Assédio Laboral na Administração Pública: princípios desrespeitados (1ª. Parte)

Coluna Assédio Moral no Trabalho

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Foto: Geraldo Magela/Agência Senado

Foto: Geraldo Magela/Agência Senado

 

Princípios norteadores

O artigo 37 da Carta Política Brasileira traz-nos os Princípios Administrativos que norteiam a atividade da Administração Pública Brasileira, tanto a Direta quanto a Indireta, quais sejam: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficácia.

In casu, a prática da violência psicológica consistente no Assédio Laboral no interior do Serviço Público avilta os princípios regentes da Administração Pública, colocando em risco a função estatal de garante dos direitos dos cidadãos, mormente de seus servidores assediados em absoluto desrespeito à concepção de Estado Democrático de Direito.

I – O princípio da legalidade encontra-se inicialmente insculpido no artigo 5º, inciso II da Constituição Federal e dispõe que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.
Nas célebres palavras de Hely Lopes Meirelles:

“A legalidade, como princípio da administração, significa que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeitos aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil, criminal, conforme o caso.” (1)

Interessa-nos recordar que, diversamente da interpretação aos particulares, para o Administrador Público, se a lei não proíbe, mas também não permite, fica vedada a prática do ato pena de vituperação dos artigos 5º, inciso II c.c. 37, caput da CF.

Nada obstante os comportamentos assediadores por vezes, não ostentarem de maneira clara sua ilegalidade, devendo ser observados mais amiúde, inclusive em razão de sua desumana e pusilânime sutileza, é fato que, “a prática do assédio moral macula o princípio da legalidade na medida em que as condutas do assediador não correspondem com os parâmetros estabelecidos como conduta ideal do servidor público.” (2)

Noutros termos, considerando-se que “Todo poder emana do povo (…)” (par. ún. do art. 1º, CF), também “O princípio da Legalidade contrapõe-se, portanto, e visceralmente, a quaisquer tendências de exacerbação pessoalista dos governantes.” (3)

II – O princípio da impessoalidade, renove-se, encontra-se insculpido no artigo 37, caput da Constituição Federal.
Na precisa lição do Mestre Celso Antonio Bandeira de Mello:

“Nele se traduz a idéia de que Administração tem que tratar a todos os administrados sem discriminações, benéficas ou detrimentosas. Nem favoritismo nem perseguições são toleráveis. Simpatias ou animosidades pessoais, políticas ou ideológicas não podem interferir na atuação administrativa e muito menos interesses sectários, de facções ou grupos de qualquer espécie. O Princípio em causa não é senão o próprio princípio da igualdade ou isonomia. Está consagrado explicitamente no art. 37, caput, da Constituição Federal. Além disso, assim como ‘todos são iguais perante a lei’ (art. 5º, caput), a fortiori teriam de sê-lo perante a Administração.
(…)
No texto constitucional há ainda, algumas referências a aplicações concretas deste princípio, como ocorre no art. 37, II, ao exigir que o ingresso em cargo, função ou emprego público depende de concurso público, exatamente para que todos possam disputar-lhes o acesso em plena igualdade. Idem, no art. 37, XXI, ao estabelecer que os contratos com a Administração direta e indireta dependerão de licitação pública que assegure igualdade de todos os concorrentes.”
(4)

Fonte: pixabay

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Destarte, a odiosa ”implicância” que se depreende ao observar-se o assediante em ação contrasta firmemente com o princípio da impessoalidade.

Também, “Vislumbra-se como ofensa ao princípio da impessoalidade derivada da prática de assédio moral, a atitude perpetrada pelo superior hierárquico, que, ardilosamente, rouba do agente subalterno determinada ideia (…) tornado desvirtuado o princípio da impessoalidade.” (5)

No mais, o Assédio Laboral viola o princípio da impessoalidade na sua mais pura acepção, qual seja, o ato do Administrador Público voltado a prejudicar/acossar/humilhar uma pessoa em detrimento do interesse público que deve nortear a atuação estatal.

III – Indubitavelmente, o princípio da moralidade é afrontado pelo Assédio Moral.
Por óbvio, ao falar-se de Assédio Moral está-se a reportar fenômeno que atinge regras basilares de ética e justiça.
Preleciona Helly Lopes Meirelles:

“A moralidade administrativa constitui hoje em dia, pressuposto da validade de todo ato da Administração Pública (Const. Rep., art. 37, caput). Não se trata – diz Hauriou, o sistematizador de tal conceito – da moral comum, mas sim de uma moral jurídica, entendida como ‘o conjunto de regras de conduta tiradas da disciplina interior da Administração’.
Desenvolvendo a sua doutrina, explica o mesmo autor que o agente administrativo, como ser humano dotado da capacidade de atuar, deve, necessariamente, distinguir o Bem do Mal, o honesto do desonesto. E, ao atuar, não poderá desprezar o elemento ético de sua conduta. Assim, não terá que decidir somente entre o legal e o ilegal, o justo e o injusto, o conveniente e o inconveniente, o oportuno e o inoportuno, mas também entre o honesto e o desonesto. Por considerações de direito e de moral, o ato administrativo não terá que obedecer somente à lei jurídica, mas também à lei ética da própria instituição, porque nem tudo que é legal é honesto, conforme já proclamavam os romanos – ‘non omne quod licet honestum est’. A moral comum, remata Hauriou, é imposta ao homem para sua conduta externa; a moral administrativa é imposta ao agente público para a sua conduta interna, segundo as exigências da instituição a que serve, e a finalidade de sua ação: o bem comum.”
(6)

