Chuvas e Rio Grande do Sul

Rio Grande do Sul

Ricardo Carvalho Fraga, Desembargador do Trabalho no Tribunal Regional do Trabalho no Rio Grande do Sul

 

Os atos de solidariedade ao Rio Grande do Sul têm sido muitos. As doações, de fora do Estado e daqui mesmo, chegam ao limite da capacidade logística para a distribuição. Dito de outro modo, as nossas relações sociais já estão quase superando as atuais estruturas materiais da sociedade.

Neste maio de 2024, foram muitas mensagens e vídeos sobre o Estado, nas redes sociais. As mensagens com demonstrações de solidariedade contribuem muito mais. As mensagens apenas demonstrando as tragédias são inevitáveis.

O site do Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul tem vários registros de entregas das doações.[i] Além desta, noticiada ao exato tempo destas linhas, muitas outras anteriores. Seguramente, muitas mais, nos próximos meses.

Uma iniciativa criativa, do centro do País, merece lembrança. É o sorteio de dezenas de livros jurídicos, organizada pelo Professor Dierle Nunes, de Minas Gerais.[ii]

Os números para remessas de valores por pix são muitos. Entregar doações em pontos de recolhimento centrais e maiores não supera a satisfação da entrega mais direta possível, ainda que sem função organizativa. Pessoalmente, se isto interessar ao leitor, acredito que doar brinquedos tem gratificação ainda maior, também para quem entrega.

Doar cobertores, nestes dias de temperatura abaixo de dez graus centígrados, é mais urgente e necessário em quase todo lugar. Provavelmente, tem um significado que escapa de nossa compreensão. Ouvindo um resgatador voluntário, percebi algo anterior ao sentimento de solidariedade. Estava visível uma simples vontade de sobrevivência da espécie.

As ideias de estado mínimo dificultam, até mesmo, a reconstrução após os desastres ambientais. A resposta mais imediata, ainda são os abonos emergenciais. [iii] Os aprendizados do direito ambiental têm sido desrespeitados. Este é o alerta da Juíza Maria Teresa Vieira da Silva, em Seminário realizado neste maio de 2024. [iv]

A emergência climática é visível, com o aquecimento global de um, dois ou, até mesmo, três graus centígrados. Existe, entre outras medidas, a necessidade de adaptação das cidades.[v] Acredita-se, agora, que, no futuro, não faltará a manutenção das proteções e, nem mesmo, os parafusos nos portões.

O Professor Alexandre Araújo Costa aponta a previsão de menor quantidade de água, no ano, todavia, bem mais concentrada em poucos dias, no sul do nosso continente.[vi] Os fenômenos climáticos extremos são diversos, apenas aparentemente. Todos têm origem no descuido do Planeta.

Elliot Aronson com Joshua Aronson demonstram que a capacidade de sentir dor social era uma valiosa ferramenta de sobrevivência para os primeiros humanos e, inclusive, que a dor emocional servia ao propósito de assegurar que as pessoas se importassem com a ruptura ou o risco de ruptura das conexões sociais.[vii]

As nossas conexões sociais necessitam serem preservadas. Cada vez mais, celebramos contratos culturais inconscientes, em cidades e grandes metrópoles com os indivíduos convencionais dessensibilizados, nos dizeres de Luiz Ricardo Michaelsen Centurião.[viii]  

Ney Fayet Junior e Viviane Moojen Nácul tratam dos delirantes e seus crimes. Lembram Raduan Nassar, escritor brasileiro com formação em direito e filosofia. Falando, provavelmente de nós, disse que pensam que estão em segurança, mas se consomem de medo, escondem-se dos outros sem saber que atrofiam os próprios olhos, fazem-se prisioneiros de si mesmos, e nem sequer suspeitam, trazem na mão a chave, mas se esquecem que ela abre.[ix]

Um dos principais sofrimentos é o de não ser compreendido. Os números são frios.[x]  A empatia nos aproxima mas não iguala nossas dores, totalmente. Jacques Ranciére aponta a necessidade e dificuldade de nosso melhor convívio. Diz que uma partilha do sensível fixa, portanto, ao mesmo tempo, um comum partilhado e partes exclusivas[xi].

