Aldo Arantes. Domínio das mentes: do golpe militar à guerra cultural

Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito

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Aldo Arantes. Domínio das mentes: do golpe militar à guerra cultural. 1 ed. – Curitiba : Kotter editorial, 2024. 256 p.

 

Da página da Editora temos que esse livro, necessário e urgente de Aldo Arantes, deputado constituinte em 1988,

explora o avanço da extrema direita no Brasil e no mundo, situando-o dentro de um contexto histórico de “Guerra Cultural”. O autor recorre à teoria de hegemonia de Gramsci para explicar como a extrema direita exerce dominação ideológica, utilizando think tanks, a mídia e redes sociais. Arantes denuncia o lawfare e as fake news, destacando seu papel na perseguição de lideranças de esquerda e na criação de bolhas ideológicas. O autor também critica a influência das Forças Armadas e a persistência da Doutrina de Segurança Nacional. Além disso, alerta sobre o controle das Big Techs, que manipulam comportamentos políticos através de algoritmos. Arantes defende a regulamentação dessas plataformas e critica o neoliberalismo como sustentáculo da extrema direita, apontando seu impacto sobre os direitos trabalhistas e a democracia. O livro propõe a mobilização popular como resistência ao autoritarismo e à desinformação, sendo uma leitura fundamental para compreender o cenário político atual.

Neste dia 27/11 deu-se o lançamento da obra, em evento no Museu da República em Brasília, com apresentação do Autor e debate com o Ministro Lélio Bentes, ex-Presidente do TST, a deputada federal Gleisi Hoffmann, e comigo.

 

 

Da Apresentação, elaborada pelo Autor, segue-se que o “livro tem por objetivo contribuir com o aprofundamento do estudo sobre a Guerra Cultural da extrema-direita e com sugestões para a elaboração de alternativas para reconstruir a hegemonia cultural e ideológica das forças democráticas e progressistas na sociedade”.

O Autor justifica, o que não é necessário par quem acompanha o seu ativismo desde a juventude quando alcançou a presidência da UNE (União Nacional dos Estudantes), nos idos pré-64, aliás como se pode conferir na extensa biobibliografia acostada ao livro, que o tema tem sido objeto de sua reflexão e estudo “há algum tempo por considerar que a Guerra Cultural da direita neofascista é uma das maiores ameaças à democracia e ao êxito da reconstrução do País”.

Ainda na Apresentação o Autor mostra a conexão da publicação atual com o acumulado analítico que já esboçara em obra anterior – Reconstruir a Democracia – e de outros trabalhos que organizou ou de que foi autor, de modo que DOMÍNIO DAS MENTES – Do golpe militar à Guerra Cultural, sem se constituir uma continuidade carrega, todavia, uma pretensão de aprofundar o alcance da matéria em estudo, principalmente “em relação à proposta de plano de luta ideológica, agora atualizado”, que já esboçara nos estudos anteriores.

Assim que, conforme a Apresentação,

o livro inicia-se apresentando os fundamentos teóricos da obra, baseados nas formulações do italiano marxista Antônio Gramsci sobre o papel da luta de ideias na construção da hegemonia cultural e política, para assegurar a conquista e a manutenção do poder.

No Capítulo II, analiso o NEOLIBERALISMO E O CAPITALISMO DE PLATAFORMA, dando destaque a: Crise do capitalismo e neoliberalismo, Neoliberalismo e concentração da renda, Neoliberalismo e Direitos Trabalhistas, Neoliberalismo e fascismo e a Figura do inimigo interno e Estado autoritário.

No Capítulo III, estudo as ORIGENS DAS IDEIAS DA EXTREMA-DIREITA, analisando o Conservadorismo nos EEUU, Neoliberalismo e o combate às ideias progressistas, Neoliberalismo e Estado, Neoliberalismo e Direitos Fundamentais e Democracia e capitalismo.

GUERRA CULTURAL E CONQUISTA DAS MENTES é o conteúdo do Capítulo IV que trata da Nova forma de golpe, Guerra Cultural no Brasil, os empresários neofascistas e a luta ideológica, os evangélicos neofascistas e a luta ideológica, os militares neofascistas e a luta ideológica e os políticos neofascistas e a luta ideológica.

