Assédio Sexual na Copa: o machismo perdendo de goleada

Coluna Assédio Moral no Trabalho

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Um grande espetáculo esportivo é enlameado, dentre outras notícias, pelo comportamento odioso, misógino, machista e sexista de alguns homens que ainda creem estar acobertados pela tolerância e por desculpas indesculpáveis.
Foram inúmeros os relatos de assédio sexual, compreendido este como “Uma conduta verbal ou física de natureza sexual cujo autor sabe ou deveria saber que é ofensiva à vítima” (1), sucedidos em território russo. Homens de várias nacionalidades e vítimas – mulheres e homens, adultos e crianças – brutalmente assediadas.

Foto: Fotos Públicas - Carlos Bassan

Foto: Fotos Públicas – Carlos Bassan

Um denominador comum entretanto, fez-se presente, o desequilíbrio de poder agora instrumentalizado ou pelo desconhecimento do idioma por parte da vítima ou pela maior corpulência física do agressor que permeia o comportamento antiético.
Capitaneados por brasileiros, o tema assédio sexual veio à luz. Inúmeros episódios de assédio sexual perpetrados por turistas brasileiros foram devidamente documentados durante a Copa do Mundo.
No primeiro, um grupo de torcedores brasileiros cercou uma mulher russa para cantar, dentre outras estultices, “boceta rosa”, em referência à cor do órgão sexual da jovem loira. Sem nada entender, ela repete as palavras e ingenuamente segue cantando.
Em outro vídeo, brasileiros induzem russas a redizer frases em português sobre práticas sexuais: “Eu quero dar a boceta para vocês”.
Todos os vídeos viralizaram…
No terceiro, outro brasileiro publicou uma gravação em que aparece pedindo a um menino russo para falar expressões grosseiras, ofensivas e homofóbicas: “Eu sou um filho da puta… Eu sou viado… Eu dou para o Neymar”, dizia no post.
O quarto envolve a jornalista russa Barbara Gerneza, noticiarista do IG Esporte, que produzia uma reportagem e foi encurralada por um grupo de 14 torcedores que vestiam a camisa “canarinho”. Ao fazer entrevista com os brasileiros foi surpreendida pela gang, que além de cantar uma pejorativa música sobre “chupar xoxota”, um deles tentou beijá-la ao final, dentre outras impropriedades.
A vítima assim exterioriza o que sentiu após a “brincadeira”:
“Na hora eu não percebi, estava bem ansiosa porque tentava fazer a entrevista em português e eles estavam cantando para mim. Não prestei atenção nas palavras, só percebi depois que vi o vídeo de novo. O sentimento não foi nada bom, foi triste. Eles pareciam ser divertidos, mas na verdade não foi nada legal. Você não espera algo assim, você espera coisa boa, e então acontece isso”.
Parece destarte, que nenhum dos assediadores leu a Cartilha elaborada pelo Itamaraty – Guia Consular do Torcedor Brasileiro – que ao preconizar o respeito às leis locais, assim alertava sobre os riscos da conduta repulsiva:
“Comportamento interpretado como assédio sexual enseja multa e prisão de até um ano.” (2)
Também, na saída do jogo Argentina e Rússia, outra jornalista foi assediada por um grupo de argentinos na porta do estádio ao tentar entrevista-los.
Mais um caso semelhante é da correspondente colombiana Julieth Therán. A jornalista da agência alemã Deutsche Welle estava ao vivo em uma praça em Moscou, quando um torcedor agarrou-a, colocou a mão sobre um de seus seios e deu um beijo em seu rosto.
Nas redes sociais, assim desabafou a repórter assediada:
“Respeito! Não merecemos esse tratamento. Somos igualmente valiosas e profissionais. Compartilho a alegria do futebol, mas temos que entender o limite do afeto e do abuso”.
Outro vídeo de assédio sexual nas redes sociais é de um colombiano ao lado de duas torcedoras japonesas, onde as coage a se chamarem de “putas”.
Aliás, este registro foi postado no Twitter por outro colombiano, o jogador da seleção Faustino Asprilla que lamenta o fato e declara:
“Para todos os meus amigos no mundo, especialmente os japoneses, esse é o tipo de pessoa que não representa a cultura colombiana. Nós respeitamos todas as culturas, por favor, aceitem meus pedidos de desculpas no nome de todas as pessoas do meu país.”
Para os assediadores entretanto, há muito exagero e “mimimi” na forma como os acontecimentos estão a repercutir.
Para aqueles que concordam, cogente lembrar que são muitas as consequências físicas e psíquicas derivadas de situações de assédio em geral.
Nas reações físicas, exemplifique-se: náuseas, diarreia, dores generalizadas, alterações do pulso, enxaquecas, problemas gastro-intestinais, perturbação do sono, tiques, espasmos musculares, fadiga, dispepsia, aumento da transpiração, perda de apetite ou compulsão alimentar, diminuição da libido, problemas respiratórios e infecções do trato urinário, recorrências de doenças crônicas, úlceras, síndrome do intestino irritável, eczema e urticária.
