A morte de Giovanni Sartori

Coluna Democracia e Política

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Foto: giovannisartori.it

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Trajetória

A morte de Giovanni Sartori priva as humanidades de um inestimável pensador da Ciência Política. Nascido em 1924 em Florença, Itália, Sartori doutorou-se em Ciências Políticas e Sociais em 1946. Entre 1950 e 1976, Sartori foi professor de filosofia moderna, sociologia e ciência política na Universidade de Florença e após, entre 1976 e 1994, vai aos Estados Unidos lecionar na Universidade de Columbia, sendo convidado para ministrar aulas em Harvard, Yale e Stanford. Esteve à frente das mais prestigiosas instituições de Ciência Política, foi diretor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Florença e integrou o Conselho Internacional de Ciências Sociais. Fundador e Diretor da Revista Italiana de Ciência Política entre 1971 e 2003, foi homenageado pelas universidades de Washington, Madri, Buenos Aires, Bucareste e Atenas, tendo recebido a ordem Cruzeiro do Sul pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso em 1999 e os prêmios internacionais Benedeto Croce, Elsa Morante, Fundação Matei Dogan, Karl Deustch e Isaiah Berlin por seu trabalho no campo da ciência política.

Imenso provocador

O mais sério dos cientistas políticos americanos era um imenso provocador. Em sua entrevista ao periódico La Nacion, realizada em junho de 2016, Sartori afirma que a possível vitória de Donald Trump seria a consagração do homo cretinus – no que acertou em cheio – e sua obra é uma inestimável contribuição a teoria política ainda que, suas posições mais recentes, tenham sido objeto de crítica. Autor de mais de cinquenta livros traduzido para mais de 30 idiomas, sua última obra emerge como o diagnóstico de nossa época: em A corrida para lugar nenhum (Mondadori, 2016), Sartori aborda da crise da política europeia contemporânea ao “conflito de culturas e civilizações” entre o Islã e o Cristianismo.

Sua preocupação mais recente eram os efeitos da “guerra contra o terror” na política, tema que já vinha sendo seu objeto de seus editoriais publicados no jornal “Corriere della Serra”. O pensador italiano escrevia ao final de sua vida sobre as consequências da imigração para o sistema eleitoral italiano “Os homens, uma vez para baixo das árvores e bípedes sem penas se tornam, se organizaram em pequenas tribos dedicadas à caça e à agricultura. O salto ocorreu com a descoberta do carro, que criou uma nova sociedade, a sociedade industrial. Tudo bem, até que percebeu que as máquinas poderiam ser produzidas pelas máquinas, removendo o trabalho em um mundo superpovoado, mais e mais”, afirma o pensador italiano, ainda com um gosto amargo na boca: a corrida para lugar nenhum de que fala o título é a previsão de que nada resta de uma cultura política quando não se é capaz de preservar valores democráticos fundamentais.

O cientista político Luis Felipe Miguel da Universidade de Brasilia, assim se referiu a Sartori. Para ele, foi um dos primeiros cientistas políticos “hardcore” de uma época,  sendo seu Partidos e sistemas partidários a leitura obrigatória de uma geração de cientistas políticos para a reconstituição histórica do debate sobre facções e partidos numa linha liberal conservadora, ainda que hoje,  “está desatualizada para nossos dias. Pensar contra ele me ajudou muito a desenvolver minhas próprias ideias. Por isso, hoje lamento sua morte.” Miguel é um critico das suas contribuições sobre teoria da democracia, expostas em  Teoria da Democracia Revisitada, por ser elitista demais, mas a ideia de ter um adversário a altura impõe o respeito de Miguel por seu pensamento.

Dedicação notável

Se no campo da teoria política seu pensamento é fonte de debates entre direita e esquerda, no campo da teoria política foi um notável estudioso de metodologia de política comparada. Sua obra “Como fazer ciência política” (Taurus, 2011) é uma espécie de “discurso do método” do autor, continuando, de certa forma, sua obra “Política, lógica e método em ciências sociais” (FCE, 1984), leitura obrigatória de estudantes de ciência política. Na verdade, há duas edições desta obra pela Taurus: uma editada na Espanha traduzida diretamente do italiano e outra, editada no México pelo constitucionalista e aluno de Sartori Jorge Islas, que contém o mesmo texto mais ensaios de alunos latino-americanos de Sartori.  Nela, Sartori critica a criação de falsas categorias universais com o objetivo de aplicar ao maior número de casos possíveis, provocado, segundo o autor, pela necessidade de ampliação dos sistemas políticos. Critica também a tentativa de quantificação dos fenômenos políticos, presente em muitos estudos contemporâneos, que os tornam quase indecifráveis pelo cidadão comum, mas, afirma Sartori, não se trata de evita-los, mas saber quando faze-lo, isto é, quando os conceitos fundamentais de um fenômeno o exigem.