Dos servidores públicos cuja missão é “servir ao público” não se pode esperar senão um comportamento ético e probo. Qualquer conduta despida desta lisura é nula e passível de responsabilização civil e criminal por imoralidade administrativa (art. 37, &4º da Constituição Federal). (7)
Assim:

“As condutas persecutórias com a cruel finalidade de agredir o outro, as humilhações, as cobranças excessivas, as gozações constituem um óbice a uma boa administração. (…) A moralidade administrativa deverá ser eleita como antídoto a todos estes sortilégios. Assim, de outro modo não se pode concluir, que além das sanções inerentes (nulidade) dos atos imorais dentro da seara da administração pública, insta asseverar que os agentes públicos que incorrerem em condutas de assédio moral também sofrerão a responsabilização criminal, civil e obviamente, administrativa.” (8)

IV – O princípio da publicidade significa “o dever administrativo de manter plena transparência em seus comportamentos.” (9)
Dessarte, ressalvados os excepcionalíssimos atos sigilosos (por exemplo, art. 5º, incisos XXXIII e LXXII, alínea “b”, CF), os atos administrativos devem ser publicizados inclusive como forma de assegurar outros correlatos princípios, a saber, contraditório, ampla defesa e devido processo legal.
Todavia, presta-se invariavelmente como instrumento de Assédio Laboral:

“Evoluindo para uma questão específica de ocorrência de assédio moral como afronta a esse princípio, podem-se citar, como exemplos de meios e mecanismos adotados para minar e dificultar o progresso na carreira pública da vítima assediada, a resistência e o retardo por parte de seu superior hierárquico para ordenar o envio de publicação de determinado ato administrativo que confira certa vantagem auferida pelo assediado, v.g., promoção na carreira.” (10)

Fonte: pixabay

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V – Por final, quanto ao princípio da eficiência, vale dizer que, a Emenda Constitucional nº 19/98 acrescentou expressamente aos princípios constitucionais da Administração Pública o princípio da eficiência, encerrando altercações doutrinárias e jurisprudenciais sobre sua existência implícita na Constituição Federal e aplicabilidade.

Ensina Hely Lopes Meirelles que “o princípio da eficiência é o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público.”(11)

Por conseguinte, exigir-se-á do Administrador Público, não somente um comportamento legal, isento, ético e transparente, mas também, de qualidade.

Inelutável afirmar-se que o Assédio Laboral com seus contornos de desqualificação, perseguição e desfalque do quadro de servidores depõe contra tal regra básica e,:

“Conclui-se, deste modo, que: como ter uma administração pública eficiente quando a prática de assédio moral ainda se faz presente? Como o Estado admite que um de seus maiores bens, quais sejam, a vida e a dignidade da pessoa humana sejam cotidianamente esfacelados? O Estado não pode fechar os olhos para o que tem ocorrido no âmago de sua própria estrutura. É de se indignar que o cenário do funcionalismo público no Brasil seja vexatório, pois se os próprios cidadãos não são reconhecidos como indivíduos, quem mais o será?“ (12)

Com os Administradores, a resposta!

Referências

(1) MEIRELLES, H.L. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 86.
(2) SILVA, L.M.M.; SILVA, L. O Assédio Moral na Administração Pública. Um livro em prol da extinção dessa praga. São Paulo: LTr, 2015, p. 45.
(3) MELLO, C.A.B. . Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 71.
(4) Ibidem, p. 104.
(5) MINASSA, A.P. Assédio Moral no âmbito da Administração Pública brasileira. Campinas: Habermann, 2012, p. 136.
(6) MEIRELLES, H.L. ob.cit., p. 90.
(7) MINASSA, A.P. ob.cit., p.47.
(8) SILVA, L.M.M.; SILVA, L. ob.cit., p. 47.
(9) MELLO, C.A.B. . ob.cit., p. 114.
(10) MINASSA, A.P. ob.cit., p. 138.
(11) MEIRELLES, H.L. ob.cit., p. 99.
(12) SILVA, L.M.M.; SILVA, L. ob.cit., p. 50.

 

 

Ivanira
Ivanira Pancheri é Articulista do Estado de Direito, Pós-Doutoranda em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (2015). Graduada em Direito pela Universidade de São Paulo (1993). Mestrado em Direito Processual Penal pela Universidade de São Paulo (2000). Pós-Graduação lato sensu em Direito Ambiental pela Faculdades Metropolitanas Unidas (2009). Doutorado em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (2013). Atualmente é advogada – Procuradoria Geral do Estado de São Paulo. Esteve à frente do Sindicato dos Procuradores do Estado, das Autarquias, das Fundações e das Universidades Públicas do Estado de São Paulo. Participa em bancas examinadoras da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo como Professora Convidada. Autora de artigos e publicações em revistas especializadas na área do Direito. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Penal, Processual Penal, Ambiental e Biodireito.
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