A necessidade de se discutir violência política de gênero dentro do cenário atual da extrema-direita

Laura Berquó

Laura Berquó *

O tratamento dispensado à Ministra Marina Silva, Ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, na tarde do dia 27.05.2025 por senadores quando compareceu à Comissão de Infraestrutura do Senado Federal reacende a necessidade de discutirmos violência política de gênero no Brasil. Na oportunidade, o Senador Marcos Rogério (PL-RO), que presidia a sessão, disse à ministra para “se pôr no seu lugar”.  Já o Senador Plínio Valério (PSDB-AM), afirmou que separando “a mulher da ministra”, haja vista que a mulher “merecia respeito” e que não devia respeito à Ministra.

A Lei nº 14.192, 04 de agosto de 2021, que trata do “Enfrentamento à Violência Política de Gênero” começou a ser aplicada nas eleições de 2022. A lei que traz a pena-base de 1 a 4 anos de reclusão, podendo ser agravada em razão de idade, etnia, raça e cor, alterou ainda o Código Eleitoral, a Lei de Partidos Políticos e a Lei da Propaganda Eleitoral e é aplicada aos casos de violência política de gênero desde o período eleitoral (com divulgação de fake News e notícias desabonadoras em razão de gênero), mulheres que exercem cargos públicos ou quaisquer violências dentro do espaço partidário em virtude de gênero feminino. A lei ainda acolhe mulheres cis e trans e também pode ter mulheres cis e trans como autoras das práticas de violência política de gênero, em especial quando tratamos de idadismo, racismo e transfobia.

Em 2022, o primeiro caso no Brasil de denúncia pelo Ministério Público Eleitoral ocorreu na Paraíba tendo como vítima a Deputada Estadual  Camila Toscano, e denunciado o ex-Secretário Estadual Célio Alves, antes portanto do caso da Vereadora Benny Briolly do PSOL-Niteroi, que foi agredida em 17.05.2022, mas teve denúncia oferecida posteriormente ao caso paraibano, contra o deputado estadual fluminense Rodrigo Amorim (União Brasil – RJ) por ofender Briolly em sessão na ALERJ.

Também no ano de 2022, a Deputada Estadual Andréa de Jesus (PT-MG), mulher negra, informou estar sendo perseguida por grupos pró-ditadura e que havia recebido ameaças. Também receberam ameaças várias parlamentares da esquerda, algumas vítimas de racismo, lesbofobia e ameaçadas por e-mail com estupros corretivos.

Portanto, falar de violência política de gênero é necessário, porque além de não ser recente no país, expõe outras questões como a preferência por agredir mulheres de orientação política de esquerda, negras, trans e também em razão da idade, como já visto com a Deputada Federal Luiza Erundina (PSOL-PT). Mas a lei protege quaisquer mulheres, independente da orientação político-partidária. O mais curioso é que os projetos de lei que deram origem à lei que criminaliza violência política de gênero partiu de duas deputadas de partidos de direita. A Deputada Federal Margareth Coelho (PP-PI) apresentou o PL nº 4463/2020, que teve como apenso o PL nº 349/2015 Deputada Federal Rosangela Gomes (Republicanos-RJ). Após a apresentação do PL nº 4.463/2020, a deputada Rosângela Gomes apresentou o PL nº 5613/2020 que reforçava os dois PL anteriores.

O Canal History Discovery apresentou há alguns anos um documentário sobre o  Papiro “Erótico” de Turim, encontrado no Egito e que data de mais de um milênio antes de Cristo. Além de tratar da sexualidade no Antigo Egito e de estética feminina, o referido documentário  trouxe  grafites da época que demonstram a forma de protesto contra dirigentes mulheres por meio de desenhos pornográficos.  Do Egito Antigo para os dias atuais nada mudou, não é verdade? Basta recordarmos a misoginia pornográfica sofrida pela ex-Presidente Dilma Roussef que às vésperas de seu impeachment foi alvo de piadas por meio de adesivos pornográficos colados às tampas dos tanques de combustível dos automóveis, em que a imagem da ex-Presidente era reproduzida com as pernas abertas.

Um dos casos nacionais mais emblemáticos de violência doméstica e de violência política de gênero aconteceu em 1971 e foi publicada na Revista Manchete na época com requintes de revitimização. A Lei de Violência Política de Gênero poderia se chamar Araci Najaim ou ter outro nome que expresse a indignação de um passado não tão distante. Então deputada estadual em Pernambuco, o seu então marido era ex-Prefeito de Caruaru. Drailton Najaim, segundo veiculado na época, manteve a deputada em cárcere privado, quebrou seus membros e queimou a vítima com cigarro para que ela renunciasse ao mandato. Na época a Revista Manchete tratou com chacota a situação, como briga de casal. Quantas Najaim foram impedidas de ingressarem na política por seus maridos? Quantas que estão se prestando na verdade a serem mandatárias de seus maridos, pais e filhos? E quando fazemos o recorte racial, como se dá a participação da mulheridade branca na política se não for como testa de ferro de homens reafirmando pactos de poder tradicionais?

Os Casos de Patrícia Arce e Marielle Franco em que mulheres indígenas e negras de esquerda não poderão ascender ao poder sob pena de serem seviciadas ou assassinadas dizem muito sobre o quadro político que se projetou na América Latina e deve piorar com o retorno da extrema-direita nos EUA. Não houve empoderamento feminino com Jeanine Áñez na Bolívia que ascendeu por forças misóginas de uma religião ultra patriarcal e com apoio militarista enquanto outra mulher, Patricia Arce, em seu próprio país que representava a etnia originária de seu povo era torturada por homens. Em 2019, a então presidente do Senado Adriana Salvatierra também foi obrigada a renunciar juntamente com o então Presidente Evo Morales e o Vice-Presidente Álvaro Garcia. Outro sinal de “desempoderamento”, porque pela Constituição a ordem natural com a renúncia de Morales e Garcia seria a posse de Salvatierra se não fosse a crise instaurada por militares e a onda extremista neopentecostal no país. Houve retrocesso no empoderamento feminino quando temos medo de sermos chamadas de “barangas” porque não apoiamos discursos que nos reduzem a cadelas que merecem uma tigela de ração, porque não somos Cinderelas como cantou MC REAÇA nas eleições de 2018. Não há empoderamento quando Dilma foi posta para fora, mas ascenderam mulheres que ao discordarem do Presidente Bolsonaro e de seus filhos sem condições de serem parlamentares, sofreram agressões lipofóbicas, como Joice Hasselmann, ainda que tenha dado voz à extrema-direita bolsonarista.

  •  Advogada e Professora Adjunta da UFPB. Mestre em Ciências Jurídicas pela UFPB. Ex-Conselheira Estadual de Direitos Humanos (Paraíba).
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