Foto: giovannisartori.it

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Ainda que suas posições sejam contraditória e as vezes ambíguas, seu papel como cientista político preocupado com a prática, com a realidade, é notável. Sua análise da política americana antecipou a eleição de Donald Trump “É possível (a eleição de Trump) porque o homo videns, o homem que só entende aquilo que vê com seus olhos e é incapaz de manejar conceitos abstratos, teve tal êxito que evoluiu até transformar-se em homo cretinus.” A tese advém de seu pequeno livro “Homo Videns: A sociedade teledirigida” (Edusc,2001), obra que lembra em parte a obra “Sobre a Televisão”, de Pierre Bourdieu (Zahar, 1997): ambos estão preocupados com os efeitos dos meios de comunicação sobre a democracia. Enquanto para Bourdieu, a questão é descrever a estrutura e modo de construção de programas televisivos e como estabelece a alienação do público, para Sartori trata-se de descrever como o progresso tecnológico colabora na formação de opinião: a formulação “a imagem também mente”, título de um dos capítulos, dá o tom da análise política contemporânea onde “a maior parte do público não sabe quase nada dos problemas públicos”.  A crítica de Sartori em direção aos meios de comunicação é que, segundo o autor, eles ao contrário de ampliar, reduzem o que o autor denomina de demos-saber, o saber do povo.

Esta, é na minha opinião, o aspecto do pensamento de Sartori que ainda justifica sua leitura. Teórico do vídeo-politica, termo que formulou para definir a incidência dos meios de comunicação no mundo político, Sartori entende que o poder dos veículos de comunicação está no fato de conduzir a opinião dos cidadãos no processo eleitoral e por esta razão, a imagem se tornou o centro dos processos da política contemporânea. Candidatos com maior acesso aos recursos de comunicação, devido as coligações, são os que maior chance tem de se eleger e por essa razão, é um fervoroso defensor do fim das coligações eleitorais. Para Sartori, não se trata que os meios de comunicação informem pouco “o problema é que informam mal”. O autor recupera o lema de Walter Cronkite, decano dos apresentadores da TV americana, “a imagem mente”.

Polêmico e essencial

Ao contrário de Miguel, que critica a visão de Sartori em Homo Videns, acredito que a obra ainda é essencial ao entendimento não apenas do mundo contemporâneo, mas da política brasileira. De certa forma, a ideia de que a sociedade é vítima de uma mentira na propaganda política, retorna atual: não é assim que se sentiu a sociedade gaúcha ao ver as medidas tomadas após a eleição, agora governador, José Ivo Sartori? Não é assim que os cidadãos porto-alegrenses se sentiram, em especial os professores, após a eleição de Nelson Marchezan Jr? Em ambos os casos, após um intenso processo eleitoral, os cidadãos que votaram a partir das informações dos candidatos nos meios de comunicação, em especial a televisão, sentem que foram vítimas de uma mentira. Neste aspecto, sua obra é o testemunho que a interpretação da realidade política depende de uma boa teoria e, nisto, ele foi um artificie sem comparação.

Sartori propõe que o cientista politico deve se arriscar e por isso , não cessam as suas previsões: ao mesmo tempo em que prevê no futuro a falta de água para a agricultura, depois das Twin Towers, Sartori prevê que os alvos de ataques terroristas passariam de grandes prédios e seus habitantes para os condutos de água das grandes nações. É verdade que suas posições radicais de combate ao terrorismo provocaram o debate entre cientistas sociais recentemente “Estamos em guerra. Em tempos de guerra não se podem respeitar as regras da paz porque se não perdemos a guerra. Se matam teus cidadãos, deves aplicar o Direito de Guerra” e ao mesmo tempo em que fazia a defesa enfática da intervenção militar direta, associava a defesa da residência de imigrantes de forma permanente na Europa, posição que lhe trouxe criticas da direita e elogios da comunidade cientifica ao mesmo tempo em que defendia que essa permanência deveria ser sem direito ao voto, o que imediatamente lhe rendeu críticas  esquerda ”Se lhes dermos direito ao voto, em trinta anos poderemos ter a implantação num estado europeu da sharia, do Estado Islâmico”. Esse era Sartori, um polemista numa época de massificação da opinião e da tendência de seguir sempre o rebanho.

 

downloadJorge Barcellos é Articulista do Estado de Direito, responsável pela coluna Democracia e Política – historiador, Mestre e Doutor em Educação pela UFRGS. É chefe da Ação Educativa do Memorial da Câmara Municipal de Porto Alegre e autor de “Educação e Poder Legislativo” (Aedos Editora, 2014). Escreve para Estado de Direito semanalmente.

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