Coluna Democracia e Política
Se você deseja se tornar um colunista do site Estado de Direito, entre em contato através do e-mail contato@estadodedireito.com.br
Um tema recente
Amália Sina, em “Psicopata corporativo” (Editora Evora,2017) descreve o perfil de psicopatas no universo empresarial. Ela sabe do que fala: atuou como executiva por mais de 25 anos, sendo presidente da Phillip Morris do Brasil, Walita, Phillips além de ser diretora da Fiesp. Tem também autoridade acadêmica: é graduada em administração de empresas pela FEI e pós-graduada pelo Triton College de Chicago, além de ter sido premiada com o Troféu Cultura Econômica Brasileira.
Não é a primeira vez que especialistas se dedicam aos psicopatas no “dia a dia”. Kátia Mecler publicou “Psicopatas do cotidiano: como reconhecer, como conviver, como se proteger” (Editora Leya, 2015) e Ana Beatriz Barbosa Silva escreveu “Mentes perigosas: o psicopata mora ao lado” (Principium Editorial, 2014). A literatura os descreve como personalidades frias e sem consciência e afirmam que no mundo do trabalho há psicopatas, tese também que é a primeira conclusão de Sina em sua introdução.
Psicopatas no mundo do trabalho
No mundo corporativo, diz a autora, é comum acreditar que para vencer é preciso subjugar o outro e que as ações de dominação envolvidas nisso ficam sob o disfarce de “esse é o meu jeito de ser”. Para autora, no universo corporativo, aqueles que explicam a brutalidade, violência e ignorância de um gerente em relação a seus subordinados em termos de “esse é meu jeito de ser”, abrem o caminho para serem reconhecidos como psicopatas.
Minha ideia é que se existem psicopatas no universo corporativo, também podem existir psicopatas no universo do serviço público. Ninguém está livre de ver uma pessoa ocupar um espaço de poder e exercer com ares de superioridade e impulsividade seu cargo, características que ajudam a identificar o psicopata. Por isso é preciso identificar com base na literatura, elementos que colaboram na identificação do psicopata. Imaginemos como definir um prefeito psicopata. Usarei como exemplo a figura do Prefeito, por ser mais próxima da população, ser constantemente referência na imprensa e muitas pessoas terem em mente um. Evidentemente, é apenas um ensaio de interpretação não havendo indicação de qualquer prefeito específico, ainda que o leitor possa fazer sua própria leitura.
O prefeito psicopata
A partir da revisão de literatura, entendo que o prefeito psicopata define sua ação autoritária como “seu jeito de ser”. Este estilo já emerge na campanha política para a Prefeitura quando o então candidato se vangloria de defeitos, que, à guisa de inversão, busca que o qualifiquem. Ele afirma que seus defeitos como ser autoritário e centralizador são na verdade qualidades porque é o candidato que “não desiste jamais”, “que vai enfrentar tudo e a todos” e “que foi escolhido para fazer uma grande obra“. Os cidadãos votam nele pelo líder que vem em sua propaganda, por seu ar de superioridade e certeza em relação aos problemas, pela forma de se apresentar, sempre dinâmica, que pode ser, por exemplo, caminhando para as câmaras. Ele é eleito porque os cidadãos foram enganados: o psicopata sabe manipular os signos de marketing e de propaganda eleitoral como ninguém, sabe ser visto como forte e destemido e por isso, sua propaganda eleitoral tende a impressionar logo de cara, garantindo-lhe os votos na eleição. Mas tudo se passa no imaginário, se trata de apresentar a imagem de candidato não como aquele capaz de realizar um projeto de governo mas como o “capaz de transpor facilmente os desafios”.
Logo que inicia sua gestão, aparecem os resultados de sua psicologia peculiar: seus subordinados o abandonam. Porquê? Porque os prefeitos psicopatas “são superficiais nos relacionamentos, usam as pessoas para seu próprio benefício e não se preocupam com o mal que podem causar a quem quer que possa impedir sua escalada ao poder. A literatura aponta que são seres com alta capacidade de sedução e grande habilidade em manipular, podem parecer “normais” e até encantadores, mas são doentes de corpo e alma : são pessoas sem piedade, sem respeito e misericórdia pelos demais. É essa forma de usar seus colaboradores como objeto que provoca o afastamento de seus subordinados; é essa capacidade de sedução que, ainda que tenha sido capaz de garantir votos, não é capaz, passada a eleição, de manter seus subordinados.
