A experiência da extensão universitária na faculdade de Direito da UnB

Coluna Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito

 

 

A Experiência da Extensão Universitária na Faculdade de Direito da UnB. Alexandre Bernardino Costa (organizador). Brasília: Faculdade de Direito da UnB/Coleção “O que se Pensa na Colina”, vol. 3, 2007, 277 p.

         Tratei do tema extensão universitária aqui mesmo neste espaço em coluna anteriormente publicada – http://estadodedireito.com.br/salao-de-extensao-20-anos/.  Então, a propósito de registrar minha participação num evento celebratório do qual participei,  20 anos do Salão de Extensão da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), deixei marcado o meu posicionamento re-afirmando o que deixei expresso em meu balanço de reitorado (SOUSA JUNIOR, José Geraldo de (Org). Da Universidade Necessária à Universidade Emancipatória. Brasília: Editora UnB, 2012): “Nenhum reitor, desde os tempos medievais de reitores-estudantes no modelo de Bolonha, aos reitores-professores no modelo moderno de universidade, afronta arrogante o espaço público de inter-relacionamento e de diálogo com as comunidades plurais epistêmicas que dão legitimidade ao saber que suas instituições realizam” (p. 60-61). O conhecimento, assim, sobretudo em contexto de diálogo universidade e sociedade, adquire papel social indissociável e a extensão universitária é o seu melhor instrumento de construção.

            No registro dos eventos daquela celebração, a propósito de estabelecer uma conexão entre a experiência da UFRGS e da minha UnB, aludi a um texto originado de balanço do projeto extensionista da Faculdade de Direito desta universidade, para salientar que, com efeito, a extensão é tradução de reconhecimento, na medida da disponibilidade de uma prática de intervenção que se reorienta reflexivamente a partir da extensão universitária e que se irradia indissociavelmente nos elementos que designam o afazer universitário: o ensino e a pesquisa. Mencionei, nessa Desde a perspectiva de O Direito Achado na Rua não é pouco essa denotação, se se tem em mente, por exemplo a constatação levada a cabo pela ex-Decana de Extensão da UnB Leila Chalub Martins, ao afirmar que “O Direito Achado na Rua, a meu juízo, foi a primeira e mais significativa iniciativa intelectual, no sentido de responder ao que cobrava Darcy Ribeiro, no momento do ‘renascimento’ da Universidade de Brasília” (Uma Universidade intrometida na vida – a experiência da Faculdade de Direito com a extensão universitária. In COSTA, Alexandre Bernardino (org). A Experiência da extensão universitária na Faculdade de Direito da UnB. Brasília: Faculdade de Direito. Coleção O que se Pensa na Colina, vol. 3, 2007, p.8).

            É exatamente esse livro, mencionado no comentário acima que trago para apresentação neste Lido para Você. A obra, organizada pelo Professor Alexandre Bernardino Costa, que coordenou a extensão na Faculdade de Direito ao tempo da sistematização as experiências reunidas no livro e que acumulou competência para depois assumir essa atribuição, como Decano de Extensão da UnB, no reitorado pro tempore exercido pelo Professor Roberto Aguiar (2008), realiza a proeza de por em relevo o desempenho extensionista, na Faculdade de Direito, numa universidade que se distingue pela excelência nesse fundamento universitário.

            Basta ver o reconhecimento da Decana de Extensão Leila Chalub, já citada, de modo a estabelecer o enlace entre esses dois níveis de atuação: “Esse é o trabalho que se desenvolve na Faculdade de Direito. Apresentá-lo é a proposta deste livro. O que o leitor vai encontrar aqui é a expressão e a pulsação de uma universidade que resolveu se intrometer na vida, comprometendo-se com ela. Que acolhe suas urgências e as transforma em sua motivação para a pesquisa. Que assume relação emancipatória com a sociedade com a qual interage. Que constrói sujeitos de direitos nessa relação. Que sabe reconhecer que a ‘indisciplina da extensão’ – no sentido de que rompe com as ‘disciplinas’ da sala de aula – é essencial na formação de sujeitos críticos e cidadãos conscientes, além de competentes profissionais” (p. 10).

