Marcelo José Ferlin D’Ambroso[1]

“O renascimento da arquitetura brutalista está intimamente ligado às redes sociais, bem como às tendências na música e nas artes visuais. Blocos habitacionais construídos em concreto armado frequentemente aparecem em videoclipes de música techno, rap e hip-hop. Como Jappe menciona nos capítulos 4 e 5, citando Lewis Mumford (Mumford, 1961), concentrar as classes trabalhadoras em blocos habitacionais construídos em concreto serve como uma ferramenta para a submissão da população, ao mesmo tempo que faz com que as classes mais baixas odeiem seu próprio ambiente de vida.” (Gloria Guirao Soro[2])
“Em relação à cidade, o capitalismo foi, desde o início, anti-histórico; e à medida que sua força se consolidava ao longo dos últimos quatro séculos, seu dinamismo destrutivo aumentava. Não havia lugar para as constantes humanas no esquema capitalista: ou, melhor dizendo, as únicas constantes que o capitalismo reconhecia eram a avareza, a ganância e o orgulho, o desejo de dinheiro e de poder. A condição para o sucesso pecuniário era desprezar o passado, porque era um fato consumado, e dar boas-vindas ao novo, precisamente porque era um ponto de partida e, portanto, uma oportunidade de bons negócios. Em benefício da expansão, o capitalismo estava preparado para destruir o mais satisfatório equilíbrio social.” (Lewis Mumford[3])
Í N D I C E
- Introdução
- O brutalismo arquitetônico: rigidez, funcionalismo, mercantilização e desumanização
- O brutalismo judicial: racionalidade instrumental econômica e desmanche de direitos
- STF, TST e a uniformização jurisprudencial regressiva: jurisprudência brutalista
- O brutalismo como metáfora institucional
- A urgência de uma nova arquitetura judiciária: da frieza calculista à empatia constitucional e humanista
- Considerações finais
- Referências bibliográficas
- Introdução
O conceito de “brutalismo judicial” emerge da necessidade de nomear um fenômeno que vai além do mero tecnicismo jurídico: trata-se da imposição jurisprudencial, sob o pretexto de “segurança jurídica”, de soluções normativas que desumanizam e desconstroem os Direitos Sociais. O termo remete à estética do movimento brutalista na arquitetura, caracterizado por obras de concreto aparente, funcionalismo extremo e desconsideração pelas experiências humanas.
A linguagem do concreto armado, exposta sem ornamento, brutalmente, é uma das maneiras de caracterizar o estilo brutalista na arquitetura. Obras que expressam poder e solidez, mas também rigidez, frieza e distanciamento humano. O utilitarismo aplicado às construções revelou o brutalismo: um estilo que prestigiou a utilização de materiais baratos e a funcionalidade dos edifícios. No entanto, essa estética é criticada por sua indiferença à escala humana e à experiência cotidiana dos sujeitos.
Como anota Zein, em referência a Banham[4]:
“Passado meio século, essa leitura de Banham não precisa ser aceita de maneira ainda apegada ao tom negativo que este lhe confere: se bem que desencantada, sua análise é bastante fiel aos fatos – e mesmo muito perspicaz. Banham também reconhece que muitos outros grupos ingleses, que não chegaram a subscrever as pretensões ético-morais do Novo Brutalismo, passaram a se apropriar também do Brutalismo em suas propostas; e fala ainda do Brutalismo como uma ‘estética de armazém’, ou ‘um estilo economicamente apto a atender aos requisitos de uma sociedade economicamente orientada’. Se há alguma ética, parece ser a da economia favorecendo a exibição estrutural.” (Zein, 2007)
Em comparação à arquitetura, talvez seja isso mesmo que esse brutalismo judicial representa: a ética econômica favorecendo a exibição estrutural do Direito do capital tal como ele é: opressor, bruto e insensível à democracia e à experiência humana. Por outras palavras, parafraseando Banham, o brutalismo judicial tem uma “ética econômica” com uma “estética de armazém”.
Jappe, estruturando sua crítica ao uso do concreto armado, no sugestivo livro intitulado “Concreto: arma de construção massiva do capitalismo” é mais enfático, salientando que o concreto encarna a lógica mercantilista[5], anulando todas as diferenças, apresentando mais do mesmo, de forma industrial e com obsolescência programada. Sustenta que o concreto armado produz monotonia do material e monotonia das construções, transformando as edificações em mercadoria. Segundo o autor, o concreto compõe uma das facetas concretas da abstração mercantil derivada do trabalho abstrato no qual se embasa a sociedade capitalista para criar valor. (Jappe, 2021: 157)
Nas palavras do autor[6]:
“Voltando ao concreto, tem de destacar sobretudo o seguinte aspecto da lógica do valor: sua aniquilação da diversidade, que produz finalmente uma aniquilação do mundo, inclusive na prática. É uma gigantesca reductio ad unum, uma Gleichschaltung ontológica, uma uniformização permanente. Para o valor, as formas infinitas do mundo não são mais do que o revestimento de uma substância sempre igual. Marx descreveu bem este fenômeno com o termo Gallerte, gelatina.” (Jappe, 2021: 165-166)
O brutalismo judicial, por sua vez, produz monotonia jurídica: mais do mesmo em favor do capital é apresentado judicialmente de forma massiva, em incidentes contínuos de uniformização de jurisprudência (incidentes de recursos repetitivos, incidentes de assunção de competência, reclamações constitucionais, temas de repercussão geral e precedentes vinculantes), produzindo decisões em série, industrializadas, brutas, opressivas. O brutalismo judicial converte a justiça em mercadoria.
Desta forma, observa-se um movimento crescente no Poder Judiciário brasileiro, especialmente no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que tem adotado posicionamentos jurisprudenciais com alto grau de rigidez e tecnicismo acrítico, voltados ao utilitarismo do Direito e descolados da realidade social concreta das relações de trabalho e da própria arquitetura de direitos sociais prevista na Constituição de 1988, que longe de constituir meros adornos ou elementos supérfluos, se traduz em pilares de construção de uma sociedade justa e solidária.
Ainda que o movimento brutalista tenha cumprido seu papel, entregando edifícios sóbrios, mais baratos e funcionais, o que resultou inclusive em exportação para países socialistas, impregnando as construções de um ideal de igualdade[7], no Judiciário, diversamente, a correspondência existe apenas ao aspecto negativo desse movimento arquitetônico. Sua funcionalidade jurídica adequada aos interesses do capital se assemelha ao uso indiscriminado do concreto, revelando as estruturas brutas do sistema, baseado na exploração e na dominação, e que necessita, a qualquer custo, entregar decisões eficientes, baratas e conformadas à estética da segurança jurídica do poder econômico.
Assim, este artigo propõe uma analogia crítica entre esse estilo arquitetônico (quanto as suas características negativas) e determinadas manifestações da jurisprudência contemporânea, identificando-as como expressões de um “brutalismo judicial”. Pois ao se valer do discurso da vertente jurídica da ideologia neoliberal da “Análise Econômica do Direito”[8] correspondente à “segurança jurídica, previsibilidade e estabilidade normativa”, a jurisprudência trabalhista superior tem progressivamente limitado a proteção social histórica do Direito do Trabalho. Trata-se de uma atuação que, embora revestida de legalidade formal ou de verniz legalista, fragiliza os alicerces da construção social contemplada na Constituição de 1988 e nos instrumentos internacionais de Direitos Humanos ratificados pelo Brasil. Por outras palavras, os pilares da legislação social estão sendo trocados pelos fundamentos da lex mercatoria, sem discussão popular e sem alteração formal da Constituição, comprometendo a perspectiva de justiça social e de efetividade e respeito dos Direitos Humanos no país.