Amália Sina fala porque conhece com profundidade o mundo das organizações depois de 30 anos de trabalho onde conheceu os mais diversos tipos de personalidade. Diz Mário Sergio Cortella, no prefácio, que “ela não é, de modo algum, amadora nessas tramas que emergem dos relacionamentos e convivências inerentes ao cotidiano de colegas de trabalho” (p. XIV). Minha hipótese, como a de Sina, é de que, assim como nas empresas podem ter a presença de pessoas com psicopatia, com transtorno de personalidade, portadoras de uma doença que afeta seu portador e seu círculo de trabalhadores, da mesma forma, no universo do serviço público, isso pode ocorrer, e pode atingir, inclusive, o Prefeito.
Elegendo psicopatas
A cidade que elege um psicopata como prefeito sofre imensamente com isso. Primeiro sofrem aqueles que estão diretamente relacionadas com ele, seus secretários de governo, todo o chamado “primeiro escalão”. A razão é que esse prefeito, quando psicopata, exerce um poder desmesurado no ambiente em que atua, empregando força psicológica para o cumprimento de suas decisões, que tem como resultado serem destruidores para seu círculo ou sua base. Como afirma Sina, a psicopatia é uma doença que exige indulgência e que conduz um governo ao risco, a vulnerabilidade e a temeridade. Você pode compreender que tem um prefeito psicopata, você vai analisando suas características uma a uma que o revelam, mas isso não significa que uma cidade, seus servidores, sua base de apoio político, deva aceita-lo “temos de conhecer e enfrentar as causas e os efeitos deletérios que eventualmente decorram da atitude de alguém, de modo a proteger a integridade do coletivo” (p.14). Para isso é preciso entender bem o que pode ser um prefeito psicopata para não se tachar de formar irresponsável, não menosprezando seus efeitos nocivos e nem facilitando suas práticas danosas.
Não apenas pessoas próximas, mas até uma cidade pode estar vulnerável a um psicopata. A história está repleta de exemplos de inúmeros governantes que foram considerados loucos por suas ações. Aloys Winterling, em “Loucura imperial na Roma antiga” (História, 2012, vol.31, n.1 pp.4-26) cita três exemplos clássicos de loucura no poder. O primeiro é o imperador Calígula, que governou o Império Romano de 37 a 41 d.C. e que agiu de forma estranha diversas vezes, tendo ficado conhecido porque queria fazer cônsul seu cavalo e afirmou ser capaz de comunicar-se com a deusa lunar. O segundo exemplo é Nero, imperador de 54 a 68 d.C., que, ao mesmo tempo em que fazia coisas que fascinavam as massas pois cantava, tocava cítara, escrevia poesia, conduzia bigas, fazia banquetes púbicos ao mesmo tempo era narcisista, mandando construir um palácio para si mesmo e teria colocado fogo em Roma. O terceiro, Domiciano, que aterrorizou de forma sistemática a aristocracia romana ao mesmo tempo qie desenvolveu medo de conspirações.
Governantes psicopatas ao longo da história
Para Winterling, Calígula, Nero, Domiciano são a prova de que as histórias de diversos governantes chegaram até nós por comportamentos que hoje seriam considerados loucos, desde o ódio e perseguição a aristocracia senatorial, a prática da crueldade, a megalomania e não raro, possam ser tomados como sinais de doença mental. Junto com Cômodo, que governou Roma entre os anos 180 e 192, deram origem ao termo “loucura imperial”, que surgiu no século XIX e foi aplicado a governantes contemporâneos. Para fugir ao erro de psicologizar com as categorias do presente personagens do passado, Winterling usa a descrição de loucura de contemporâneos como Cornelius Celso, Galeno e Plinio, o Velho, todos autores que estudaram a loucura na época clássica e que reconhecem o comportamento irracional como uma parte importante da definição de loucura. Finaliza o autor ”Calígula, ao mesmo tempo, bisneto de Augusto e Marco Antonio; Nero, ao mesmo tempo, bisneto, sobrinho e filho adotivo de um imperador; Domiciano, filho de um imperador – todos abertamente pretendiam mostrar-se os primeiros, os melhores, mais corajosos e mais famosos, emulando seus antepassados imperiais para superá-los – sem qualquer cuidado para eventuais perdas”.