             Trata-se, eu já firmei, (http://estadodedireito.com.br/salao-de-extensao-20-anos/) de um acumulado considerável, de muitos modos certificado, a ponto de se constituir como um registro de referência da própria construção de campo extensionista, projetado desde a UnB (SOUSA, Nair Heloisa Bicalho de; COSTA, Alexandre Bernardino; FONSECA, Lívia Gimenes da; BICALHO, Mariana de Faria. O Direito Achado na Rua: 25 Anos de Experiência de Extensão. Participação. Revista do Decanato de Extensão da Universidade de Brasília – Ano 10, nº 18 – dezembro de 2010. Brasília: Universidade de Brasília/Decanato de Extensão, 2010). E que certamente contribuiu para adensar um campo muito característico da extensão da Universidade de Brasília, o dos direitos humanos, muito bem identificado em pesquisa levada a cabo sob a coordenação da  professora Nair Heloisa Bicalho de Sousa, Coordenadora do Núcleo de Estudos para a Paz e os Direitos Humanos  NEP/CEAM, docente do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos e Cidadania, do CEAM/UnB. Basta ver seu estudo em co-autoria com Regina Coelly Fernandes Saraiva, Rosamaria Giatti Carneiro e Vannessa Alves Carneiro, Direitos Humanos e Educação em Direitos Humanos na Extensão da Universidade de Brasília (in PINTO, João Batista Moreira (org). Direitos Humanos como Projeto de Sociedade: Caracterização e Desafios. Belo Horizonte: Editora Instituto DH, 2018, vol. I, p. 297-322).

            Esses trabalhos atualizam o que já havia sido notado por Boaventura de Sousa Santos, ao distinguir o projeto acadêmico da UnB, no campo da extensão, e também, ao associar seu enlace com as iniciativas da Faculdade de Direito dessa universidade, ao impulso do projeto O Direito Achado na Rua originalmente e ainda hoje com vínculos incindíveis com o sistema de extensão. De fato, aludindo aos fundamentos da extensão universitária (in Da Ideia de Universidade à Universidade de Ideias, citado aqui pela publicação que fiz no livro por mim organizado Redefinindo a relação entre o professor e a universidade: emprego público nas Instituições Federais de Ensino? – conferir em meu Lido para Você – http://estadodedireito.com.br/redefinindo-a-relacao-entre-o-professor-e-a-universidade-emprego-publico-nas-instituicoes-federais-de-ensino/ – diz Boaventura: “Do ambicioso Programa Permanente de Participaçãp Colectiva elaborado pelo Decanato de Extensão, destaco o projecto Ceilândia, constituído por dois subprojectos: ‘o subprojecto de história popular que visa resgatar a luta dos moradores da área pelos lotes residenciais, conteúdo que será incorporado ao sistema escolar como material básico de ensino no local, e o subprojecto de saúde popular, baseado no trabalho com plantas medicinais, com a implantação de raizeiros, benzedoras, curandeiros, profissionais de saúde, estudantes, agrônomos, etc’. De salientar ainda o projecto do Direito Achado na Rua, que visa recolher e valorizar todos os direitos comunitários, locais, populares, e mobilizá-los em favor das lutas das classes populares, confrontadas, tanto no meio rural como no meio urbano, com um direito oficial hostil ou ineficaz” (p. 111).

            Sempre muito atento ao que se passa na UnB, não fosse Doutor Honoris Causa pela universidade, Boaventura de Sousa Santos atualiza suas observações a respeito do que nela se desenvolve e no campo da extensão, referido às condições valiosas de acesso à justiça, em alcance emancipatório ele identifica suas importantes iniciativas, não por acaso desdobradas de O Direito Achado na Rua para arrolá-las em seu conceito de revolução democrática da justiça: a assessoria jurídica universitária e o projeto promotoras legais populares.