O conceito de brutalismo judicial, portanto, surge como um instrumento investigativo e político, capaz de denunciar o caráter opressivo e excludente de uma jurisprudência que se apresenta como “neutra, eficiente e abstrata”, mas opera concretamente em consonância com os interesses dominantes do capital na atualidade. É uma forma de violência simbólica legitimada por argumentos de autoridade, que mascara sob o verniz da técnica a sua opção política pela precarização do trabalho e da classe despossuída que necessita de sua força de trabalho para sobreviver.
Para desenvolver a ideia, o texto parte da caracterização do brutalismo arquitetônico, com suas premissas, críticas e implicações estéticas, propondo uma leitura analógica dos seus aspectos negativos como metáfora para a atuação judicial que desconsidera os sujeitos de direitos no mundo do trabalho. Em seguida, analisa-se como o STF e o TST têm sistematicamente consolidado jurisprudências que esvaziam garantias fundamentais trabalhistas sob o pretexto de modernização ou ajuste econômico. A terceira parte do artigo propõe uma discussão teórica, ancorada na Escola de Frankfurt, especialmente nas obras de Herbert Marcuse e Walter Benjamin, sobre a relação entre racionalidade técnica e regressão civilizatória. No particular, novamente a arquitetura se combina com a Teoria Crítica do Direito: Anselm Jappe não rejeita o Brutalismo por “feio” ou “autoritário”, mas como emblema de uma lógica capitalista que transforma cidades em commodities. Seu argumento ecoa junto da crítica de Marcuse à “racionalidade tecnológica” e de Benjamin ao “progresso como catástrofe”. (Marcuse, 1973; Benjamin, 1987; Jappe, 2021)
Por fim, propõe-se uma alternativa estética e hermenêutica comprometida com os valores democráticos e sociais do Estado de Direito.
Ao aproximar arquitetura e jurisprudência, o presente estudo pretende mostrar que a ética e a estética impactam no conteúdo das decisões judiciais, assim como a forma como se decide, os valores que se privilegiam, os sujeitos que se escutam ou se silenciam. Em tempos de retrocessos e desumanização institucional, recuperar a centralidade do trabalho na pessoa e a centralidade dos direitos sociais nas decisões judiciais representa reumanizar o Direito.
- O brutalismo arquitetônico: rigidez, funcionalismo, mercantilização e desumanização
O brutalismo, como estilo arquitetônico, desenvolveu-se entre os anos 1950 e 1970, com destaque para obras públicas e institucionais. O movimento brutalista surgiu no pós-guerra como uma resposta estética à devastação e à necessidade urgente de reconstrução urbana. Sua marca estética, o “béton brut” (concreto bruto), simbolizava uma intenção de honestidade formal. Assim, se caracterizava pelo uso de concreto aparente e pela ênfase na função em detrimento da forma, propondo uma arquitetura honesta, direta e crua. No entanto, a honestidade estrutural rapidamente deu lugar a uma crítica social: edifícios brutalistas passaram a ser percebidos como opressivos, inóspitos e hostis à experiência humana. Por outras palavras, o ideal proposto resultou em edificações insensíveis à escala humana. A desfuncionalização da experiência usuária e a supressão do estético pelo técnico marcam sua crise.
Nas palavras de Jappe[9], sobre o concreto e o capitalismo:
“É um material sem limites claros (líquido no começo), amorfo, polimorfo, e que pode verter-se em qualquer molde. Anula todas as diferenças e é mais ou menos sempre o mesmo (salvo quando sua mistura está mal dosificada). Adapta-se a todos os climas, a todas as circunstâncias. Não tem nenhuma forma própria, mas pode adotar todas. Não existe em estado natural em nenhuma parte, mas se fez onipresente. O mesmo ocorre com o valor: pode mudar de forma, ser dinheiro, converter-se em mercadoria, ser dinheiro de novo, passar por uma série de metamorfose até se tornar irreconhecível – quando se encarna em um valor de uso – e recuperar de novo sua forma inicial. O valor capitalista aboliu todas as particularidades locais, todas as tradições e se impõe como a única lei até nos últimos rincões do planeta, nos que anteriormente a vida social respondia a leis muito diferentes dependendo das regiões; do mesmo modo, o concreto estendeu seu monótono reino pelo mundo inteiro, homogeneizando todos os lugares com sua presença. A gelatina do trabalho abstrato está feita de pedra, caliça e escombros.” (Jappe, 2021: 167)
Uma das principais críticas ao brutalismo arquitetônico é sua indiferença às subjetividades e aos afetos. Pois, ao invés de promover espaços acolhedores e integradores, adaptados ao clima e às particularidades naturais do local, os edifícios brutalistas priorizam a monumentalidade, a dureza geométrica e a eficiência funcional. Isso leva a uma desumanização dos espaços urbanos, especialmente em construções públicas como tribunais, hospitais e escolas, onde a frieza estética impacta diretamente na vivência dos usuários, aliada ao descompasso com a paisagem.
Por outro lado, a aplicação massiva do concreto atrai a crítica vivaz de Jappe no sentido da mercantilização do espaço urbano, de uma estética brutalista como sintoma da violência estrutural do capitalismo, transformando cidades em espaços de controle e alienação. (Jappe, 2021)
Outro aspecto relevante é o vínculo do brutalismo com a economia de custos e as exigências do mercado. Edifícios brutalistas, por dependerem do concreto como material predominante e dispensarem ornamentos, foram vistos como soluções econômicas para projetos. Essa lógica de economia, porém, compromete a qualidade da construção e o conforto ambiental, priorizando a quantidade sobre a qualidade e a eficiência construtiva sobre a habitabilidade, sem considerar as particularidades geográfico-naturais do local de implantação. A arquitetura brutalista, nesse sentido, revela a captura da criação estética pelas lógicas do capital.
Ademais, o brutalismo também expressa uma tentativa de imposição simbólica de autoridade e poder. Muitas sedes de entidades financeiras e de governo foram construídas em estilo brutalista, como forma de representar a força e a perenidade das instituições financeiras e do Estado. Contudo, esse gesto simbólico termina por criar um afastamento entre as instituições e as pessoas, aprofundando a percepção de intangibilidade, frieza e verticalidade dos bancos e da máquina pública.
Nesse panorama, a crítica ao brutalismo não é apenas estética, mas também ética e política. Ao subordinar a forma à função, e ambas ao orçamento, o brutalismo desumaniza os espaços e reproduz a lógica da racionalidade técnica instrumental, tão bem denunciada por Marcuse. Tal arquitetura reflete e reforça uma visão de mundo que coloca a eficiência acima da dignidade, a racionalidade sobre a sensibilidade, o custo sobre a justiça.
Portanto, compreender o brutalismo arquitetônico em seus múltiplos aspectos – formais, funcionais, simbólicos e econômicos – permite lançar luz sobre fenômenos análogos nas estruturas institucionais, como o que se denomina neste texto como brutalismo judicial.