Winterling, concordando com Sina, acredita que além do componente genético, é o ambiente que tem importância na formação de uma personalidade psicopata. E por isso é uma doença difícil de ser diagnosticada, imagine afirmar que um Prefeito o seja “um psicopata nem sempre, ou raramente, é pego cometendo atitudes criminosas, já que sua inteligência e astúcia lhe credenciam a atuar de maneira discreta, lenta, porém não menos danosa” (p. 4).
A mente do prefeito psicopata
Sina afirma que existe dois tipos de psicopata. O primeiro é aquele conhecido que comete crimes hediondos e submete suas vítimas a grande sorte de dor e terror. O segundo, o que pretendo analisar e que nos inspira, é um tipo de psicopata que vive no ambiente de trabalho dissimulando suas atitudes. Há distinções entre psicopata e sociopata, enquanto o psicopata teria uma origem inata, o sociopata teria uma origem social “Ambos têm distúrbio social de personalidade, o que varia é o grau de consciência”, diz Sina.
O prefeito psicopata não tem empatia ou misericórdia. Ele não sente empatia com seus servidores. Não tem misericórdia, pode propor a extinção de órgãos públicos sem dar atenção alguma a demissão de seus servidores e não imagina, ou não quer imaginar, o sofrimento que seus atos projetam. Sina afirma que algumas características são típicas da psicopatia e propomos sua leitura para o chefe de qualquer poder executivo municipal.
Características do prefeito psicopata
A primeira característica a partir da leitura de Sina é que prefeitos psicopatas tem um comportamento voltado a manipulação das pessoas por meio da oratória bem desenvolvida. Se olharmos seus discursos, suas justificativas de extinção de órgãos públicos, sua defesa da retirada de direitos dos servidores, a primeira vista aparecem envolvidas em uma lógica e tem aparente coerência. Mas elas revelam-se mentirosas porque ocultam os prejuízos que trazem a administração, a vida da cidade, ao poder público. O prefeito psicopata se acha melhor do que os outros, sua visão é melhor que as dos demais, sua autoestima é sempre exagerada, a do prefeito que veio para mudar, de forma radical, a vida da cidade “não espere benevolência de um psicopata”, diz Sina. Não é assim para prefeitos psicopatas cujas medidas extinguem setores e órgão com história na vida da cidade? “O psicopata não tem nenhum compromisso com a verdade. Ele vive num mundo criado por ele mesmo” diz Sina.
Prefeitos psicopatas podem propor a extinção de órgãos públicos, carreiras e direitos dos servidores, sem dúvida alguma, razão pela qual são prefeitos sem culpa. Os servidores atingidos sempre os veem como atores que produzem maldade e crueldade, mas os prefeitos não sentem remorso pelo que fazem, aliás, acreditam que é sua obrigação. Culpam suas equipes, a fraqueza dos que o cercam, dos servidores, do primeiro escalão, que julga pelos erros – o prefeito psicopata nunca reconhece seu erro “o problema e a culpa são sempre dos outros”, diz Sina.
Efeitos do prefeito psicopata sobre equipes
O prefeito psicopata segue na sua produção de uma trajetória do mal. Por isso as pessoas se afastam dele, pedem para sair, fala por detrás delas, pelas costas. Suas medidas sempre provocam reações de recusa, de resistência. Enquanto Sina declara ter visto várias ao longo de sua trajetória no mundo corporativo, não é impossível imaginar o mesmo acontecendo no campo público. É possível que muitos que sejam subordinados, em cargos de primeiro escalão, vejam o prefeito mandar fazer várias coisas que os deixem confusos. Seus seguidores, diretores, secretários, reclamam que não conseguem acompanhar seu ritmo, se sentem incompetentes. É, no entanto, característica do psicopata criar problemas, criar metas impossíveis de atingir, é sua necessidade quebrar metas, ser impaciente.
