Crítica da ideologia gerencialista do governo estadual e municipal (parte 3)

Coluna Democracia e Política

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Foto: Daniela Barcellos/Palácio Piratini

Foto: Daniela Barcellos/Palácio Piratini

 

Um discurso aparentemente reformista

O capitulo segundo de “Gestão como doença social”, de Vincent de Gaulejac (Editora Ideias e Letras, 2017) é dedicado aos fundamentos da ideologia gerencialista. Para Gaulejac “ a gestão apresenta-se como pragmática e, portanto, não ideológica, fundada sobre a eficácia da ação, mais do que a pertinência das ideias” (p.67). Mas a força da metalinguagem da ideologia gerencialista não funciona do modo como prevê o autor para o caso da ação do Prefeito Nelson Marchezan Jr ou do govenador José Ivo Sartori: enquanto que na ideologia gerencialista de Gaulejac, sua transformação em metalinguagem influencia dirigentes, empregados e a administração em geral, nos governos municipais o menos influenciado parece ser o servidor público, as chefias mediatas e o mais influenciado, a sociedade que, acreditou numa promessa de eficiência e elege governantes com uma visão de empresa privada.

Porquê a ideologia gerencialista se manifesta de forma tão distinta? Porque desde o início de sua campanha o governador José Ivo Sartori prometeu a sociedade uma ação eficaz para resolver os problemas do estado, mesmo não fazendo promessa alguma para as categorias de servidores, para espanto do magistério público estadual. A mesma estratégia foi adotada por Nelson Marchezan Jr cujo programa amplamente divulgado hoje vê sua prática como uma mera sombra do que pretendia desenvolver como política pública.

É só pensar, na sua proposta de governo, do quanto defendeu um relacionamento respeitoso com os servidores públicos e hoje, praticamente encontra-se em pé de guerra com os mesmos. A imagem de eficiência tem um um simulacro claro nas equipes selecionadas via “banco de talentos” com o objetivo de garantir que a administração pública atendesse os pressupostos gerencialista de sua gestão. Passou-se, cada vez mais a ver cargos em comissão pelas repartições da prefeitura como a imagem perfeita do simulacro do prefeito, do administrador, um estilo revelador de uma ideologia, com seus ternos e cabelos alinhados, com seus silêncios, que provocou em certos meios, uma certa ironia conspiratória, da qual fala o sociólogo Michel Mafessoli. Mas o servidor, este não se deixou afetar por um projeto cuja consequência é a redução de custos via terceirização e precarização do trabalho.

Uma ideologia para inglês ver

A ideologia gerencialista de Sartori e Marchezan, vem assim, para influenciar mais o campo externo do que interno do estado e do município. É com vistas ao público, a sociedade, que a ideologia gerencialista baseada na eficácia da ação se dirige, ela não está preocupada em discutir suas bases, no caso, a filosofia neoliberal, ela está preocupada em apresentar-se como eficiente para resolver o caos em que se encontra estado e município. Mas seu efeito é o contrário de sua promessa, e só vemos pelo  estado mais caos com as propostas de privatização e no município, com a desvalorização do servidor, mais conflitos. Por isso não vemos em nenhum momento Marchezan e Sartori assumirem-se como neoliberais – quando de fato são – mas “saneadores”, que vieram “para arrumar a casa”, metalinguagem de consumo fácil para o público que busca a promessa de eficiência a saída para os problemas do estado e do município.

O pragmatismo de ideologia gerencialista é mais evidente no caso de Nelson Marchezan do que José Ivo Sartori. O primeiro explicitamente defendeu a contratação de experts para prescreverem modelos de administração da prefeitura. Matéria da jornalista Flavia Benfica do Jornal do Comércio (19/11/2016) apontou que no pacote de medidas encaminhado pelo governador a Assembleia Legislativa colocaram de um lado “empresários e políticos entusiastas do modelo baseado na apresentação de resultados e de um Estado enxuto.

De outro, especialistas que defendem que o modelo privado fere os princípios que norteiam a administração pública, entre eles o da legalidade e o da impessoalidade. ” Naquele momento, o governador José Ivo Sartori havia participado de evento do Movimento Brasil Competitivo (MBC) no estado do Paraná onde o governador defendeu o modelo de gestão privada como forma de acabar com a crise do Estado. “No RS implantamos um sistema de governança e gestão baseado em indicadores e metas, com apoio do PGQP e do MBC. A reportagem menciona também que o govenador se elegeu ”defendendo a adoção de técnicas empresariais que se associam à competência. Ele trouxe para a equipe de transição duas técnicas de fora do Estado que, segundo o vice eleito, Gustavo Paim, são pagas pelo MBC (…)

Foto: Karine Viana/Palácio Piratini

Foto: Karine Viana/Palácio Piratini

 

Consultorias atravessando o público em nome do privado

Na campanha do candidato  Marchezan, este  se referia à administração pública como sendo ineficiente, burocrática, ultrapassada e “dominada por corporações”. Matéria de ZH de 3/5/2017 assinala que os primeiros meses da gestão do prefeito Nelson Marchezan (PSDB) em Porto Alegre foram marcadas por uma consultoria contratada “para auxiliar o município a alterar pontos fundamentais da administração.” A matéria destaca que a empresa Falconi Consultores de Resultados está colaborando com as medidas como a reforma administrativa. Para a reportagem, “nas últimas décadas (a Falconi) , construiu um pequeno império dentro e fora do Brasil aplicando dois conceitos básicos aos setores público e privado: estabelecimento de metas e meritocracia.”