A NOVA FORMA DE CAPITALISMO é analisada no Capítulo V e aborda o Capitalismo de plataforma, a Inteligência Artificial, as fake news e a lawfare e o papel da psicologia social e da neurociência na luta ideológica.

A partir dessas análises, sugiro um plano de luta ideológica com questões relacionadas à economia, a política, educação, saúde, cultura, direitos humanos, meio ambiente, entre outros. E um plano de luta ideológica em torno das questões suscitadas no dia a dia.

Finalizo, sugerindo caminhos para a luta ideológica democrática.

 

A publicação agrega ainda, um anexo, muito instigante, “sobre o socialismo renovado, que considero oportuno para o enfrentamento da luta ideológica que a extrema-direita trava contra o socialismo”.

A própria Editora preparou uma sinopse, espécie de chave de leitura, útil para demarcar os campos de relevância que estruturam as indicações da obra:

 

“Domínio das Mentes: Do Golpe Militar à Guerra Cultural”, de Aldo Arantes

A obra “Domínio das Mentes”, de Aldo Arantes, explora com profundidade a ascensão da extrema direita no Brasil e no mundo, inserida em um contexto de Guerra Cultural. Essa expressão é o ponto de partida para uma análise meticulosa das estratégias que visam fortalecer o neoliberalismo e os interesses das elites, revelando o poder ideológico por trás dessas manobras. Desde o início, o autor faz uso da hegemonia gramsciana, oferecendo uma perspectiva detalhada sobre como as elites moldam a visão de mundo por meio da mídia, think tanks e redes sociais.

Hegemonia e o poder da extrema direita

Arantes, ao invocar a teoria de Gramsci, demonstra como a hegemonia cultural é uma ferramenta poderosa da extrema direita. Enquanto o Estado exerce coerção, as elites dominam o campo das ideias, utilizando estratégias sofisticadas para manter seu controle. Um exemplo claro disso é o engenheiro Charles Koch, citado como figura central no processo de disseminação do neoliberalismo, transformando ideias em políticas públicas através de think tanks.

Fake news e a era da pós-verdade

O livro aborda a questão do lawfare e como as fake news, amplificadas pelas redes sociais, reforçam preconceitos e criam bolhas de opinião. Essas bolhas, isoladas do diálogo crítico, pavimentam o caminho para a desinformação, consolidando o poder emocional sobre a razão. Arantes identifica esse fenômeno como parte de uma era de pós-verdade, onde a verdade é constantemente manipulada.

A influência das Forças Armadas e o risco à democracia

Outro ponto relevante é a análise do papel das Forças Armadas, desde a Constituinte de 1988 até a atual influência política. Arantes argumenta que essa influência militar é uma ameaça à democracia e propõe uma reformulação do ensino militar, focada na proteção da soberania nacional e da democracia.

A ascensão das Big Techs e o controle invisível

Arantes também critica o capitalismo de plataforma, alertando para o controle invisível das grandes empresas de tecnologia, as Big Techs, sobre nossos dados e comportamentos. Ele destaca a urgência de uma regulamentação, que proteja a privacidade dos usuários e previna a manipulação política por algoritmos que priorizam o engajamento em vez da verdade.

Neoliberalismo e os direitos trabalhistas

Por fim, o autor aborda o desmonte dos direitos trabalhistas, exemplificado pela Reforma Trabalhista de 2017, que fragilizou a classe trabalhadora. Arantes mostra como a extrema direita usa o neoliberalismo como base para promover desigualdades sociais e autoritarismo, propondo, em contrapartida, um modelo de desenvolvimento social e justiça econômica.

Em resumo, “Domínio das Mentes” é uma leitura fundamental para quem deseja entender o cenário político atual. Aldo Arantes oferece uma análise crítica e profunda da ascensão da extrema direita e da crise democrática, propondo a educação política e a mobilização popular como soluções urgentes.