Para Sina, isto deve-se ao fato de que veem de lares onde enfrentaram algum tipo de dificuldade, um pai famoso na política, mas ausente da família, etc. “Atualmente são confundidas as características de um psicopata com as necessárias para uma gestão em tempos de crise”, diz Sina (p.7). Não é exatamente isso que leva a vitória vários candidatos a prefeitos que são psicopatas, essa assertividade absoluta focada em resultados absolutos, sua agressividade para tomar decisões impopulares, sua resistência a sobreviver a pressões, sua incapacidade de negociar, características que revelam psicopatas em diversos níveis. Para a autora, resistimos muito a ver o mal como prática humana e esquecemos que ele emerge nas corporações. E completo: no serviço público.
Servidores públicos e a cidade podem ser vítimas do prefeito psicopata de plantão. Se eles existem no ambiente de trabalho, como provou Sina, eles podem existir na administração pública. Os servidores públicos são vítimas de administradores psicopatas quanto vivem em situações limite que prejudicam seu trabalho e sua saúde.
Como o prefeito psicopata engana seu público
O problema de uma cidade ter um prefeito psicopata é o fato de que é muito difícil discernir no convívio técnicas de persuasão. Para o prefeito psicopata é muito fácil usar da intimidação, do medo e da malignidade, há relatos de subordinados do prefeito que saem chorando de suas reuniões – os jornais locais podem citar as cenas mas não conseguem identificar quem. Prefeitos psicopatas colocam seus indicados em posições chaves não por sua competência, mas pela facilidade com quem podem manipula-los. O prefeito psicopata pode dizer a imprensa local que trabalha horas a fio, mais de 12 horas na prefeitura, trabalhando ainda outras horas por telefone ou celular, mas essa dedicação a administração pública é uma das provas que sua personalidade é doente, mas na verdade, diz Sina, ele delega o pesado a alguém para receber o crédito do resultado. Por exemplo, numa semana de aniversário da cidade, ele pode promover uma programação, que na verdade, é de outros setores, mas que o crédito assume como seu.
Prefeitos podem revelar níveis diferentes de psicopatia, de leve, moderado a grave. Ainda que possam ser aprofundados aspectos físicos e psíquicos dos prefeitos psicopatas, a mente de um prefeito psicopata, aqui busca-se definir o comportamento psicopata de um prefeito na instituição pública “alguns indivíduos, atuam de maneira muito competente, mas por trás, agem de maneira escusa, traindo e fraudando informações” (p.9) diz Sina.Servidores públicos são, em especial, vítimas preferidas dos prefeitos psicopatas. Isso porque estão num grau de subordinação onde diretamente sentem os danos morais produzidos na prefeitura.
Porque psicopatas conquistam o poder? Porque usam da artimanha e astúcia, levam suas campanhas eleitorais a produzir o erro no voto, fazendo uma inversão de valores, onde candidatos trabalhadores são levados a perder seu espaço. O prefeito psicopata produz um discurso de destruição, mas agem com um sorriso no rosto, com gestos cheios de certeza. “O psicopata se preocupa com sua imagem, pois precisa estar acima de qualquer suspeita”, diz Sina. Se por um lado, em suas entrevistas, apresenta-se como o dono da verdade, com a solução para todos os problemas da cidade, por outro, pode usar de ocasiões junto à comunidade para construir uma imagem de líder popular. E não se dá consciência, muitas vezes, das situações de “ridículo politico”, na expressão de Marcia Tiburi, em que se envolve, seja dançando músicas populares para o público se deleitar, seja postando em sua página do Facebook piadinhas de ocasião. “Mas nada é verdadeiro, pois, para o psicopata, o bem que interessa é somente o dele mesmo”, diz Sina.