            Para ele, são “iniciativas em curso no Brasil…cuja característica distintiva reside na articulação entre as práticas de capacitação jurídica e as práticas de extensão da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília” (p. 58). Sobre esses projetos, com mais elementos em seu texto de referência (SANTOS, Boaventura de. Para uma Revolução Democrática da Justiça, 3ª. edição. São Paulo: Cortez Editora, 2011), “a interação entre alunos e os futuros profissionais do direito interfere também na formação destes últimos, dotando-os de instrumental empírico, analítico e crítico, de modo que se percebam como capazes de propor soluções novas e alternativas ao dogmatismo jurídico. A extensão universitária emerge como canal privilegiado de contato com a diversidade jurídica do mundo exterior à faculdade, atuando na reformulação da consciência jurídica de formadores e formandas num circuito recíproco de ensino e aprendizagem” (p. 48-70, especialmente, p. 58-59). Ainda sobre esses projetos específicos conferir na coluna Lido para Você – http://estadodedireito.com.br/promotoras-legais-populares-movimentando-mulheres-pelo-brasil-analises-de-experiencias/, http://estadodedireito.com.br/a-pratica-juridica-na-unb-reconhecer-para-emancipar/ e http://estadodedireito.com.br/a-descoberta-de-novos-saberes-para-a-democratizacao-do-direito-e-da-sociedade/.

            Trata-se, em suma, como anota o Diretor da Faculdade Mamede Said Maia Filho, ao tempo da publicação Coordenador de seu Núcleo de Prática Jurídica, de uma “universidade que dialoga e interage” (p. 29-32). E, como afirma o professor Alexandre Bernardino Costa em seu texto prefacial (p. 11-27), de filiar-se a uma concepção de extensão universitária que se constitua “como a oportunidade do saber científico desenvolver-se com sua abertura para a sabedoria criada e posta em prática na dinâmica social”. Isso, ele continua, significa que na “medida em que se realiza a extensão universitária, sobretudo voltada para a cidadania e para os direitos humanos, a sociedade ganha por desenvolver processos de autonomia na sua luta emancipatória, e a Universidade ganha na medida em que aprende com a comunidade suas formas de realização social”.

            Em sua Apresentação o Organizador sumaria o conteúdo da obra: 1. Extensão universitária no Núcleo de Prática Jurídica: a universidade que dialoga e interage, Mamede Said Maia Filho; 2. Voluntariado: a experiência do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade de Brasília, Jan Yuri Figueiredo de Amorim; 3. Projeto UNB/Tribuna do Brasil: Coluna do Direito Achado na Rua, Tatiana Margareth Bueno; 4. Projeto Promotoras Legais Populares do Distrito Federal: Troca de conhecimentos rumo a uma educação jurídica emancipatória, Ana Zélia Carvalhedo, Carolina Tokarski, Fabiana Perillo, Hanna Xavier, Adriana Andrade Miranda e Paula Ravanelli Losada; 5. “Eu, sujeito de direitos? Me conta essa história”, O caso da Comunidade Tororó, do direito à educação e a educação do direito: uma reflexão sobre Educação, Direito e cidadania, Carolina de Martins Pinheiro, Luisa de Marilac Xavier dos Passos, Miliane Nogueira Magalhães Benício, Mariana de Faria Bicalho; 6. Universitários Vão à Escola: Construindo autonomia. A experiência de democratizar a educação e o direito em Itapuã-DF, Liana Issa Lima, Josué Silvestre Terceiro, Jaqueline Barbosa Pinto Silva, Talitha Selvathi Nobre Mendonça, João Telésforo Nóbrega de Medeiros Filho; 7. Cabaret Macunaíma. A travessia de uma experiência extensionista, Mariana Rodrigues Veras, Marta Gama; 8. O Observatório da Constituição e da democracia, autoria coletiva (Coordenadores, Comissão de Redação e Redatores inscritos no expediente da edição n. 16, de setembro de 2007, do Periódico Observatório da Constituição e da Democracia).