 

O resumo remete ao prefácio de João Cezar de Castro Rocha, no sentido de que a obra se apresenta como “um livro-manifesto, um ensaio-convite-à-ação”, e por isso, lendo-a de trás para frente ela representa uma chamada para “uma intervenção concreta no presente com base (capítulo VIII), num ‘Plano pragmático de luta ideológica’, em outras palavras, como ação política, uma disposição “diligente [que] não paralise a mobilização da sociedade. Assim que, não basta interpretar o mundo, urge transformá-lo. Por isso “a urgência da escrita salta aos olhos; é como se as palavras desejassem passar do papel às ruas, do gabinete às passeatas”.

Ainda mais, a partir do resumo-síntese, apurar que a análise crítica e profunda da ascensão da extrema direita e da crise democrática, caracterizadas pelo Autor, a novidade de sua contribuição insere uma condição peculiar não só para programas a passagem do pensamento para a ação e da ação transformadora para ressignificar o pensamento, propondo a educação política e a mobilização popular como soluções urgentes.

Agenda prioritária e apta para não derrapar nas soluções óbvias. Porque sei que Aldo dialoga assiduamente com a perspectiva pastoral da mobilização comunitária no sentido missionário da conscientização fraterna libertadora mediada pela ética da justiça e da paz (Comissão de Justiça e Paz), recupero em diálogo com suas sugestões, o fecho da Análise de Conjuntura Social que o   Grupo de Análise de Conjuntura da CNBB – Padre Thierry Linard, do qual faço parte. Ofereceu ao Conselho Permanente da CNBB, por ocasião de sua reunião de 17 de novembro, “Perspectivas pós-eleitorais: à espera da esperança”.

Certo que a Análise esmiuçou os dados e resultados dos dois turnos das eleições municipais de outubro. Mas, o que mais sobressai dessa análise – https://www.ihu.unisinos.br/categorias/159-entrevistas/645286-eleicoes-de-2024-trazem-vitoriado-centrao-uma-esquerda-em-reconstrucao-e-o-bolsonarismo-enfraquecido-algumas-analises – eu e outros colegas do Grupo dissemos em entrevista, é apreender o que de construção se projeta do movimento revelado no pleito.

Trata-se de “explorar diferente chave de leitura do processo, menos à superfície, no âmbito mais tradicional da política e de seus fóruns de interpretação, aí incluídos os grandes meios de comunicação, eles próprios parte dessa tradição, o tom das análises repercute a leitura impressionista, do jogo de perdas e ganhos, levando em conta o desempenho das forças que representam o espectro ideológico da luta por poder entre conservadores e progressistas, entre direita e esquerda, e de desempenho das respectivas legendas e de suas candidaturas; e mais a fundo, onde talvez possam estar aflorando novidades interpelantes que podem ser designadas no pleito de 2024, como elementos gestados no substrato do próprio processo que podem enervar a política”.

Ainda na Análise, na direção de uma busca de novidades, algo que eu particularmente procurei trazer para a reflexão do Grupo – https://www.ihu.unisinos.br/644809-eleicoes-municipais-o-que-de-novidade-trazem-para-apolitica-artigo-de-jose-geraldo-de-sousa-junior. – é o poder constatar incidências de um protagonismo, em que mentes e corações se abrem, não só pastoralmente, mas como ação de cidadania ativa, tal como dissemos aos Bispos para que eles possam estar mais atentos a um programa de compromisso, a urgência, o giro pastoral, de “assumir uma travessia atenta à dignidade da política, da verdadeira política, que se faça mais exigente ainda face ao chamado comunitário e fraterno”. Lembramos, o pensamento do Pe Henrique Claúdio de Lima Vaz “que insistia que antes de ser um vasto corpo teórico, a Política (como ele grafava), faz parte de um ‘programa pedagógico’ que visa educar o indivíduo e a comunidade para a vida plenamente humana” (Cf. VAZ, Henrique C. de Lima. Ética e justiça: filosofia do agir humano. In: PINHEIRO, José Ernanne; SOUSA JÚNIOR, José Geraldo; DINIS, Melillo; SAMPAIO, Plínio de Arruda (orgs.). Ética, Justiça e Direito: reflexões sobre a reforma do judiciário. Petrópolis: Vozes, 1996).

