Affectio societatis nas sociedades

Coluna Descortinando o Direito Empresarial

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Critério interpretativo

A Affectio societatis ou bona fideis societatis é o elemento subjetivo, intencional, que denota a vontade, por parte do sócio, de contrair a sociedade. É o animus, a intenção, a vontade dos sócios, da união e da aceitação das normas de constituição e funcionamento da sociedade.

Fran Martins igualmente compartilha desse conceito, definindo a affectio societatis como sendo “o liame de estarem os sócios juntos para a realização do objeto social”[1], enquanto que Gladston Mamede a define como a “um elemento subjetivo que dá origem à sociedade; enfocada de forma coletiva, a englobar todos os sócios”. [2]

A Affectio Societatis, entendida desta forma, e conforme nos ensina Fábio Konder Comparato[3], constitui não apenas um elemento intrínseco e exclusivo do contrato de Sociedade, mas, sobretudo um critério interpretativo dos deveres e responsabilidades dos Sócios entre si.

A fidelidade e a confiança

Assim, existem dois elementos componentes da Affectio Societatis representativos do duplo aspecto dessa relação: a fidelidade e a confiança.

No que se refere à confiança, será desenvolvida mais adiante quando tratarmos do dever de sigilo que todo sócio tem para com a sociedade e aos demais Sócios.

A fidelidade vem a ser o escrupuloso respeito à palavra dada e ao entendimento recíproco que presidiu à constituição da sociedade.

Ora, vem a ser desta fidelidade que se pode afirmar que salvo cláusula em contrário, as obrigações dos sócios começam, imediatamente, com o contrato social, posto que com a mera manifestação de vontade, a pessoa se obriga em relação aos demais sócios e para com a Sociedade e, se for o caso, para com terceiros.

Quando as obrigações terminam

No entanto, as obrigações dos sócios somente terminam quando totalmente extintas se encontram as suas responsabilidades fixadas no próprio Código Civil ou em legislação específica.[4]

Porém, vários autores criticam essa identificação da affectio societatis com a intenção de formar a sociedade porque conduz a uma tautologia, já que seria o mesmo que identificá-la com o requisito do consentimento dos contratos. [5]

Carvalho de Mendonça entende que não há precisão nessa fórmula, pois “o elemento intencional, o consentimento dos contratantes sobre certo objeto é condição da essência de todos os contratos”. [6]

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Cumpre ressalvar, ainda, que o próprio Fran Martins, que fundamenta a sua definição na intenção dos sócios em formar uma sociedade, adverte que a affectio societatis apenas se encontra nas sociedades contratuais ou de pessoas e não nas sociedades institucionais ou de capitais. Pois “quando uma pessoa entra para uma dessas sociedades pode ignorar quais sejam os outros sócios, não havendo, assim, nenhum elo pessoal a ligá-los”. [7] Os sócios não são escolhidos de comum acordo visando realizar um objetivo comum.

Vontade de união e aceitação

A jurisprudência brasileira expressamente reconheceu a affectio societatis como um elemento específico do contrato de sociedade, que se caracteriza como uma vontade de união e aceitação das áleas comuns do negócio, sendo perfeitamente possível a dissolução parcial da sociedade quando a affectio societatis não mais existe em relação a algum dos sócios.

À guisa de exemplo, colaciona-se o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça:

Direito comercial. Sociedade por cotas de responsabilidade limitada. Fim da affectio societatis. Dissolução parcial. Possibilidade. I – A affectio societatis, elemento específico do contrato de sociedade comercial, caracteriza-se como uma vontade de união e aceitação das áleas comuns do negócio. Quando este elemento não mais existe em relação a algum dos sócios, causando a impossibilidade da consecução do fim social, plenamente possível a dissolução parcial, com fundamento no art. 336, I, do CCO, permitindo a continuação da sociedade com relação aos sócios remanescentes. II – Agravo Regimental improvido. [8]

Dissolução de sociedade

Contudo o entendimento de que pode ocorrer à dissolução da sociedade por quebra do afectio societatis é entendido por parte da doutrina e da jurisprudência que se aplica as sociedades anônimas, uma vez que a natureza institucional desse tipo societário afasta o elemento pessoal nas relações entre os sócios. Nesse caso, a affectio societatis, entendida como a intenção de formar a sociedade, seria considerada como um elemento determinante para a constituição ou continuação da empresa, razão pela qual seria cabível o pedido de dissolução parcial da sociedade anônima em face da ausência de affectio societatis.

Não é tranquila a questão da possibilidade de dissolução parcial de sociedade anônima, por ruptura da affectio societatis. [9]

Colaciona-se o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça:

Sociedade anônima. Dissolução parcial. Precedentes da Corte.

  1. É incompatível com a natureza e o regime jurídico das sociedades anônimas o pedido de dissolução parcial, feito por acionistas minoritários, porque reguladas em lei especial que não contempla tal possibilidade.
  2. Recurso especial conhecido e provido. [10]
Foto: STJ

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O Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira em decisão pela 4ª turma proferiu que:

Sociedade anônima. Acordo de acionistas. Resolução com base na quebra da affectio societatis e do dever de lealdade e cooperação entre os convenientes. Possibilidade jurídica. Incidência dos enunciados nos 5 e 7 da súmula/STJ quanto à ilegitimidade ativa da recorrida. Inocorrência de decisão extra petita. Matéria não debatida na apelação. Acórdão que não padece de falta de fundamentação. Recurso não conhecido.I – Admissível à resolução do acordo de acionistas por inadimplemento das partes, ou de inexecução em geral, bem como pela quebra da affectio societatis, com suporte na teoria geral das obrigações, não constituindo impedimento para tal pretensão a possibilidade de execução específica das obrigações constantes do acordo, prevista no art. 118, § 3º da Lei 6.404/76.II – Estando a questão da ilegitimidade ativa da autora do pedido de resolução contratual fundamentada na falta de cumprimento de cláusulas do acordo quanto à anuência dos demais convenientes, que o acórdão recorrido tem por expressamente manifestada nos documentos que analisou, não é viável o seu reexame em sede de recurso especial com a incidência dos enunciados nºs 5 e 7 da súmula deste Tribunal. III – Contendo a inicial pedido de resolução do acordo de acionistas e de seus aditivos e constando do dispositivo da sentença que  é julgado procedente esse pedido, “tendo por resolvidos o acordo de acionistas consubstanciado no instrumento original de fls. 14 e seus aditivos”, não há que argumentar-se com nulidade da decisão por ser extra petita. Questão sobre a qual, ademais se operou a preclusão, uma vez não agitada nas razões da apelação. IV – As decisões de primeiro e segundo graus, a par de haverem enfrentado todos os pontos relevantes da controvérsia, não padecem de falta de fundamentação, estando, ao contrário, fartamente expostos os argumentos que dão suporte as conclusões adotadas. [11]

Segundo Glaston Mamede “a expressão affetio societatis pode ser empregada para traduzir o universo volitivo de cada um dos sócios quotistas ou acionistas, expressando sua vontade de permanecer em sociedade”. [12]

Elementos internos

O contrato possui elementos intrínsecos (internos) e extrínsecos (externos). O contrato é composto dos seguintes elementos internos: (a) Affectio societatis ou bona fideis societatis é o elemento subjetivo, intencional, que denota a vontade, por parte do sócio, de contrair a sociedade; (b) pluralidade de pessoas: deve-se iniciar a sociedade com no mínimo duas pessoas, mas admite-se a unicidade suplementar temporária; (c) definição das obrigações recíprocas; (d) finalidade econômica (? de lucro) e; (e) partilha de resultados: A partilha dos resultados é obrigatória. . [13]

A legislação esclarece que a cláusula leonina é nula, mas subsiste o contrato de constituição da sociedade (art. 1.008, CC). Os externos são as cláusulas indispensáveis ao registro do contrato social ou do estatuto no órgão de registro público correspondente à natureza da atividade da sociedade. O CC enumera as cláusulas essenciais nos art. 997, bem como o arts. 15 e 16 da Lei 5.765/71 (cooperativas) e arts. 82 a 89 da LSA. Se o ato constitutivo contiver duas testemunhas será considerado como título executivo extrajudicial (art. 784 do novo CPC).

Referências:

[1] MARTINS. Fran. Curso de Direito Comercial. 30ª ed. atualizada por Carlos Henrique Abrão. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 173.
[2] MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: direito societário: sociedades simples e empresariais. São Paulo: Atlas. 2004. v. 2º, p. 126.
[3] COMPARATO, Fábio Konder, “Restrições à circulação de ações em companhia fechada”, Revista de Direito Mercantil, vol. 36, 1979, p. 65.
[4] Esta subtileza que o Código Civil teve em relação à extinção das obrigações dos sócios, deve-se, preponderantemente, ao fato de se estabelecer o máximo de proteção aos credores, públicos ou privados, que a Sociedade Empresarial teve durante o exercício da sua Atividade Econômica.
[5] SOLÁ CAÑIZARES, Felipe de. Tratado de Derecho Comercial Comparado. Tomo III. Barcelona: Montaner y Simón S/A, 1963, p. 67.
[6] MENDONÇA, José Xavier Carvalho de. Tratado de direito comercial. v.3. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1964p. 17, nota 3.
[7] MARTINS. Fran. Curso de Direito Comercial. 30ª ed. atualizada por Carlos Henrique Abrão. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 173.
[8] STJ. T3 – Terceira Turma. AGA 90995/RS. Rel. Min. Cláudio Santos, DJ 15/04/96, p. 11531. Também nesse sentido: REsp 60823-SP, Rel. Min. Waldemar Zveiter; RESP 65439-MG, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira e REsp 38160-SP, Rel. Min Waldemar Zveiter. http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia. Acesso em 12/06/2012.
[9] STJ. T3 – Terceira Turma. MC 3438/SP. Medida Cautelar. 2000/0147045-0. Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito. Data do Julgamento: 06/03/2001. DJ 09.04.2001 p. 349. http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia. Acesso em 12/02/2012.
[10] STJ. T3. Terceira Turma. REsp 419174/SP. Recurso Especial 2002/0028418-9.  Min. Carlos Alberto Menezes Direito. Data do Julgamento: 15/08/2002. DJ 28.10.2002 p. 311. http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia. Acesso em 12/06/2012.
[11] STF. REsp 388423/RS. Recurso Especial 2001/0169839-0. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira. Data do Julgamento: 13/05/2003. DJ 04.08.2003 p. 308. http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia. Acesso em 12/06/2012.
[12] MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: direito societário: sociedades simples e empresariais. São Paulo: Atlas, 2004. v. 2. p. 127.
[13] AQUINO, Leonardo Gomes de. Curso de Direito Empresarial. Teoria da Empresa e direito Societário. Brasília: Kiron, 2015, p. 149

 

Leonardo Gomes de AquinoLeonardo Gomes de Aquino é Articulista do Estado de Direito, responsável pela Coluna “Descortinando o Direito Empresarial” – Mestre em Direito. Pós-Graduado em Direito Empresarial. Pós-graduado em Ciências Jurídico Empresariais. Pós-graduado em Ciências Jurídico Processuais. Especialização em Docência do Ensino Superior. Professor Universitário. Autor do Livro “Direito Empresarial: teoria da Empresa e Direito Societário”.

 

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