A seguir, esse paralelo será traçado com base na análise de decisões dos tribunais superiores brasileiros, que evidenciam um modo de decidir marcado pela rigidez, pela insensibilidade social e pelo tecnocratismo autoritário que prestigia os valores do mercado.
- O brutalismo judicial: racionalidade instrumental econômica e desmanche de direitos
Analogamente, o “brutalismo judicial” traduz-se na preeminência de uma racionalidade técnico-instrumental sobre os valores humanistas e democráticos do Direito. Como observa Marcuse: “No ambiente tecnológico, a cultura, a política e a economia se fundem num sistema onipresente que engolfa ou rejeita todas as alternativas. O potencial de produtividade e crescimento desse sistema estabiliza a sociedade e contém o progresso técnico dentro da estrutura de dominação. A racionalidade tecnológica ter-se-á tornado racionalidade política.” (Marcuse, 1973: 19)
Essa racionalidade domina a prática jurisprudencial atual, em especial a dos tribunais superiores, que passam a funcionar como atores políticos da construção de uma arquitetura social negativa, moldando a jurisprudência nacionalmente a partir da lógica da “eficácia”, da “produtividade” e do chamado “custo Brasil”.
Portanto, no campo jurídico, a noção de brutalismo judicial se manifesta por meio de uma racionalidade técnica e instrumental que prestigia a “eficiência, a previsibilidade, a segurança jurídica” do capital e a lógica econômica em detrimento da justiça social, da dignidade humana e da historicidade dos direitos fundamentais.
Marcuse[10], argumenta que, sob o capitalismo avançado, a técnica deixa de ser neutra e se torna um instrumento de controle social. A “racionalidade técnica” justifica a dominação ao se apresentar como inevitável e “eficiente”, eliminando alternativas críticas. (Marcuse, 1973: 37)
O brutalismo judicial é, pois, uma arquitetura normativa que desde o Poder Judiciário legitima a precarização sob o pretexto de modernização. Por outras palavras, justifica a dominação do capital, apresentando-se como “inevitável e eficiente”.
A jurisprudência em matéria trabalhista recente do Supremo Tribunal Federal (STF) tem expressado com clareza essa tendência brutalista. Um exemplo emblemático é a decisão que determinou a suspensão nacional de todos os processos que tratam da chamada “pejotização”[11] – a contratação de pessoas trabalhadoras como pessoas jurídicas, que sói acontecer com nítido propósito de desvirtuamento da relação de emprego. Essa suspensão, sob o argumento da uniformização e repercussão geral, retira da Justiça do Trabalho sua função precípua de análise concreta e protetiva das condições laborais, congelando a apreciação de milhares de ações em nome de uma racionalidade processual centralizadora e funcionalista ao capital. A simples perspectiva de que a Suprema Corte venha a legalizar a “pejotização” no julgamento de mérito do tema arrepia, porque representa, nada mais e nada menos, a completa destruição do Direito do Trabalho (e, por conseguinte, da Justiça do Trabalho), já que a opção racional e econômica das empresas será substituir o trabalho assalariado e os encargos sociais pelo trabalho pejotizado sem custos. Um julgamento assim significaria o rompimento total do projeto de justiça social previsto na Constituição de 1988 e o abandono do país aos tratados internacionais sobre Direitos Humanos do Trabalho, particularmente, a Constituição e as Convenções da OIT, o PIDESC e a CADH. O efeito será catastrófico!
No mesmo sentido, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) consolidou um entendimento gravemente regressivo por meio de incidente de uniformização de jurisprudência, fixando que a lei 13467/17 (a chamada “reforma trabalhista”) deve ser aplicada a todas as relações de trabalho em curso, independentemente de serem anteriores ou posteriores à vigência dessa normatividade[12]. Esta decisão ignora frontalmente o princípio da proteção, regra da norma mais favorável, que orienta o Direito do Trabalho, que veda a aplicação retroativa de norma prejudicial. Por outro lado, também despreza a garantia fundamental prevista no art. 5º, XXXVI, da Constituição de 1988 no sentido de que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada” e a vedação de retrocesso social contida no art. 6º, caput, in fine. Por fim, a decisão age ao arrepio do art. 26 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH) quanto à progressividade dos direitos econômicos, sociais e culturais (DESC) e do art. 29 (normas de interpretação) que veda interpretações regressivas ou restritivas de Direitos Humanos.
Esses exemplos ilustram o brutalismo judicial em sua dimensão mais contundente: a aplicação da norma do capital da maneira mais abstrata, mecânica, hermética, insensível e alheia às trajetórias individuais e coletivas dos sujeitos atingidos (classe trabalhadora e sindicatos), como também alheia à construção histórica social internacional e constitucional dos Direitos Humanos do Trabalho. Também alheia aos próprios princípios regentes do Direito do Trabalho e dos Direitos Humanos. Como na arquitetura brutalista, que oculta a experiência humana sob camadas espessas de concreto e geometria e rompe com os postulados anteriores, a jurisprudência brutalista encobre a subjetividade da pessoa trabalhadora sob o peso de argumentos técnico-normativos, rompendo a ordem jurídico-social existente, promovendo um completo distanciamento da realidade social. Tal qual o impacto visual opressivo que o brutalismo arquitetônico provoca na paisagem, a jurisprudência brutalista produz impacto social fulminante, corroendo o tecido social com a imposição da justiça de mercado e sua lógica.
Essa prática revela uma jurisprudência voltada ao primado de uma versão primitiva da ordem econômica, mais próxima do capitalismo selvagem dos primórdios da revolução industrial no século XIX, em detrimento da ordem econômico-social prevista na Constituição de 1988[13]. Assim, sob o manto da “eficiência” e da “coerência sistemática” – mas apenas da norma intrinsecamente considerada (sem a análise efetiva do contexto sistemático, em ponderação da Constituição e das normas internacionais sobre o tema) -, o que se opera é o desmonte paulatino de um edifício normativo erigido em favor da proteção social para uma nova construção com pilares na lex mercatoria.
Benjamin advertia, ao refletir sobre o progresso sem consciência histórica, que: “Nunca houve um monumento da cultura que não fosse também um monumento da barbárie”. O autor busca lembrar da barbárie contida nos processos históricos que legitimam o progresso. (Benjamin, 1987: 225)
Da mesma forma, as decisões judiciais brutalistas que se proclamam como avanços em direção ao progresso, à modernidade, à atualização, ocultam, em seu bojo, a barbárie institucional de um Estado que abdica de seu dever de promover a justiça social e que se omite na garantia de respeito e preservação dos Direitos Humanos, atuando claramente em favor do capital. A racionalidade instrumental, tal como denunciada pela Escola de Frankfurt, constitui um projeto civilizatório fracassado ao se divorciar do conteúdo ético e emancipador do Direito.
Portanto, o brutalismo judicial se expressa tanto nas decisões que ignoram o conteúdo social da Constituição e das normas internacionais quanto nos modelos institucionais que promovem uniformizações generalizantes, desprezando igualmente a ordem social internacional (o Direito Internacional Público do Trabalho) e constitucional, dissolvendo inclusive as especificidades fáticas em nome da celeridade, da “coerência sistêmica” da norma pela própria norma (e não em cotejo do sistema) e da “previsibilidade e segurança jurídica” necessárias para o capital.