Tal como Aldo Arantes, com seu “Programa”, e antes com Paulo Freire, com esperançar pedagógico, compreender que “há a necessidade de mais esperança. De um ‘esperançar’ da autonomia, da emancipação, da dimensão educadora da política que pode se exercitar na prática das eleições”.

Uma esperança ativa, que nunca é a espera sentada, como sugere a poesia de Cassiano Ricardo (A Rua):

Bem sei que, muitas vezes,

o único remédio

é adiar tudo.

É adiar a sede, a fome, a viagem,

a dívida, o divertimento,

o pedido de emprego, ou a própria alegria.

A esperança é também uma forma

de contínuo adiamento.

Sei que é preciso prestigiar a esperança,

numa sala de espera.

Mas sei também que espera significa luta e não

esperança sentada.

Não abdicação diante da vida.

A esperança

nunca é a forma burguesa, sentada e tranquila da

[espera.

Nunca é a figura de mulher

do quadro antigo.

Sentada, dando milho aos pombos.

(Publicado no livro Um dia depois do outro, 1944/1946 (1947). In: RICARDO, Cassiano. Poesias completas. Pref. Tristão de Athayde. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1957. p.26).

Um fim que é um recomeço. O livro traz como texto de arremate um ensaio sobre a renovação do socialismo. Nele Aldo Arantes afirma que uma importante lição na luta pelo socialismo é a de que não há modelos universais para a construção do socialismo. As características políticas, econômicas, sociais, ambientais e culturais de cada país é que definem as características do socialismo a ser construído. A incompreensão deste processo, fruto de uma visão antidialética e dogmática de setores marxistas, conduziu à tentativa de importar modelos completamente desligados de nossa realidade. E ainda, que o mesmo fenômeno ocorre em relação à revolução socialista. E a crise do capitalismo está recolocando o marxismo e socialismo na ordem do dia.

Esta é uma questão que justifica porque pensar e como pensar questões que parecem já não exigir reflexividade. Questões de tal modo decantadas que se tornam opacas, se acomodaram na paisagem de nossas percepções; estão de tal modo instaladas em nossa cognição que as olhamos sem ver. Penso que assim se passa com o socialismo. Está tão visível a nossos olhos que já somos capazes de enxergá-lo. E porque não o enxergamos, achamos que ele já não existe.

Schopenhauer por essa razão dizia que a tarefa não é não é ver o que ninguém nunca viu, mas sim pensar o que ninguém nunca pensou sobre algo que todo mundo vê. É isso que me parece estar no ensaio de Aldo sobre renovar o socialismo. Já nos anos 1970, nos perguntávamos, diante desse encurtamento da percepção, não sobre a permanência utópica do socialismo, mas de qual socialismo?

Estou pensando no livro de Norberto Bobbio, com esse título – Qual Socialismo? Discussão de uma alternativa (1976?), já em seu deslocamento para a esquerda e com a perplexidade um tanto desassossegadamente crítica em face do liberalismo e dos modelos de socialismo real, para se posicionar no sentido de que democracia sem socialismo e socialismo sem democracia são, respectivamente, uma democracia e um socialismo imperfeitos.

Também Rudolf Bahro, na mesma época, num impulso de dissidência, pensando alternativas, ao modo de crítica como se expôs na publicação em português  de A Alternativa – Para Uma Crítica Do Socialismo (Paz e Terra, 1980), porém renegando o socialismo real, em face da estagnação de sua Alemanha (Oriental), já em apelo “a uma nova revolução que transformasse não só as circunstâncias sociais, mas também as pessoas de modo a superar a mentalidade subalterna, a “forma de existência e modo de pensar das pessoas comuns”, num sistema que abolisse a divisão do trabalho”.