Ao início de maio, uma semana sem acesso aos sistemas informáticos, na Justiça do Trabalho do Rio Grande do Sul. Foram situações semelhantes na Justiça Federal e Estadual, inclusive quanto a própria energia elétrica. Centro da Capital em situação ainda pior, com caminho improvisado na entrada e saída bloqueada, num primeiro momento. Ruas interditadas. Cidades próximas com estradas e pontes que não existem mais.

Haveremos de manter e desenvolver o convívio e organização social, em qualquer que seja condição material.[xii] Houve a retomada das atividades virtuais, já em maio, e a previsão de sessões telepresenciais, já em junho, ainda sem saber as surpresas e incidentes processuais. Emílio Papaléo Zin, em momento anterior, manifestou que é preciso ir em frente; o desafio de um País melhor, mais justo, com maiores oportunidades mora ali na esquina. [xiii]

Não seremos estátuas, evitaremos a tendência bem retratada por Gilson Lima, de que de objetos de espelhar-se, tornamo-nos o próprio olhar (…) Como se fôssemos sendo submetidos a uma lenta petrificação que não poupa nenhum aspecto da vida. A partir de um êxtase produzido nessa tele participação planetária, nos transformamos cada vez mais em estátuas petrificadas de nós mesmos.[xiv]

Cuidar de nós mesmos é não excluir e não controlar.[xv] É, sim, cuidar, crescer, conviver, estimular, desenvolver, bem examinar as relações de emprego e as demais relações de trabalho, preservar o Planeta e buscar a vida.

 

[i] Um dos inúmeros registros de repasse das doações em https://www.trt4.jus.br/portais/trt4/modulos/noticias/651816

 

[ii] Dierle Nunes, https://www.instagram.com/reel/C6kC78_uLSQ/?igsh=M3E0Zmx3NnY3OTU1

 

[iii] Abonos emergenciais e afins, https://www.youtube.com/live/esk-zN0htkc?si=f14wF1MP98B77YiV

 

[iv] Seminário Trabalho, Democracia e Inclusão Social, momento 2h53min, https://www.youtube.com/watch?v=7zUZZcmjrZY

 

[v] Emergência climática, https://www.youtube.com/live/V1NkIL7FFGM

 

[vi] Momento minuto 56 do mesmo link https://www.youtube.com/live/V1NkIL7FFGM

 

[vii] Elliot Aronson com Joshua Aronson, O Animal Social, São Paulo: Goya, 2023, pg 49.

 

[viii] Luiz Ricardo Michaelsen Centurião, Antropologia e Psicanálise – a enfermidade mental como estilo de vida, Porto Alegre: Armazém Digital, 2007, pgs 12 e 104.

 

[ix] Ney Fayet Junior e Viviane Moojen Nácul, A compreensão jurídico-criminológica do folie-a-deux: os delirantes e seus crimes, Porto Alegre: Escuna, 2024, pg 134 e, antes, Porto Alegre: Aspas, 2022, pg 121.

 

[x] Defesa civil, Rio Grande do Sul, https://defesacivil.rs.gov.br/inicial

 

[xi] Jacques Ranciére, A Partilha do Sensível, São Paulo: Exo experimental Editora 34, 2023, pg 15.

 

[xii] Retomada da contagem de prazos, https://www.trt4.jus.br/portais/trt4/modulos/noticias/652625

 

[xiii] Emilio Papaléo Zin, Depois dos Porquês, Porto Alegre: Capítulo Um Editorais, 2024, pg 40.

 

[xiv] Gilson Lima, Nômades de Pedra – teoria da sociedade simbiogênica em prosa, Porto Alegre: Editora Escritos, 2005, pg 47,

 

[xv] Michel Foucault, Dizer a verdade sobre si, São Paulo: Ubu, 2022, especialmente pgs 30 e 32, sobre a passagem para as sociedades industriais.

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