- O STF, o TST e a uniformização regressiva: jurisprudência brutalista
O Supremo Tribunal Federal, nos julgamentos sobre a prevalência do negociado sobre o legislado (o chamado “Tema 1046”), da terceirização ampla (lei 13429/17, no “Tema 725 – Terceirização de serviços para a consecução da atividade-fim da empresa”) e da inexistência de responsabilidade do Estado pelo inadimplemento trabalhista de empresas terceirizadas (“Tema 1118”[14]), adotou posições que priorizam a liberdade contratual empresarial sobre os direitos fundamentais sociais. O Tribunal Superior do Trabalho, por sua vez, tem atualizado sua jurisprudência em sentido restritivo, como no caso da jornada 12×36[15] e do trabalho intermitente[16].
Na verdade, nos últimos anos, tanto o STF como o TST têm adotado postura de uniformização que, sob o manto da “segurança jurídica”, resulta em retrocesso dos direitos trabalhistas. É a jurisprudência brutalista.
Por exemplo, no julgamento do Tema 725 (terceirização), o STF reconheceu a repercussão geral do assunto em 30 de agosto de 2018, declarando a licitude da terceirização de forma ampla, incluindo a atividade-fim, e afastando dispositivos da antiga Súmula 331 do TST sedimentados em decênios de jurisprudência trabalhista contrária a essa orientação. A tese firmada foi no sentido de que “é lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante”[17].
A partir dessa tese, o STF passou a rever decisões trabalhistas que reconheciam vínculo de emprego, abrangendo inclusive casos de pejotização, por meio de reclamações constitucionais, impondo uma uniformização que desconsidera casos concretos, o princípio da proteção (do Direito do Trabalho) e os princípios da progressividade, supremacia dos Direitos Humanos e pro personae (dos Direitos Humanos).
Mais perturbadora, senão terrível por seus efeitos deletérios, foi a decisão tomada pela Suprema Corte em 29 de junho de 2018, validando a reforma trabalhista (lei 13467/17) no tópico que extinguiu a contribuição sindical[18], importância correspondente ao desconto de um dia de trabalho ao ano em favor dos sindicatos. Como resultado da quebra de inopino da maior fonte de custeio das entidades sindicais no Brasil, a taxa de sindicalização entrou em declínio vertiginoso, correspondendo atualmente ao percentual mais baixo na história do país, conforme dados do IBGE[19], fazendo com que muitos sindicatos fechassem, além de outros tantos se obrigarem a precarizar seus serviços, desligando pessoas e desfazendo-se de patrimônio para garantir a sobrevivência.
Também em 02 de junho de 2022 o STF firmou entendimento vinculante de que acordos coletivos podem limitar direitos trabalhistas não essenciais sem necessidade de contrapartida, o que foi vertido no Tema 1046 (“negociado sobre o legislado”), com a tese de que “são constitucionais os acordos e as convenções coletivas que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas independentemente de explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis”[20].
O TST, por sua vez, vem acolhendo essas teses em decisões também vinculantes relativas a matérias como danos morais[21], horas extras, jornada especial e adicionais, horas in itinere, convertendo as normas fundamentais de direitos trabalhistas contidas na Constituição e sua regulamentação estabelecida na octogenária CLT em agenda de flexibilização sem diálogo social, sem diálogo democrático. Á guisa de exemplo, decisões ditas “vinculantes” do TST, adotadas em 24 de fevereiro de 2025, veiculam 21 novas teses via “incidente de recursos repetitivos”[22], em 29 de abril de 2025 foram mais 12 teses[23] e em 20 de maio de 2025, mais 17 teses[24], numa velocidade alucinante de “uniformização”. Nitidamente, o Tribunal se inspirou nas práticas judiciárias do STF para consolidar entendimentos de forma macro, sem considerar especificidades de casos concretos, reforçando uma “homogeneização abstrata” do Direito do Trabalho fulcrada em aspectos negativos de hermenêutica, em caráter nitidamente regressivo e atentatório às normas de interpretação da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Assim, regras sobre estabilidade da gestante, jornada e danos morais foram uniformizadas, numa tentativa de reduzir a margem de interpretação de juízes, juízas e tribunais e, por conseguinte, do acesso à justiça pelas pessoas para defesa contra violações de Direitos Humanos do Trabalho.
Trata-se de situações que ilustram com clareza como o tema da uniformização de jurisprudência se converteu em instrumento de retrocesso social, dando especial relevo à retirada da proteção e à imposição de uma estética de decisão fria, baseada em cálculos econômicos favoráveis ao capital, de natureza uniforme e impessoal – uma verdadeira “arquitetura jurídica do concreto”, “béton brut” que ignora a vulnerabilidade histórica da classe despossuída que encontrou na construção dos Direitos Humanos do Trabalho o instrumento de proteção e mínimo equilíbrio nessa relação assimétrica de poder, por excelência, que é a relação entre capital e trabalho.
- O brutalismo como metáfora institucional
Tal como o brutalismo arquitetônico produz construções que ignoram a experiência humana, dominadas pela lógica do mercado, o brutalismo judicial edifica uma jurisprudência desprovida de sensibilidade social e voltada ao poder econômico.
Marcuse lembrava:
“Contudo, por baixo da base conservadora popular está o substrato dos párias e estranhos, dos explorados e perseguidos de outras raças e de outras cores, os desempregados e os não empregáveis. eles existem fora do processo democrático; sua existência é a mais imediata e a mais real necessidade de pôr fim às condições e instituições intoleráveis. Assim, sua oposição é revolucionária ainda que sua consciência não o seja. Sua oposição atinge o sistema de fora para dentro, não sendo, portanto, desviada pelo sistema, é uma força elementar que viola as regras do jogo e, ao fazê-lo, revela-o como um jogo trapaceado.” (Marcuse, 1973: 235)
Essa massa que está “fora do jogo” é absolutamente ignorada quando os tribunais desconstroem a proteção histórica do trabalho, em nome de um futuro moldado pelo vencedor, o capital, um mundo à similitude do mercado e das leis que o regem e que, portanto, perpetua as “regras do jogo”.
De modo que a analogia entre o brutalismo arquitetônico e a prática institucional judiciária das Cortes Superiores não é meramente retórica, mas revela aspectos estruturais e funcionais do modo como o Poder Judiciário tem se comportado frente aos Direitos Humanos do Trabalho. Tal como na arquitetura brutalista, em que se prioriza a estrutura e a funcionalidade sobre a forma e o bem-estar dos usuários, a jurisprudência brutalista adota posturas hermenêuticas que privilegiam a rigidez, a uniformização, a tecnocracia e a justiça de mercado em detrimento da sensibilidade e da justiça social.
Essa metáfora se materializa, sobretudo, na institucionalização da insensibilidade. O Judiciário passa a ser percebido pela classe trabalhadora como um espaço hostil, frio, inflexível, que impõe sua autoridade de forma vertical, calcada em uma estética da dureza. Como os edifícios brutalistas que se impõem na paisagem urbana por sua massa e austeridade, decisões judiciais desse tipo não dialogam com a realidade social, mas a dominam, impondo a vontade do poder econômico. O Direito, enquanto linguagem de poder, assume a forma de uma gramática do concreto armado: “béton brut” impermeável à crítica e alheia ao sofrimento humano.
