses após a alta previdenciária, observado o período de apuração referente ao inquérito civil público nº 001126.2014.04.000/3 em cotejo da avaliação constante do laudo contábil anexado a estes autos;”.

Tal como consta, a condenação ganha contornos imprecisos quanto a magnitude, desde uma vez que o laudo pericial aferiu dispensas de trabalhadores após 6 meses do término de afastamento previdenciário; e, existem cotejos considerando a totalidade da empresa e outros, mais restritos, atinentes a um CNPJ específico e regional.

Por outro modo, não necessariamente tais despedimentos foram discriminatórios, além do aspecto de que a informação é apreciável apenas pelo que excede da rotatividade regular ou habitual existentes na administração de pessoal empregado.

Finalmente, tem-se em conta que o autor formulou pedido certo na inicial, embora tenha reiterado o pleito de R$ 1.000.000,00 “pelo mínimo” quando de seu recurso.

Mesmo que se reconheça a possibilidade de fixação pelo juízo acima desse patamar, sobretudo visando a eficácia para vergar condutas que se reputam não lícitas à licitude, tem-se razoável o valor inicialmente proposto para o fim de construir melhorias na condição social dos trabalhadores empregados com a retificação da conduta da reclamada.

Concordaria, enfim, em manter apenas a indenização de dano moral coletivo no montante de R$ 1.000.000,00.

PARTICIPARAM DO JULGAMENTO:

DESEMBARGADOR MARCELO JOSÉ FERLIN D AMBROSO (RELATOR) DESEMBARGADORA BRÍGIDA JOAQUINA CHARÃO BARCELOS
JUIZ CONVOCADO LUIS CARLOS PINTO GASTAL

 

 

 

 

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