Nas reações psicológicas: a tristeza persistente e/ou crises de choro, diminuição da auto-estima, irritabilidade, ansiedade, medo de perda de controle, oscilações de humor, vergonha, impulsividade, auto-culpabilização, fantasias de fuga, raiva e medo, pensamentos compulsivos, medos obsessivos, insegurança e autoconfiança diminuída, redução da concentração e outras competências cognitivas, sentimentos de humilhação, de impotência, vulnerabilidade e alienação.
Surgem transtornos psiquiátricos, tais como, transtornos de ansiedade, estresse pós-traumático, distúrbios do sono, distúrbios de disfunção sexual, distúrbios de dissociação, somatização, depressão, abuso de substâncias psicoativas, problemas de adaptação. (3)
Enfim, as consequências físicas, mentais e sociais do assédio sexual podem gerar um estado depressivo e comportamentos suicidas. (4)
No mesmo sentido quanto à gravidade do tema, imperioso salientar os dados alarmantes sobre violência contra mulher. Segundo a ONU, uma em cada três mulheres é ou será vítima de violência (e o Brasil é o 5º país no ranking mundial de violência contra mulheres); a cada 2 segundos uma mulher é vítima de violência física ou verbal no Brasil e a cada 1.5 segundo uma mulher é vítima de assédio na rua, segundo Relógios da Violência do Instituto Maria da Penha. (5)
Para além disso, especialmente sobre as práticas de assédio sexual promovidas por torcedores brasileiros na Copa da Rússia, a ONU MULHERES (escritório brasileiro da Entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e o Empoderamento das Mulheres) divulgou uma nota condenando-as. Veja:
É inaceitável a intenção deliberada de alguns torcedores brasileiros de assediar sexualmente mulheres durante a Copa do Mundo, valendo-se de constrangimento, engano, e assim violando os direitos humanos das mulheres. Ao fazê-lo, violentaram as mulheres do mundo inteiro. Com palavras de baixo calão, eles reduziram as mulheres a objetos sexuais na demonstração de como a misoginia que, inclusive fundamenta a cultura do estupro, assume diferentes formas e não tem fronteiras, ocorrendo num evento que se propõe a promover a integração dos povos e os sentimentos de união pelo esporte. Às mulheres russas e às mulheres de todas as nacionalidades, a ONU Mulheres Brasil manifesta a sua solidariedade.
A discussão pública sobre os vídeos sexistas e as consequências dos fatos mostram, mais uma vez, o repúdio do mundo ao machismo. A forte reação pública de repúdio é fundamental para que fique cada vez mais sólida a convicção da sociedade contra todas as formas de violência contra as mulheres. Os casos de violência contra as mulheres russas demonstram como não há mais lugar no mundo para o machismo, e os homens precisam entender isso e atuar firmemente para acabar com o sexismo.
Grandes eventos devem colocar a questão de gênero e os direitos das mulheres no centro dos encaminhamentos preparativos por meio de medidas de prevenção e consciência pública sobre a violência contra as mulheres. Iniciativas de prevenção, a exemplo da campanha do Secretário-Geral da ONU “UNA-SE pelo Fim da Violência contra as Mulheres”, precisam ser adotadas pelas próprias instituições organizadoras de grandes eventos, ampliando o alcance e a circulação de mensagens de conscientização sobre práticas e comportamentos sociais baseados no respeito e na igualdade de direitos e alerta sobre como a violência de gênero acontece, como evitar, como apoiar as vítimas e como responsabilizar os agressores.
Por fim, é responsabilidade dos homens fazer da Copa um espaço seguro para todas e todos.” (6)
Se exortações aos Direitos Humanos, ao fim da Discriminação por Gênero e promoção da Igualdade não foram o bastante para coibir os comportamentos assediantes, de elogiar-se a iniciativa do Ministério Público Federal que abriu investigação criminal contra os responsáveis pelo mencionado primeiro filmete de repercussão mundial sobre assédio sexual na Copa do Mundo 2018. Observe:
“O MPF entende que a conduta dos brasileiros denegriu a dignidade e expôs a estrangeira a humilhação pública, diante do cunho nitidamente machista e discriminatório percebido nas imagens”.
Com efeito, cuida-se de inquérito criminal instaurado, em regime de urgência e prioridade, com base nos artigos 1, 3 e outros dispositivos da Convenção Internacional sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher, para investigar a ocorrência de crime de injúria cometido contra uma estrangeira por turistas brasileiros em viagem à Rússia.
Recorde-se que, a CONVENÇÃO SOBRE A ELIMINAÇÃO DE TODAS AS FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO CONTRA A MULHER define-se por constituir-se em um acordo internacional que pretende assegurar a igualdade de todas as mulheres e eliminar a discriminação versada esta como “toda a distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher, independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo” e foi devidamente promulgada pelo Brasil pelo Dec 4.377/2002.
Congratulações ao Ministério Público Federal que, como prega o aludido acordo internacional, reafirma a fé nos direitos fundamentais, na dignidade e no valor da pessoa humana e na igualdade de direitos entre homens e mulheres. (7)