No particular, em relação à impossibilidade de crítica ao sistema brutalista de uniformização, vale lembrar recente decisão de lavra da eminente desembargadora Vânia Cunha Mattos, do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região. Em sede de mandado de segurança, a magistrada deferiu liminar para possibilitar o andamento de processo trabalhista suspenso pela decisão do ministro Gilmar Mendes, do STF, na qual fez o devido distinguishing do caso. Não obstante, a desembargadora foi submetida quase que imediatamente à instauração de processo administrativo-disciplinar para apurar contrariedade à decisão superior[25].
Benjamin já destacava que os edifícios comportam uma dupla forma de percepção, de ordem ótica e tátil, pelo uso e pela percepção. A percepção se revela através da contemplação enquanto o uso pelo hábito e, segundo afirma o autor, o hábito determina a recepção ótica. (Benjamin, 2012: 193)
A estética do brutalismo institucional também se expressa nas estruturas administrativas do Judiciário: fóruns despersonalizados, linguagem inacessível, tecnologias impessoais e rituais burocráticos feitos pela Justiça para a Justiça distanciam as pessoas do Poder Judiciário, sobretudo a classe trabalhadora e suas entidades que lhe dão voz coletiva, os sindicatos. O hábito judicial-burocrático, portanto, determina a contemplação distante, que afasta e oprime. Cabe lembrar que a acessibilidade não é apenas uma questão física, de ingresso nas instalações dos tribunais, mas também simbólica e discursiva. Quando a norma jurídica se torna ininteligível para os sujeitos a quem se destina, ela se converte em forma de exclusão social.
Como alertava Marcuse:
“A realização técnica da sociedade industrial avançada e a manipulação eficaz da produtividade mental e material ocasionaram uma mudança no local da mistificação. Se é significativo dizer-se que a ideologia se torna corporificada no próprio processo de produção, pode também ser significativo sugerir-se que, nessa sociedade, o racional e não o irracional se torna o veículo mais eficaz de mistificação”. (Marcuse, 1973: 179)
O autor mencionava a racionalidade técnica como instrumento de dominação. Neste sentido, o brutalismo institucional não é neutro. Ele responde a uma lógica política de gestão da desigualdade. As decisões brutalistas que promovem a flexibilização de direitos sob a justificativa de modernização ou equilíbrio econômico, ao mesmo tempo que preservam privilégios econômicos, revelam a seletividade de sua ação. Trata-se de um Judiciário que, desta forma, opera como mera engrenagem do capital e de seu projeto neoliberal em curso, substituindo a função contramajoritária de proteção da classe despossuída, dos vulneráveis e das minorias por uma atuação conformista com os imperativos de mercado (“Capitalism über alles!”), ou seja, implantando uma lógica mercantilista de dominação.
Benjamin, ao propor uma crítica da história que desse voz aos vencidos, advertia para o risco de se narrar a história apenas do ponto de vista dos vencedores. O brutalismo judicial é uma narrativa jurídica que cristaliza a versão do capital, onde o progresso institucional é medido pela “celeridade, previsibilidade e segurança jurídica dos julgamentos”, pelo volume estatístico de processos encerrados (e os milhares “evitados”[26]), e não pela efetividade da justiça realizada. Vale lembrar as belas palavras de Benjamin: “articular historicamente o passado não significa conhecê-lo ‘como ele de fato foi’. Significa apropriar-se de uma reminiscência, tal como ela relampeja no momento de um perigo”. (Benjamin, 1987: 224)
Pois esse instante de perigo é o vivido hoje, quando os direitos sociais são convertidos em obstáculos ao desenvolvimento econômico, e o Judiciário assume o papel de gestor do sacrifício. É preciso resgatar a defesa dos direitos sociais pelo Poder Judiciário, recordando o ideal de realização de justiça social previsto na Constituição de 1988.
Nesse cenário, a metáfora do brutalismo ganha contornos dramáticos: o concreto da jurisprudência brutalista se torna peso sobre os ombros dos mais vulneráveis nessa nova estética judicial do capital.
Não é demais lembrar que o brutalismo judicial bebe da mesma fonte do Direito do Trabalho do Inimigo[27], do Direito do Trabalho do Amigo[28] e do Necrodireito do Trabalho[29]: todos comungam da desproteção social, da prevalência da lex mercatoria (ou da palatável “prevalência do negociado sobre o legislado”), do autoritarismo empresarial, do aniquilamento dos sindicatos e do sufocamento do acesso à justiça. Evidentemente, todos são produtores da necrojustiça[30], gerando um verdadeiro cemitério de direitos sociais e de justas aspirações de vida digna.
A necrojustiça – conceito que articula a gestão jurídica da morte social e mesmo física de grupos vulneráveis, segundo a “necropolítica”, de Mbembe – dialoga criticamente com a proposta de Direito neoliberal que analisa Standing, descrevendo como o Estado é usado para atuar como agente precarizador instrumentalizando leis do capital para fragmentar direitos sociais, transformando o Direito em instrumento de consolidação das desigualdades via precarização normativa. Assim, Standing demonstra como o neoliberalismo transforma a legislação em ferramenta de insegurança estrutural (com reformas trabalhistas flexibilizadoras, por exemplo). (Mbembe, 2018; Standing, 2014)
Portanto, enquanto a jurisprudência neoliberal opera pela erosão de direitos sob a retórica da eficiência econômica, a tecnocracia judicial substitui a disputa democrática por decisões judiciais “técnicas” alinhadas a agendas corporativas. Desta forma, promove-se a criminalização da pobreza, jogando as massas de pessoas trabalhadoras desempregadas e vítimas de violações de Direitos Humanos laborais para o âmbito do Direito Penal, quando não lhes resta no sistema nem trabalho e nem direitos. Logo, a judicialização tecnocrática e o Estado precarizador convergem em um mesmo projeto: a naturalização da morte social ou física de pessoas vulneráveis e a imposição do castigo como técnicas de controle social do capitalismo avançado sobre a classe despossuída, produzindo violência sistêmica.
A necrojustiça radicaliza essas disparidades ao revelar como o aparato judicial, sob o neoliberalismo, não apenas administra a vida mas principalmente define quem pode morrer, seja pela seletividade penal, pela negligência estatal em tragédias (como o rompimento da barragem de Brumadinho), ou pela judicialização da necropolítica, como no caso da validação da reforma trabalhista pelas Cortes superiores, extinguindo sindicatos e direitos sociais. Neste contexto, a “tecnocracia judicial”, a “jurisprudência neoliberal” junto com a “necrojustiça” são formas de jurisprudência brutalista: facetas de um mesmo processo que transforma o Direito em tecnologia de governo do capital, convertendo desigualdades em números, corpos em custos e mortes em externalidades.
Superar o brutalismo institucional requer não apenas mudar interpretações jurídicas, mas refundar o ethos da função judicial: significa, neste momento, retomar a centralidade da dignidade humana, reconstruir as pontes entre o Direito e a vida concreta das pessoas, reumanizar o espaço do julgamento, desconstruir a lógica de mercado em favor da lógica da vida e da proteção social. Tal como na arquitetura, é preciso projetar uma nova estética institucional baseada na empatia, na escuta ativa dos mais vulneráveis e na justiça substantiva como justiça social: distribuição de vida digna para todas as pessoas.