Do que se trata, diz Frei Betto em artigo recente – Esquerda, o resgate do sonho, (https://www.ihu.unisinos.br/categorias/594269-esquerda-o-resgate-do-sonho), é renovar o próprio sonho do socialismo, pois “fora da esquerda, não há saída para a miséria que assola o planeta (1,3 bilhão de pessoas)”. Hoje, diz ele, “o socialismo já não é apenas questão ideológica ou política. É também aritmética: sem partilhar os bens da Terra e os frutos do trabalho humano, os quase 8 bilhões de passageiros dessa nave espacial chamada Terra estarão condenados, em sua maioria, à morte precoce, sem o direito de desfrutar o que a vida requer de mais essencial para ser feliz: pão, paz e prazer”.

Penso que nada ilustra melhor essa perspectiva de construção descolada de modelos prévios que recortem e enquadrem os mais utópicos movimentos por socialismo e emancipação, do que o modo como o realiza o MST em seu protagonismo. Tratei disso ao resenhar uma publicação do Movimento – O MST e a Memória. MST 1984-2024. Caderno de Formação nº 61. Organização: Rosmeri Witcel, Edgar Jorge Kolling, Jade Percassi, Geraldo Gasparin, Rosana Cebalho Fernandes e Roseli Salete Caldart. São Paulo: MST Secretaria Nacional, 1ª edição, novembro de 2023; 2ª edição atualizada, março de 2024 (https://estadodedireito.com.br/o-mst-e-a-memoria-mst-1984-2024-caderno-de-formacao-no-61/).

O que me chama a atenção é que, nesse projeto, em que pese ser o socialismo sabidamente o horizonte utópico que ativa o próprio movimento, o que ele põe em causa como dínamo de sua ação, é a luta pela reforma… agrária,  enunciada como mediador de uma estratégia e talvez uma das principais formas de emancipação do povo trabalhador. Com ela, a democratização do acesso à terra e produção econômica e ecologicamente sustentável no campo, e o que é de mais básico para todos: soberania e segurança alimentar.

Uma ação profundamente revolucionária, apesar de manifestar ao modo de reforma. A tomar como referência o que diz Aldo Arantes, cotejada com aquelas “características políticas, econômicas, sociais, ambientais e culturais de cada país é que definem as características do socialismo a ser construído”. O que significa dizer, descolada daquelas circunstâncias que, no passado, vale dizer, ao tempo da 2ª Internacional, e em face das razões que colocavam em antagonismo antigos camaradas, convocados por questões próprias de seu tempo, levaram a distinguir, dramaticamente, separando-os, Lênin de um lado, Kaustsky (“o renegado”) de outro, o mesmo que Engels, Marx morto escolheu para editor do volume inédito de O Capital; Rosa (“a galinha que queria voar como águia”), e nessa divergência distinguir reforma de revolução; democracia (burguesa) de socialismo.

A luta do MST, por reforma agrária, é luta democrática sem perder o horizonte do socialismo, um socialismo a inventar, mas que se reconhece como herança das lutas da classe trabalhadora que o antecederam, e que também se enraíza no presente como referência para experiências no futuro. Há uma memória do MST e ela nos conecta com o futuro e para além de nós, um futuro socialista.

 

A experiência da vida no Movimento se configura como um processo de formação humana, que contém história, memória e cultura como dimensões que dialogam entre si. Cada espaço de experiência social e política do MST é um lugar de memória, onde se vive e se aprende; e se produz documentos históricos de toda natureza: símbolos, poemas, canções, filmes, fotografias, campos de cultivos, construções, depoimentos, textos escritos, monumentos etc.

As matrizes formativas sistematizadas pela Pedagogia do Movimento podem ser uma chave para pensar a construção da memória socialista do MST: luta, organização coletiva, trabalho, cultura e história. E no trabalho socialmente produtivo, a especificidade formadora do trabalho na terra, ela mesma matriz do ser humano como ser natural e social.

