A obsessão pelo exame de DNA

 

        

 

Edison Tetsuzo Namba

 

           Depois da descoberta do DNA, houve uma verdadeira revolução na seara da perícia médica. Era possível, ao se examinar o cabelo, a saliva, o sangue enfim, algo do corpo da pessoa, identificá-la (quem é) e vinculá-la a alguém (parentesco).

            Dessa forma, ao invés de se ter um número para individualizar alguém, com ou sem sua foto, registro geral, título de eleitor, cadastro de pessoa física (CPF), passaporte, identificação datiloscópica (impressões digitais), melhor seria obter amostra do DNA desse indivíduo.

            A propensão de se ter maior exatidão com o genoma, patrimônio genético, veio a incrementar ainda mais o intuito de todos serem individualizados e inter-relacionados pelo exame em questão.

            Todavia, deve-se pensar se todo esse esforço não está violando algum direito ou garantia constitucional, infraconstitucional ou enfraquecendo o próprio relacionamento humano.

            Na Carta Magna, em seu art. 5º, X, inscreve-se que não se pode violar a intimidade, vida privada, a honra e imagem das pessoas.

            Em razão desses direitos, muitas iniciativas, apesar de se desejar exatidão de dados, ou, então, coibir o crime ou, então, saber quem seja alguém desde o nascimento ou encontrar sua origem biológica, podem não ser adequadas.

Foto: Pixabay

 

Segredos de gerações anteriores

         Segundo lembrado, o DNA foi descoberto. Chegou-se a um ponto, que causou uma paralisação do avanço naquela oportunidade, de se descobrir verdades de séculos atrás, por exemplo, o sexo dos faraós embalsamados, com as terríveis consequências que disso poderiam advir. Nesse caso, melhor deixar a história ser contada com os recursos disponíveis nas épocas passadas.

 

Obtenção da identificação em tenra idade

        Se alguém, quando bebê, pode ser reconhecido geneticamente, pela impressão de seu pé, não teve oportunidade de se manifestar. Mais tarde, quando completar a maioridade, pode alegar que sua intimidade e vida privada não foi respeitada, por mais boa intenção que se tivesse na época, e cancelar essa maneira de ser identificado.

 

Implementação no sistema penitenciário

        Existe um esforço para a coleta de DNA do sistema penitenciário, para facilitar a identificação, principalmente, dos reincidentes. Ora, eles não renunciam a sua intimidade e vida privada por terem cometido uma infração penal, dessa forma, eventualmente, se é colhido o material a sua revelia, podem alegar nulidade do ato e cancelar o procedimento.

 

Descoberta de autoria de infrações penais

        Caso alguém se envolva em um crime, de roubo, por exemplo, para verificar se deixou seu DNA na cena do delito não pode ser compelido a fornecer o material, caso contrário, a prova é ilícita. Por mais justa que a medida possa aparentar, conforme se disse, o suspeito não abdica de sua intimidade. Ele não pode ser compelido a colaborar com as investigações. Tudo deve ser espontâneo.

 

Submissão de alguém na investigação de maternidade e/ou paternidade

        Numa ação de investigação de maternidade ou de paternidade não se pode forçar a quem é apontado como mãe ou pai a fornecer material para realizar comparação genética com aquele que ajuíza a ação. Oportuno, pois, inserir-se no Código Civil dispositivos de que essa pessoa, recusante, não poderá favorecer-se de sua omissão (arts. 231 e 232).

 

Direito ao reconhecimento das origens

        No art. 48 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/199), colocou-se o que se chamou de “direito ao conhecimento das origens”. Ora, isso vem de encontro ao espírito do diploma legal. Se alguém é adotado por outrem, a situação já está consolidada há anos, não teria motivo de saber quem lhe deu origem biologicamente. Seria menoscabar o relacionamento socio-afetivo sedimentado entre os pais e o (s) filho (s). A disposição legal, porém, dá margem a isso.

        A ciência, a tecnologia e o desenvolvimento devem ser concretizados (art. 218 da Constituição Federal), essa norma tem força de eficácia programa, limitada, porém, em não raras hipóteses, é necessário conciliar seus avanços com outros preceitos, bioéticos e éticos, inclusive, para não se tornar totalmente formal-dogmática, possuir conteúdo que encontre efetividade social, a fim de não transmudar uma convivência harmônica e pacífica num centro de conflitos.

        Em próximos escritos, far-se-á uma análise, minudente, de cada um dos tópicos aqui mencionados.

 

Conclusão

        A descoberta do DNA e, mais tarde, do patrimônio genético, é um avanço sem precedentes.  Isso, no entanto, não pode sobrepujar normas que protegem o indivíduo e a sociedade, quiçá, a própria história da humanidade. Deve-se, pois, avançar não só em termos técnicos, mas preservando direitos, princípios, enfim, valores, que esbarram na ética e bioética. Só assim ter-se-á a verdadeira efetividade da dignidade da pessoa humana.

 

 

Edison Tetsuzo Namba
Edison Tetsuzo Namba é  Articulista do Estado de Direito. 50. Juiz de Direito em São Paulo. Mestre e Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Docente Formador da Escola Paulista da Magistratura (EPM). Docente Assistente da Área Criminal do Curso de Inicial Funcional da Escola Paulista da Magistratura – EPM (Concursos 177º, 178º, 179º e 180º). Docente Civil da Academia de Polícia Militar do Barro Branco (APMBB). Docente Civil da Escola Superior de Sargentos. Representante do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo no Comitê Regional Interinstitucional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas – São Paulo. Membro do Instituto de Direito de Família. Autor do livro Manual de bioética e biodireito, São Paulo: Atlas, 2ª ed. 2015.

Se você deseja acompanhar as notícias do Jornal Estado de Direito, envie seu nome e a mensagem “JED” para o número (51) 99913-1398, assim incluiremos seu contato na lista de transmissão de notícias.

 

Comentários

  • (will not be published)