O brutalismo judicial não é uma fatalidade. É uma escolha política, estética e ideológica. Denunciá-lo é o primeiro passo para reimaginar o Direito como um instrumento de emancipação e não de dominação. A metáfora institucional aqui proposta convida à reflexão sobre a forma como se julga e o que se prioriza ao decidir: a rigidez da norma pela norma, sem investigar sua procedência e conformação às necessidades sociais, ou a urgência do justo com base em princípios basilares e nas normas constitucionais e internacionais que informam o Direito do Trabalho e os Direitos Humanos.
Em outro momento da história a humanidade passou por raciocínios similares: o jusnazismo estruturou a forma jurídica de eliminação de vidas consideradas indignas de ser vividas pelo poder soberano. E a estrita obediência ao conteúdo da normativa nazista não salvou seus arautos quando foram julgados pelo Tribunal de Nuremberg e afirmaram “estar apenas cumprindo ordens ou a lei”.
- O Direito do Trabalho e a função contramajoritária da Justiça do Trabalho
A função social do Direito do Trabalho exige do Poder Judiciário uma atitude protetiva, em consonância com os Direitos Humanos e a justiça social. Quando este papel é invertido, e os tribunais se tornam agentes de precarização, evidencia-se a urgência de crítica.
Marcuse já advertia que a tolerância que estende proteção a políticas regressivas é, na verdade, opressiva. (Marcuse, 2024: 52)
A tolerância ao brutalismo judicial, portanto, não é positiva, pois permite que o exercício do poder-dever estatal de dizer o Direito no caso concreto seja cada vez mais transmutado em poder do capital decidir o que é justo ou não.
O Direito do Trabalho, em sua origem e estrutura, constitui um ramo jurídico eminentemente contramajoritário. Diferentemente do Direito Civil ou do Direito Empresarial, que tutelam relações entre partes presumidamente iguais, o Direito do Trabalho nasce do reconhecimento da desigualdade estrutural entre a pessoa trabalhadora e a detentora do capital – vale dizer, de uma assimetria de poder -, e da consequente necessidade de proteção da parte mais vulnerável, que necessita de sua força de trabalho para sobreviver. Nesse sentido, a função da Justiça do Trabalho, como ramo do Poder Judiciário especializado nos conflitos entre a classe trabalhadora e o capital, não é apenas aplicar normas, mas promover justiça social, redistribuição de poder e correção das assimetrias materiais.
Essa função contramajoritária da Justiça do Trabalho expressa-se especialmente quando essa instância resiste às pressões econômicas, políticas e ideológicas que pretendem desmantelar direitos sob o pretexto de modernização ou crescimento. Trata-se de um locus institucional cuja legitimidade repousa na proteção da parte hipossuficiente e na defesa dos valores constitucionais e internacionais fundantes: dignidade, igualdade substancial, valor social do trabalho e justiça social.
Contudo, nos últimos anos, sobretudo a partir da reforma trabalhista de 2017, representada pelas leis 13467 e 13429/17, essa função tem sido gravemente corroída. Esforços constantes de desidratação do conteúdo das normas constitucionais fundamentais dos direitos sociais e desprezo às normas internacionais de Direitos Humanos do Trabalho se intensificaram com uma tentativa de reduzir a Justiça do Trabalho a um mero aparelho de racionalização de conflitos, pautado por critérios economicistas. A Justiça do Trabalho é pressionada a se conformar com a lógica do custo-benefício, com a eficiência estatística e estética dos números e neutralização das demandas coletivas, ignorando o conteúdo tuitivo-emancipador do Direito do Trabalho e a sua própria razão de existir, desconectando-se também dos atores sociais, particularmente da classe trabalhadora e seus sindicatos.
Assim, ao invés de se contrapor á hegemonia do mercado, parte do Judiciário trabalhista passa a internalizar essa racionalidade, desconfigurando seu papel histórico.
Marcuse ensinava que a concentração do poder econômico e político junto com o uso da tecnologia como ferramenta de dominação bloqueiam o dissenso efetivo, criando uma subjetividade na qual o bem e o mal, o verdadeiro e falso já estão predefinidos para o contexto de quando afetam os interesses vitais da sociedade. (Marcuse, 2024: 39)
A função contramajoritária, portanto, não se esgota em interpretar e aplicar normas de forma protetiva. Ela exige coragem institucional para desafiar consensos fabricados, para tensionar o discurso dominante e para fazer valer os compromissos constitucionais com a justiça social, ainda que isso contrarie interesses poderosos. A atuação da Justiça do Trabalho deve, nesse sentido, reafirmar-se como resistência e como crítica.
Vale recordar as palavras de Benjamin, ao apontar para a necessidade de escutar os vencidos da história, para compreender que o papel das instituições democráticas não deve perpetuar a narrativa dos vencedores, mas construir espaços de memória, reparação e emancipação. (Benjamin, 1987: 223-224)
A Justiça do Trabalho, enquanto expressão de um pacto civilizatório pós-Revolução Industrial, tem o dever de manter viva essa memória, inclusive diante dos ataques de deslegitimação que tem sofrido.
A judicialização da política econômica e a captura do Judiciário por uma linguagem gerencial de produtividade e performance corroem o solo ético sobre o qual repousa a legitimidade da Justiça do Trabalho. Quando decisões judiciais ignoram o sofrimento social em nome da estabilidade macroeconômica, a função contramajoritária se dissolve, e o Judiciário se converte em mera engrenagem do sistema que deveria transformar.
Portanto, recuperar o sentido contramajoritário da Justiça do Trabalho não é apenas uma tarefa teórica, mas uma exigência política, ética e humanista. É preciso reconstruir a confiança na função social do Direito do Trabalho, valorizar a hermenêutica comprometida com a realidade social concreta e devolver à Justiça do Trabalho seu papel como baluarte dos direitos fundamentais sociais. Isso implica dizer não ao brutalismo judicial e sim à construção de uma justiça social viva, atenta, democrática, transformadora e emancipadora.
- A urgência de uma nova estética jurídica: da frieza à empatia constitucional e humanista
Reagir ao brutalismo judicial exige repensar a estética do Direito: não apenas sua forma, mas seu conteúdo valorativo. A empatia constitucional, como expressão da dignidade humana, deve ser o eixo interpretativo. Isso exige coragem hermenêutica para resistir ao formalismo e tecnicismo que apenas reproduzem violências sociais.
A superação do brutalismo judicial não pode ser limitada à substituição de uma técnica por outra, ou de uma jurisprudência por outra mais progressista. Trata-se de um projeto mais profundo, que exige refundar a estética do Direito, compreendida não apenas como aparência ou linguagem, mas como a forma sensível de sua ação no mundo. A estética jurídica não é um acessório da legalidade, mas sua expressão concreta, a maneira como o Direito se dá a ver, a sentir, a viver.
O desafio é romper com a estética da frieza e da abstração que domina grande parte das decisões judiciais, e recuperar a dimensão empática, sensível e ética do julgar. Essa nova estética deve estar enraizada nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa, da solidariedade, da justiça social e da centralidade dos Direitos Humanos do Trabalho. Ela pressupõe um compromisso com a alteridade, com a escuta do outro, em especial dos mais vulneráveis, com o reconhecimento da dor da necessidade da sobrevivência e da desigualdade como elementos que não podem ser neutralizados pela tecnocracia da linguagem jurídica nem pelo “béton brut” da uniformização da jurisprudência.