O prefeito psicopata não tem senso do ridículo
O prefeito psicopata se expõe ao ridículo porque não tem consciência de si mesmo, do que ele é, e, por isso, não é capaz de amar ninguém. Qual é a imagem cultivada pelos verdadeiros prefeitos: a daquele que ama sua cidade, mas também ama seus servidores. O prefeito psicopata não ama ninguém porque não ama sua cidade, ama o capital. Suas ações, a iniciativa de venda do patrimônio da prefeitura, são sempre sua declaração de amor ao capital e não a cidade; o prefeito psicopata não ama seus servidores porque visa a privatização, substitui-los pela iniciativa privada, objeto de seu verdadeiro amor. Falta ao prefeito psicopata aquilo que Sina chama de “razão e sensibilidade”, não sabe que seus servidores trabalham porque amam o que fazem, bem ao contrário do prefeito psicopata, que apenas usa a mente para administrar e nunca o coração.
Os servidores públicos e os cidadãos em geral têm muita dificuldade em identificar um prefeito psicopata. São ingênuos ao acreditar que não haja a possibilidade de um psicopata chegar ao poder, o que a experiência história já demonstrou. Elas são as presas preferidas dos prefeitos psicopatas. Sua dissimulação evita que enfrentem quem tem poder de revelar seu interior, preferem os servidores públicos porque são vítimas frágeis, são subordinados, e por isso, sem concorrência em produzir mal, não tem concorrentes.
Estratégias do prefeito psicopata
Sina afirma que o psicopata corporativo surge nos bancos, em primeiro lugar. Mas eles podem surgir também numa prefeitura porque estas instituições compartilham com os bancos o poder sobre o dinheiro, no caso, dos contribuintes, que administra. Além disso, com a implantação da meritocracia, um dos seus objetivos enquanto prefeito psicótico neoliberal, é sempre impor um ambiente competitivo para produzir supere exploração do trabalho do servidor público. Mas assim como Sina aponta que há no mercado psicopatas financeiros quebrando empresas por conta de decisões egoístas voltadas para si mesmo, apostamos que possam existir prefeitos psicopatas capazes de quebrar prefeituras por conta de suas ações doentes, sua psicopatia, que os obriga a tomar decisões egoístas e que não visam o benefício da prefeitura.
Por isso sua atuação, no que se refere aos servidores públicos, é sobre os planos de carreira. Prefeitos psicopatas desejam estimular a concorrência entre servidores, da mesma forma que presidente psicopata nas empresas estimula a concorrência entre executivos “Nesse segmento, as corporações criam verdadeiros predadores uns dos outros, afim de poderem chegar aonde querem”. Não é assustador que essa lógica perversa do sistema privado seja introduzida no setor público justamente por aquele que deveria protege-lo, o Prefeito? Não é assustador que o Prefeito deixe de pensar em prestação de serviços públicos, para dar lugar a uma luta pela apropriação da prefeitura pela iniciativa privada? “O jogo do psicopata se alicerça na autopromoção baseada no esforço alheio, ou seja, subir a qualquer preço, nas costas de suas vítimas”, diz Sina. (p.11). O prefeito psicopata nunca se coloca no lugar do servidor público, ele age assim não porque é um prefeito doente, mas porque é um prefeito frio e calculista.
Todo prefeito tem, em algum movimento do exercício do cargo, com seus subalternos, momentos agressivos, egoístas, mas nisso, nos termos de Sina, não significa que sejam psicopatas. Para a autora, eles são prefeitos psicopatas quando suas ações são continuas, são transgressoras das regras do bom convívio entre os servidores públicos e seu prefeito de maneira continua, “o psicopata tem completa ciência dos seus atos, o que o torna totalmente responsável pelos resultados de suas ações” (P.12).
O prefeito como tipo de psicopata
Denomino prefeito psicopata o indivíduo que assume o cargo maior da administração municipal capaz de causar sofrimento a seus servidores e a cidade. É um tipo de psicopata social, tal como definido por Sina, que atua no interior da administração pública local. “Apesar de saber que causa dor aos outros, é incapaz de sentir qualquer arrependimento, essa palavra não faz parte de seu vocabulário”, afirma Sina. O prefeito psicopata chama de fraco aqueles que não são capazes de acompanhar seu ritmo, que pedem para sair, não tendo, por isso, o que se chama “peso na consciência”. É um tipo de “manipulador social”, para usar expressão de Sina, já que trapaceiam e nunca admitem que estão fazendo mal a alguém. Se consideram o rei, o centro do mundo.