            Uma nota de filiação. Com exceção do projeto Universitários Vão à Escola, todos os demais descritos e analisados na obra são originados do Grupo de Pesquisa O Direito Achado na Rua (Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq) e de sua agenda de extensão universitária. Razão pela qual, no texto do organizador A extensão universitária da Faculdade de Direito da UnB, um item do texto seja exatamente A Concepção Teórico-Prática de O Direito Achado na Rua, ali onde vai justificar essa identidade dos projetos: “O Direito Achado na Rua constitui-se obra de referência da educação à distância e da interação universidade-sociedade, nacional e internacional, ao abordar o fenômeno jurídico a partir de sua construção pelos movimentos sociais como legítima organização social da liberdade…Uma proposta de trabalho teórico-prático deve partir da concepção de universidade que forneça os mecanismos de sua efetivação como ensino, pesquisa e extensão, visando superar sua própria crise. Al´wm de repensar a universidade, é necessário refletir sobre padrões do conhecimento científico pretensamente universal, neutro e verdadeiro que isola seu objeto e se destaca das demais formas de conhecimento. O projeto O Direito Achado na Rua propõe um conhecimento interdisciplinar que assume papel social e ético e supera a dicotomia teoria/prática”. (p. 21-22).

            São aportes que servem de lastro a posicionamentos de alta confiança, assim como expresso em Boaventura de Sousa Santos quando revisita o tema (A Universidade no Século XXI: para uma reforma democrática e emancipatória da Universidade. São Paulo: Cortez Editora, 3ª. edição, 2010), ao referir-se ao “significado muito especial que área de extensão vai ter no futuro próximo” e por isso deve ter nova centralidade nas ações de reforma do sistema universitário (p. 73).

            O livro  A Experiência da Extensão Universitária na Faculdade de Direito da UnB, aqui Lido para Você, destaca esse significado e reúne experiências que se prestam a demonstrar o movimento universitário em direção a essa nova centralidade. Em meu prefácio ao livro de Boaventura de Sousa Santos Direitos Humanos, Democracia e Desenvolvimento (São Paulo: Cortez Editora, 2013), acentuo essa clivagem nesse passo, aludindo ao programa que procurei imprimir no reitorado da UnB (entre 2008-2012).

            Para mim, conforme destaquei no prefácio, radica aí também a mudança levada a efeito na UnB a partir de 2006 e acelerada entre os anos de 2088 a 20123, para fazer-se uma instituição multicampi, com instalação majoritariamente aprovada por seus conselhos superiores, mas não sem uma objeção difusa, espalhada no espaço universitário em nichos de conservadorismo elitista, de novas unidades descentralizadas em Planaltina, Gama e Ceilândia, cidades-satélites do Distrito Federal. Uma UnB policêntrica, territorialmente expandida, para traduzir a dimensão de completude sugerida por Darcy Ribeiro para caracterizar o alcance de seu original projeto.

            Algo que se aproxime da proposta de Boaventura de Sousa Santos para uma Universidade Popular, em seu duplo objetivo, o primeiro de ultrapassar a distinção entre teoria e prática, o segundo de superar a distinção entre ensinar e aprender, sempre com a finalidade de aumentar significativamente a eficácia e a consistência das ações transformadoras, impulsionadas por estratégias de diálogo com a sociedade orientados por direções emancipatórias de mudança social.

José Geraldo de Sousa Junior é Articulista do Estado de Direito, possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal (1973), mestrado em Direito pela Universidade de Brasília (1981) e doutorado em Direito (Direito, Estado e Constituição) pela Faculdade de Direito da UnB (2008). Ex- Reitor da Universidade de Brasília, período 2008-2012, é Membro de Associação Corporativa – Ordem dos Advogados do Brasil,  Professor Titular, da Universidade de Brasília,  Coordenador do Projeto O Direito Achado na Rua.55

 

 

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