A empatia constitucional, nesse contexto, não é mero sentimento, mas uma disposição hermenêutica e institucional. Significa interpretar as normas à luz da vida concreta dos sujeitos, especialmente dos mais vulneráveis, e de suas possibilidades no âmbito de uma sociedade capitalista que entrega cada vez mais desigualdade e menos condições de sobrevivência com trabalho assalariado do que no passado. Exige da magistratura o abandono do lugar técnico e neutro, assumindo a condição de atores/atrizes éticos e políticos comprometidos com o projeto civilizatório da Constituição de 1988, que é uma Constituição de Estado de Bem-Estar Social.
A adoção dessa nova estética exige também uma revisão das práticas institucionais de forma consentânea com este compromisso. Fóruns que acolham, que protejam as pessoas mais vulneráveis, que considerem as condições materiais de existência dos sujeitos, que facilitem o acesso à justiça como instrumento de proteção, efetividade, respeito e reparação de Direitos Humanos são perspectivas a concretizar. Um Judiciário que se aproxime do povo não apenas espacialmente, mas simbolicamente, reconstruindo sua legitimidade a partir da escuta e da inclusão, aplicando o verdadeiro sentido protetivo das normas de Direitos Humanos do Trabalho que levem à emancipação social e não à reprodução do capital. Deve-se pensar num Judiciário que dialoga com a classe trabalhadora e seus sindicatos e não com o capital.
Com inspiração em Benjamin, pode-se dizer que a nova estética jurídica deve ser como “um salto de tigre no passado”, resgatando os sentidos emancipatórios do Direito que foram sufocados pela racionalidade instrumental do capital. Ao invés de lançar-se no abismo da desumanização e da racionalidade de mercado, o Direito deve retomar sua capacidade de iluminar a experiência dos vencidos, de reparar as injustiças históricas e de construir um futuro possível, fazer o “salto dialético da Revolução”. (Benjamin, 1987: 230)
Essa estética constitucional da empatia se opõe frontalmente ao brutalismo judicial, pois recupera a função poética do Direito: sua capacidade de desenhar mundos mais justos, de inventar soluções para construir uma existência digna, de afirmar o desfrute contra a lógica do sacrifício. Ao invés da jurisprudência brutalista de concreto armado, que blinda o capital, aportando toda a segurança jurídica para a atividade econômica empresarial, se propõe uma jurisprudência permeável ao social, esteticamente bela no sentido humanista, sensível às vulnerabilidades e atenta à necessidade de correção das assimetrias de poder.
Destarte, falar em nova estética jurídica é propor uma refundação da cultura jurídica contemporânea, que ultrapasse a estética da obediência ao capital e da submissão à lex mercatoria. É defender a estética do cuidado, da escuta e da justiça social como eixos de uma nova forma de julgar. Uma justiça menos preocupada com a imagem de autoridade, austeridade e seus números, e mais comprometida com a transformação da realidade social, que transforme os tribunais de concreto em espaço de acolhimento e reconstrução da dignidade.
Essa transição não será espontânea nem meramente técnica. Ela requer formação humanista, coragem institucional, renovação ética, diálogo interdisciplinar com as artes, humanidades, a sociologia, a filosofia, a história. Também diálogo com os sujeitos de direito, especialmente com a classe trabalhadora e seus sindicatos, atualmente excluídos dos processos decisórios. Requer, enfim, um novo modo de imaginar o Direito – não como aparato, mas como criação; não como controle, mas como escuta; não como brutalismo, mas como justiça social sensível à humanidade.
- Considerações finais
A analogia entre o brutalismo arquitetônico e o brutalismo judicial permite compreender como a forma é também um conteúdo político. A arquitetura hostil de concreto revela-se como metáfora para a jurisprudência brutalista “uniformizadora” e insensível que se consolida nos tribunais superiores. Contra ela, urge recuperar o sentido humanista e social do Direito.
O conceito de brutalismo judicial, como proposto neste artigo, permite compreender criticamente a transformação estrutural e simbólica pela qual tem passado o Poder Judiciário, notadamente no campo da Justiça Trabalhista. A analogia com o brutalismo arquitetônico revelau-se fecunda para identificar a rigidez, a desumanização e o tecnocratismo que vem se incorporando às decisões judiciais brutalistas. Em nome da racionalidade, da previsibilidade e da segurança jurídica do capital, muitos tribunais têm promovido uma jurisprudência que se afasta dos sujeitos de proteção e de seus dramas sociais, reiterando a lógica da dominação do capital sob a forma da neutralidade técnica.
A substituição da justiça sensível e humana por uma estética da funcionalidade jurídica de mercado compromete o projeto social firmado em 1988, sobretudo em sua dimensão de justiça social e proteção das pessoas vulneráveis. A arquitetura do concreto armado converte-se em metáfora para uma jurisprudência brutalista que ignora os ruídos do mundo real e transforma o Direito em instrumento de controle e contenção da luta por direitos. O brutalismo judicial assim entendido representa não apenas uma regressão jurídico-normativa, mas também uma falência estética e ética da prática jurídica.
Os exemplos jurisprudenciais brutalistas apresentados, notadamente a aplicação retroativa da reforma trabalhista, a suspensão nacional dos processos envolvendo pejotização, e a extinção da principal fonte de custeio dos sindicatos, não são casos isolados, mas a expressão contundente de um projeto jurídico-político mais amplo de reconfiguração do papel do Estado pelo capital, sem compromisso com a democracia. Trata-se de uma transformação silenciosa, porém devastadora, que desloca a justiça do seu eixo humanista e democrático para convertê-la em arena de gestão da precarização.
É nesse cenário que se torna urgente a reconstrução de uma estética jurídica alternativa, enraizada na empatia, na escuta ativa, na sensibilidade social e na memória das lutas históricas da classe trabalhadora e do movimento sindical. A recuperação da dimensão contramajoritária da Justiça do Trabalho e a resistência aos dispositivos de uniformização regressiva são passos fundamentais para evitar que o Direito se reduza a uma técnica de legitimação do sofrimento imposto pelo capital e sua lex mercatoria.
Como adverte Benjamin, o progresso sem crítica é sempre regressivo. (Benjamin, 1987: 229)
A crítica ao brutalismo judicial é, portanto, uma crítica ao suposto “progresso institucional” sem povo, sem dor, sem história, abstrato, hermético, homogêneo, comercial e insensível. É uma exigência de que se retome o projeto constitucional como projeto de humanidade, justiça social e inclusão.
Neste sentido, os mecanismos de uniformização de jurisprudência brutalista em voga nas Cortes superiores se assemelham a uma gigantesca betoneira despejando “béton brut”: amálgama jurídico homogêneo, massa bruta de construção judicial burocrática e uniforme como uma música de uma nota só, reticular, quadrada, fria, incolor, insossa, servil aos interesses do capital.
Isso lembra as lições de Agamben, em seu livro “Profanações”: da necessidade de profanar, isto é, restituir ao uso comum aquilo que o capital consagra. (Agamben, 2005: 93)
Pensar nas uniformizações de jurisprudência brutalista e seu principal “produto”, os precedentes vinculantes, é um convite a refletir sobre a beleza das pixações feitas nas cidades no concreto armado, dando vida à construção fria, opaca e incolor, profanando o brutalismo capitalista. Neste sentido, profanar os precedentes do capital corresponde à restituição do atuar judicial ao uso comum do povo desconsagrando a jurisprudência como resultado do rito particular da autoridade do poder econômico.