Como prefeito psicopata, não ´se recomenda, como afirma Sina, enfrenta-lo. “Ele sempre irá reagir de maneira perigosa”. Ele não esquece seus inimigos, busca fazer o outro sofrer, é seu mantra, são vingativos. Prefeitos psicopatas podem estar escondidos em uma expressão facial controlada, sob um discurso aparentemente objetivo, que esconde uma mente doentia, de ódio ao servidor público. Seus servidores precisam aprender a lidar com um prefeito psicopata, não o agrida na frente de outros, porque o prefeito psicopata necessita da sensação de que controla todos a sua volta. Não se engane: se você é servidor público, certamente será objeto da perseguição do prefeito psicopata, simplesmente porque você é capaz de estar feliz em seu trabalho, para o psicopata prefeito, não há outro motivo melhor para desestruturar a carreira pública, retirar direitos, reduzir salários simplesmente porque quer toda atenção para ele.
O prefeito psicopata é difícil de diagnostica porque é dissimulado, tem comportamento duplo, são pessoas que se apresentam publicamente com certa coerência, mas são péssimos nas suas relações com seus subordinados, suas chefias, seus servidores. Psicopatas, ao contrário do que se vê na mídia, não precisam serrem criminosos, serial killer, pois são psicopatas não criminosos. “Ao contrário do que se imagina, a maior parte dos psicopatas não apresenta comportamento violento”. Sugiro que o prefeito psicopata procura uma gratificação no exercício do poder, do esmagamento dos servidores, da retirada de direitos, da extinção de órgãos, que o deixa excitado. Nos termos de Freud, no prefeito psicopata, o ego não media o id e o superego, então, o princípio do prazer, exercido pela violência contra o outro, não tem o controle do ego, e por essa razão, seu prazer é somente pelo comportamento antissocial. Inspirado em Sina, estas seriam as principais características para identificar um prefeito psicopata:
O prefeito psicopata tem dificuldades em se adaptar a administração pública
O prefeito psicopata não aceita perder, quer ganhar na administração pública de qualquer maneira, não conseguindo se adaptar aos ritmos, regras de evolução da administração. Ele alimenta um sentimento de grandeza, de que veio para transformar uma instituição cuja história desconhece, que tem um modo de funcionamento consolidado por décadas e que, sem apoio dos servidores, apenas na força de suas convicções, será capaz de alterar, para sempre, a natureza do serviço público municipal.
O prefeito psicopata não aceita “não”
A dificuldade do prefeito psicopata é aceitar o não. Ele não lida bem com situações contrarias a sua vontade. É o que acontece com o relacionamento com o poder legislativo. Prefeitos psicopatas tem dificuldade de se relacionar com a Câmara Municipal porque não aceitam negociar, não aceitam serem corrigidos. A Câmara, ao vetar um projeto de lei do prefeito psicopata, faz um castigo, encarna a figura patriarcal, não aceita as consequências de seus erros.
O prefeito psicopata tem impulsividade exagerada
A impulsividade é característica humana, mas a impulsividade exagerada é uma doença. Um prefeito psicopata dá uma impulsividade exagerada as suas ações sempre que reage de forma desproporcional as contrariedades do dia a dia, revelando baixa tolerância as reivindicações dos servidores, as críticas dos seus secretários e colaboradores. Por isso, seus atos são cruéis, seja retirando direitos consagrados, seja cometendo crueldades e perseguições a servidores.
O prefeito psicopata não tem moral
O prefeito psicopata não segue as regras culturais, de educação e tradição que orientam todos os demais. Ele as ignora, não respeita o que todo tem como parâmetro. Os princípios morais da boa administração pública como valorização dos servidores públicos não são reconhecidos pelo prefeito psicopata. Sua mente não atua como a maioria de nós agiria se fosse prefeito, protegendo as instituições, garantindo direitos conquistados, simplesmente porque a moral da tradição não é o seu forte.