A reportagem assinala que em fevereiro, Marchezan assinou um acordo de cooperação com a organização civil Comunitas, financiado por contribuições empresariais de empresas como Gerdau, Iguatemi, Itaú, Votorantim e CPFL Energia. Segundo a reportagem, a consultoria dará apoio à reforma administrativa que altera funções e estruturas das secretarias, revisar contratos e despesas para reduzir o déficit nas contas públicas, estabelecer metas a serem alcançadas em cada secretaria e indicadores para avaliação do trabalho prestado. Para os servidores, as propostas elaboradas faremos princípios da boa administração pública, substituindo obrigação com políticas públicas por obrigações com rendimentos, monetarizando o que deveria ser obrigação social. Tirando direitos para reduzir despesas, o município termina por retirar-se do cumprimento de suas obrigações sociais.

Estado não  é empresa, dizem os servidores.  A Facolni, empresa contratada, tem trajetória que inicia nos anos 80 com a importação do conceito de Qualidade Total, passou pelos trabalhos do choque de gestão da adminsitraçaõ Aécio Neves (PSDB) envolvido em denúncias de corrupção, pelo governo Antonio Brito (PMDB), Germano Rigotto (PMDB) e Yeda Cruius (PSDB), sempre aliado de governos neoliberais e pró-mercado.

A ausência da cidadania

A reportagem de ZH apresentou o depoimento do professor de Administração Pública da UFRGS Aragon Érico Dasso Jr. que questiona a aplicação de métodos empresariais na gestão pública: “– A metodologia utilizada não leva em conta a participação da cidadania na tomada de decisões.”  Em outra matéria que critica as parcerias, a divergência entre gestão pública e privada é apontada pelos estudiosos: “Há um erro crasso na tentativa de implantar um modelo de gestão privada na administração pública: o fato de que os setores público e privado têm lógicas opostas. Na iniciativa privada se olha o resultado e o lucro.

O setor público é fundamentado na questão social e no processo”, destaca o professor de Administração Pública da UFRGS, Aragon Érico Dasso Júnior. “O poder público contrata consultorias a alto custo mesmo possuindo uma burocracia estatal que, via de regra, é mais qualificada do que esses consultores privados. E, o mais incrível: paga para que determinados grupos e movimentos, que possuem seus próprios interesses, acessem dados estratégicos dos governos”, completa o professor Adalmir Antonio Marquetti, do Departamento de Economia da PUCRS.

Para Gaulejac, há uma diferença entre ciências da gestão e ideologia gerencialista. As primeiras analisam modalidades de organização da ação coletiva enquanto que as segundas estão a serviço do poder gerencialista para garantir a empresa. “A gestão de perverte quando favorece uma visão de mundo no qual o humano se torna um recurso a serviço da empresa”, afirma Gaulejac. O problema da gestão é que ela deixou de pesquisar a melhor utilização de recursos para perseguir a finalidade escolhida por indivíduos. “Designar aqui o caráter ideológico da gestão é mostrar que, por trás dos instrumentos, dos procedimentos, dos dispositivos de informação e comunicação, encontram-se em ação certa visão de mundo e um sistema de crenças” assinala Gaulejac. (p.69).

Qual o efeito destes sistemas:  a “ilusão de onipotência, do domínio absoluto, da neutralidade das técnicas e da modelação das condutas humanas” (idem). A VISÃO DE MUNDO É A VISÃO NEOLIBEAL, QUE LEGITIMA O LUCRO COMO FINALIDADE.  Não é exatamente este o espirito da gestão de Nelson Marchezan Jr, onde os servidores públicos são recursos a serviço da empresa, não importa sua qualificação, seu tempo de serviço, seu conhecimento da realidade e do público que visa atingir: sempre é uma visão que transforma servidores em objetos. Mas a contrapartida é clara no comportamento do Prefeito: ele não é acusado por seus auxiliares de onipotente, ele não parece querer ter o poder absoluto sobre a máquina pública, seus servidores e serviços. Ora, aqui nada é neutro, está-se a serviço de um projeto de poder.

downloadJorge Barcellos é Articulista do Estado de Direito, responsável pela coluna Democracia e Política – historiador, Mestre e Doutor em Educação pela UFRGS. É autor de “Educação e Poder Legislativo” (Aedos Editora, 2014), coautor de “Brasil: Crise de um projeto de nação” (Evangraf,2015). Menção Honrosa do Prêmio José Reis de Divulgação Científica do CNPQ. Escreve para Estado de Direito semanalmente.

 

 

 

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