As complexas atividades da Advocacia Pública e o anuário da Advocacia Pública do Brasil

Artigo publicado na 42º Edição do Jornal Estado de Direito

Rui Magalhães Piscitelli[1]

            A Advocacia Pública foi guindada, pelo Constituinte de 1988, à categoria de Função Essencial à Justiça.

            Isso significa, no âmbito da hermenêutica constitucional, que a Advocacia Pública não deve ficar submetida a nenhum dos Poderes da República (até porque não é prevista na estrutura de nenhum deles, no texto da Carta Maior), e, sim, atuar, assim como o Ministério Público, na referida condição de Função Essencial à Justiça.

             O Constituinte foi sábio ao conferir tal tratamento à Advocacia Pública.  Ou seja, bem sabia que, muitas vezes, os interesses dos Governos, que passam (característica básica do regime republicano) vão de encontro aos propósitos do Estado, este permanente.

            Dessa maneira, o controle jurídico no âmbito da Administração Pública com certeza ficaria comprometido se tais agentes especiais do Estado, os Advogados Públicos, tivessem relação subordinada aos Governantes “de plantão”.

            Essa atuação da Advocacia Pública, de controle jurídico no âmbito do Estado brasileiro, é muito bem demonstrada pela sua atuação na área consultiva, diuturnamente elaborando pareceres previamente à celebração de convênios ou à realização dos Editais de licitação, estes últimos, visando a selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração Pública poder celebrar os contratos administrativos.

            Mas não para por aí: no âmbito do assessoramento jurídico, quaisquer ações dos Governantes contam com a colaboração dos Advogados Públicos, ainda que essa atuação seja em reuniões ou em outros meios não formalizados em processos administrativos.

            Ainda, no contencioso, é a Advocacia Pública que representa em juízo os 3 Poderes da República, evitando condenações indevidas do Estado brasileiro.

            Por fim, a atuação proativa da Advocacia pública se dá nas ações por ela ajuizadas visando ao ressarcimento ao Erário, de valores dispendidos indevidamente, muitas vezes, por ordem dos governantes mesmo.  Nesse campo, tanto ações civis públicas como ações de improbidade administrativa são também diuturnamente manejadas pelos Advogados Públicos.

            Veja-se, assim, essa complexa atividade pelos Advogados Públicos exercida.  Tanto é assim que o Supremo Tribunal Federal por várias vezes já se manifestou que o exercício de tais atividades somente pode ser exercida por Membros nomeados em decorrência de concursos específicos que, de regra, contam com provas objetivas, discursivas, orais, de títulos, dentre outras.  Ou seja, são concursos altamente qualificados.  A propósito, tenha-se o assentado na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.261:

2. A atividade de assessoramento jurídico do Poder Executivo dos Estados é de ser exercida por procuradores organizados em carreira, cujo ingresso depende de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, nos termos do art. 132 da Constituição Federal. Preceito que se destina à configuração da necessária qualificação técnica e independência funcional desses especiais agentes públicos. 3. É inconstitucional norma estadual que autoriza a ocupante de cargo em comissão o desempenho das atribuições de assessoramento jurídico, no âmbito do Poder Executivo. Precedentes. 4. Ação que se julga procedente.

            Firmado esse cenário, anunciamos o lançamento do Anuário da Advocacia Pública do Brasil, pela Revista Consultor Jurídico, em 2014.

            É um trabalho que foi feito de fôlego pela Revista Consultor Jurídico, que mapeia a Advocacia pública brasileira, sobretudo no âmbito federal.

            Vale a pena destacar alguns dos números lá apontados relativamente ao ano de 2013, da AGU:

a)      Quase 158 bilhões de reais é o somatório entre os valores arrecadados e economizados com a atuação da AGU;

b)      2.109 ações foram ajuizadas no combate à corrupção;

c)      1.215 ações foram ajuizadas como execução de decisões do Tribunal de Contas da União;

d)     Foram realizados 117.252 acordos para solver conflitos entre órgãos e entidades da Administração Pública Federal.

É bem de ver que, muitas vezes, a atuação da AGU pode desagradar governante bem como servidores públicos.  Um exemplo disso é o índice de cerca de 60 porcento de êxito entre decisões favoráveis e parcialmente favoráveis perante o Supremo Tribunal Federal.

Dessas poucas linhas, então, já podemos concluir: aos Advogados Públicos é necessária autonomia funcional e administrativa para bem elaborarem seu trabalho, não em prol de governos, nem da Administração Pública, mas em prol do Estado brasileiro, permanentemente.

            Ocorre que carece de harmonização o texto constitucional, uma vez que, inserindo a Advocacia pública como Função Essencial à Justiça, como o fez com o Ministério Público, não previu para aquela os meios de que dispõe este.

Anote-se que a Defensoria Pública, também guindada à Função Essencial à Justiça, obteve sua autonomia completa somente recentemente, via Emenda Constitucional.

            É, então, o momento de que a “PEC DA PROBIDADE” como vem sendo conhecida, a Proposta de Emenda Constitucional nº 82, possa harmonizar o status que a Constituição conferiu desde 1988 à Advocacia Pública com suas garantias de funcionamento (da mesma maneira, repita-se que, recentemente, a Defensoria Pública também já conseguiu, via Emenda Constitucional).

Só assim, com a autonomia funcional e administrativa, a Advocacia pública não sofrerá mais a ingerência administrativa, e, consequentemente, política, de que é alvo.  E, assim, de fato com as garantias que já possuem as outras 2 Funções Essenciais à Justiça, quais sejam, Ministério Público e Defensoria Pública, possam os Advogados Públicos ainda mais contribuir pra o Estado, repita-se, independentemente da linha política do Governo do momento.

É o quê se espera !

[1] Vice Presidente Administrativo e Financeiro da Associação Nacional dos Procuradores Federais. Mestre em Direito. Professor de graduação e de pós-graduação em Direito.

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