Com seu programa de formação o MST instaura aquele movimento que corresponde ao vaticínio de Marx sobre a caminhada dos trabalhadores em direção a sua emancipação. Recupero-o em Roberto Lyra Filho (Desordem e Processo: Um Posfácio Explicativo. In LYRA, Doreodó Araujo (org). Desordem e Processo. Estudos sobre o Direito em Homenagem a Roberto Lyra Filho. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1986) p. 273: “É também nesse movimento dos fatos que se pode buscar o rumo da História, isto é, o sentido objetivo duma caminhada para a emancipação humana, que traz na filosofia o cérebro condutor e nos trabalhadores o seu coração destemido (Marx-Engels, Werke, 1983, 1, 391). Porque estes últimos têm um elemento de sucesso: o número – que, entretanto, ‘só pesa na balança quando se unifica, na associação, e é guiado pelo saber’ (Marx-Engels, Werke, 1983, 16, 12)”.

Talvez resida nesse enlace entre guerra cultural e disposição educadora para a política e para a democracia a chave de abóbada da construção intelectual de Aldo Arantes no livro. Todo ele um programa pedagógico e um ítem a acentuar no “Plano programático de luta ideológica”, esboçado na obra, hoje, deve ser a que pense o papel dos militares na esfera da política.

A cena contemporânea, no Brasil, pauta esse tema em sua urgência. Se, como diz Aldo, “A Guerra Cultural da extrema-direita fica cristalina no objetivo do tal projeto de “neutralizar o poder das correntes de pensamento ideológico radical e utópicas”. A influência dos militares na vida política continua até hoje, sob novas formas”, o obscurantismo dessa influência marca mais o modo desastroso e canhestro dessa influência. A divulgação do relatório da Polícia Federal que captou as digitais de sua participação na preparação de um, golpe de estado e pior, numa conspiração que se reveste de absoluta inescrupulosidade: um duplo banditismo que não hesita em atentar contra as instituições, os poderes e vida, em nome da falaciosa defesa do patriotismo, civismo e dos valores tradicionais, pautas com a assinatura fascista de um imaginário castrense de extrema-direita, acentua Aldo; ao mesmo tempo com a voracidade de saqueadores corporativos, em busca de um botim, que vai do consumo de reguladores de disfunção erétil e próteses penianas, passando por concessões e regalias até alcançar os postos civis da burocracia com o comissionamento de mais de seis mil funções bem remuneradas. Ver meu https://brasilpopular.com/morrer-se-necessario-for-matar-nunca/, como exposição de anomalias de atuação com a ressalva de uma presença, na formação econômico-social brasileira, de um tempo e de protagonismos em que as forças armadas contribuíram para forjar a identidade nacional e se afirmarem como Instituição. Há nomes com registro obrigatório. E há uma institucionalidade a resgatar depois de expurgada dos efeitos de uma erosão ética e funcional.

Por isso mesmo, é a mensagem de Aldo Arantes, um governo democrático necessita adotar uma nova política de formação democrática das Forças Armadas, fundada nos princípios de nossa Constituição, assim como promover oficiais identificados com tais objetivos.

Penso que é isso que se extrai do posfácio assinado pela deputada Gleisi Hoffmann, presente também no debate do evento de apresentação do livro: “A proposta de uma plataforma do campo popular e de esquerda, para o enfrentamento da extrema direita na chamada Guerra Cultural” e, como propõe Aldo Arantes, de um plano programático de luta ideológica para uma nova hegemonia. O livro é, assim, “mais uma contribuição deste bravo militante da luta pela transformação social do Brasil, no rumo de uma sociedade livre, justa e democrática” e ao fim e ao cabo, um roteiro de luta política e social, para um socialismo a se reinventar.

 

 

|Foto Valter Campanato
José Geraldo de Sousa Junior é Articulista do Estado de Direito, possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal (1973), mestrado em Direito pela Universidade de Brasília (1981) e doutorado em Direito (Direito, Estado e Constituição) pela Faculdade de Direito da UnB (2008). Ex- Reitor da Universidade de Brasília, período 2008-2012, é Membro de Associação Corporativa – Ordem dos Advogados do Brasil,  Professor Titular, da Universidade de Brasília,  Coordenador do Projeto O Direito Achado na Rua.55

 

 

 

 

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