Referências

(1) Conceito de Assédio Sexual da Comissão Européia, 1987.
(2) Guia Consular do Torcedor Brasileiro. FIFA 2018. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/images/guia-consular-copa-russia_ME_MRE.pdf. Acesso em: 23 jun. 2018.
(3) Disponível em: http://assediosexual.umarfeminismos.org/index.php/assedio-sexual-1/consequencias-na-saude-fisica-e-psicologica. Acesso em: 23 jun. 2018.
(4) Disponível em: http://www.psiquiatracuritiba.med.br/assedio_sexual_e_a_saude_mental/. Acesso em: 23 jun. 2018.
(5) Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/diversidade/assedio-nao-e-brincadeira-no-brasil-video-machista-renderia-multa. Acesso em: 23 jun. 2018.
(6) Disponível em: http://www.onumulheres.org.br/noticias/nota-publica-da-onu-mulheres-em-solidaridade-as-mulheres-do-mundo-e-contra-a-violencia-de-genero-na-copa-2018/ . Acesso em: 23 jun. 2018.
(7) Cf. crime de injúria e iniciativa da ação penal: ação penal privada.
(8) E.T. Esta autora tomou a decisão de reproduzir literalmente as humilhantes palavras proferidas para externar a profunda violência nelas contidas.

 

Ivanira
Ivanira Pancheri é Articulista do Estado de Direito, Pós-Doutoranda em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (2015). Graduada em Direito pela Universidade de São Paulo (1993). Mestrado em Direito Processual Penal pela Universidade de São Paulo (2000). Pós-Graduação lato sensu em Direito Ambiental pela Faculdades Metropolitanas Unidas (2009). Doutorado em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (2013). Atualmente é advogada – Procuradoria Geral do Estado de São Paulo. Esteve à frente do Sindicato dos Procuradores do Estado, das Autarquias, das Fundações e das Universidades Públicas do Estado de São Paulo. Participa em bancas examinadoras da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo como Professora Convidada. Autora de artigos e publicações em revistas especializadas na área do Direito. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Penal, Processual Penal, Ambiental e Biodireito.

 

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