O prefeito psicopata não aprecia o afeto
A maioria dos prefeitos alimenta sentimentos positivos para com sua cidade, suas instituições e seus servidores. A razão é que o afeto é positivo para o trabalho, para que o prefeito possa ver o servidor como extensão de si mesmo no caso do prefeito psicopata, isso não ocorre, porque o afeto não tem importância alguma, por isso sua forma de reagir a frustração é diferente. O prefeito psicopata não ama sua instituição.
O prefeito psicopata mente
Para o prefeito psicopata, administrar é criar uma grande mentira. Ele mente sobre a existência ou não de recursos para pagar servidores, o que pode ser desmentido pelo Tribunal de Contas; ele mente sobre manutenção de ônibus quando é ele que não autoriza as licitações para repor peças “ele descreve sua vida de grandes feitos e também de grandes dificuldades. O que varia é o que ele escolhe contar para se safar de problemas ou ainda para levar vantagem sobre outras pessoas”, diz Sina (p.16).
O prefeito psicopata foge da realidade
Como na esquizofrenia, o prefeito psicopata se mantém fora da realidade. Ele delira, revela alterações no pensamento, alterações de afeto. Essa fuga da realidade pode se manifestar em comentários sobre suas descobertas em viagens que poderiam ser usadas na cidade, quando, aqui, a situação é tão precária que sua novidade se torna risível aos olhos de todos. Seu delírio está em enviar para a Câmara projetos controversos pressupondo aprovação quando não consegue, suas alterações de afeto pelo ódio incomum que nutre por servidores públicos.
O prefeito psicopata manipula e encanta
É estilo de vida do prefeito psicopata a manipulação da pessoa. Ele tem técnica e talento, sabe falar e organizar informações, e por isso, é eleito e seu discurso tem convencimento. Seduz porque seu olhar é firme, caminha a passos largos. Seus colaboradores reclamam do nível de sofisticação de pedidos, e nisso manipula suas equipes. Seu assédio tem por base um falso respeito por seus subordinados, o que provoca desistências no primeiro escalão. Não distribui tarefas, centraliza.
O prefeito psicopata tem outro modo de matar
O prefeito psicopata é tão perigoso quanto psicopatas assassinos porque, apesar de não matar, possui outras formas de produzir a morte. Uma delas é sua insensibilidade com a história de servidores e instituições, que mata o serviço público. Ele se disfarça de administrador de bem, e cheio de si mesmo, destroçam o serviço público. Mata pela inflexibilidade de seu comportamento no serviço público, seus projetos matam porque provocam dor e sofrimento nos servidores e na população em geral.
Se o mote “conheça-te a ti mesmo” alerta para o autoconhecimento, de forma similar, “conhece teu prefeito”, é o caminho básico para evitar sofrimento e diagnosticar comportamentos prejudiciais em prefeitos eleitos. Sócrates dizia que o conhecimento vem de dentro; aqui, o conhecimento vem de fora, do reconhecimento de comportamentos e das ações que permitem identificar o prefeito psicopata. É preciso aprender diagnosticar o comportamento psicopata em representantes eleitos, trabalho minucioso que merece cuidado, que começa com a intuição de que se está diante de um prefeito psicopata, passa a definição de sua psicopatia a partir das caracteristicas de sua gestão, e por fim, em termos kantianos, torna-se uma ideia definidora de um agente público. E nesse momento, diante dessa certeza, cabe as autoridades competentes a promoção do impeachment por incapacidade técnica para o exercício das funções.
Jorge Barcellos é Articulista do Estado de Direito, responsável pela coluna Democracia e Política – historiador, Mestre e Doutor em Educação pela UFRGS. É autor de “Educação e Poder Legislativo” (Aedos Editora, 2014), coautor de “Brasil: Crise de um projeto de nação” (Evangraf,2015). Menção Honrosa do Prêmio José Reis de Divulgação Científica do CNPQ. Escreve para Estado de Direito semanalmente.