Concluir este artigo é, por isso, mais do que encerrar uma análise. É convocar à responsabilidade profissionais do Direito, juízes, juízas, juristas, professores, professoras, estudantes, sindicatos e a sociedade civil. É afirmar que outro Direito e outra justiça são possíveis: como dito, um Direito sensível, poético, radicalmente comprometido com a dignidade humana e com a justiça social. É propor que se substituam os edifícios do concreto judicial pela arquitetura do cuidado, da proteção social, trocando os muros da rigidez brutalista uniformizadora pela permeabilidade da escuta social e dos vulneráveis, a frieza da letra da lei do capital pela vitalidade da construção jurídico-social que acolhe, que protege, que dignifica, que, enfim, distribui vida digna e não a morte.
Contra o brutalismo judicial, a resposta não é o silêncio conformista nem a tolerância, mas o grito hermenêutico. A resistência ética e estética é, também, resistência política. E é nesse cruzamento que o Direito pode reencontrar sua vocação emancipadora: não para manter o que está, mas para transformar o que ainda não é, recuperar o projeto de construção de uma sociedade verdadeiramente justa e solidária como previsto na Constituição de 1988.
Referências Bibliográficas
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[1] Desembargador do Trabalho (Tribunal Regional do Tabalho da 4ª Região – Porto Alegre/RS -Brasil); ex-Procurador do Trabalho (Ministério Público do Trabalho, Brasil); ex-Presidente Fundador e atual Presidente de Honra do IPEATRA (Instituto de Pesquisas e Estudos Avançados da Magistratura e do Ministério Público do Trabalho – Brasil); Membro da AJD (Associação Juízes para a Democracia – Brasil); Membro Honorário do IAB (Instituto dos Advogados do Brasil); Doutor em Ciências Jurídicas; Pós-doutor em Direitos Humanos; Mestre em Direito Penal Econômico; Mestre em Direitos Humanos; Professor da 2ª Cátedra Presidente Lula (Instituto Lula, Brasil); Professor convidado de pós-graduação em diversas Universidades.
[2] Guirao Soro (2024). Obs.: traduzido.
[3] Mumford (2012: 689). Obs.: traduzido.
[4] Peter Reyner Banham (1922-1988) foi um crítico de arquitetura inglês, escritor da revista Architectural Review. Em 1955 elaborou um artigo intitulado “The new brutalismo”, definindo o estilo brutalista.
[5] Sobre os efeitos do capitalismo nas cidades, Mumford denunciou: “”Mas o resultado final do capitalismo consistiu em introduzir as modalidades do mercado, de forma universal, em todos os setores da cidade: daqui em diante, nenhuma parte da cidade seria imune à mudança, desde que isso significasse lucro.” (Mumford, 2012: 684 – obs.: traduzido)
[6] Obs.: traduzido.
[7] Nos seus aspectos positivos, o movimento brutalista na arquitetura representou construções para projetos sociais de habitação, saúde e educação públicas, prédios de governo, com custo baixo, alta funcionalidade e uma simbologia relacionada à igualdade social. Essas características positivas, no entanto, não correspondem à analogia do “brutalismo judicial”, voltado apenas à lógica mercantilista. Quanto às características positivas do brutalismo na arquitetura, recomenda-se a leitura do artigo de Felix Torkar, intitulado “Salve nosso brutalismo” (Revista Jacobina). Disponível em: https://jacobin.com.br/2024/02/salve-nosso-brutalismo/ Acesso em 08 de junho de 2025.
[8] A chamada AED – Análise Econômica do Direito é uma das correspondências jurídicas do neoliberalismo que pretende que o Direito tenha eficiência econômica, que as decisões judiciais considerem suas consequências econômicas. Segundo Heinen–Ribeiro, o neoliberalismo, através da AED, apresenta uma leitura jurídica unidisciplinar, através da economia e do individualismo, propondo um novo arquétipo para o Direito, que passa de ser um fator limitador do soberano político a um dispositivo de mercado. As autoras explicam que na AED o papel do Direito deve restringir-se à resolução eficiente dos conflitos, e juízes e juízas devem calcular o custo-benefício das normas com uma leitura econômica, com a qual devem decidir (Heinen–Ribeiro, 2020: 49, 57).
[9] Obs.: traduzido.
[10] Marcuse, em sua crítica à racionalidade tecnológica, denuncia como a técnica, quando descolada de valores humanistas, converte-se em instrumento de dominação. Nas palavras do autor:
“Quando esse ponto é atingido, a dominação – disfarçada em afluência e liberdade – se estende a todas as esferas da vida pública e privada, integra toda oposição autêntica, absorve todas as alternativas. A racionalidade tecnológica revela o seu caráter político ao se tornar o grande veículo de. melhor dominação, criando um universo verdadeiramente totalitário no qual sociedade e natureza, corpo e mente são mantidos num estado de permanente mobilização para a defesa desse universo.” (Marcuse, 1973: 37)
[11] O ministro Gilmar Mendes, do STF, em 14 de abril de 2025, determinou a suspensão nacional, por meio de decisão monocrática, com base no reconhecimento da repercussão geral da questão expressada no Tema 1389 daquela Corte. A medida, de acordo com seus fundamentos, visa a uniformizar a interpretação referente à competência da Justiça do Trabalho e à ilicitude do contrato “para evitar excessiva judicialização e para garantir segurança jurídica”.
[12] O Tribunal Superior do Trabalho (TST), em 25 de novembro de 2024, em julgamento de Incidente de Recursos Repetitivos (Tema 23), por maioria de votos, fixou tese vinculante para aplicação da lei 13467/17 a todas as relações de trabalho em vigor, mesmo que anteriores a sua vigência. O argumento de base do Relator foi o seguinte: “É que, nestes casos, a lei nova não afeta um verdadeiro ajuste entre as partes, mas apenas o regime jurídico imperativo, que independe da vontade daquelas e, por isso, se sujeita a eventuais alterações subsequentes”. Fonte: notícia do Tribunal Superior do Trabalho. Disponível em: https://www.tst.jus.br/-/mudan%C3%A7as-da-reforma-trabalhista-valem-a-partir-de-sua-vig%C3%AAncia-para-contratos-em-curso Acesso em junho de 2025.
[13] Importante recordar o conteúdo do art. 170 da Constituição, que prevê uma ordem econômica “fundada na valorização do trabalho humano”, que “tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”, observada ainda a “função social da propriedade”, a “redução das desigualdades regionais e sociais”, e a “busca do pleno emprego”.
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[14] Em 13.02.2025, o STF adotou o Tema 1118 (“Ônus da prova acerca de eventual conduta culposa na fiscalização das obrigações trabalhistas de prestadora de serviços, para fins de responsabilização subsidiária da Administração Pública, em virtude da tese firmada no RE 760.931 (Tema 246)”, com “repercussão geral”, com o seguinte verbete:
“1. Não há responsabilidade subsidiária da Administração Pública por encargos trabalhistas gerados pelo inadimplemento de empresa prestadora de serviços contratada, se amparada exclusivamente na premissa da inversão do ônus da prova, remanescendo imprescindível a comprovação, pela parte autora, da efetiva existência de comportamento negligente ou nexo de causalidade entre o dano por ela invocado e a conduta comissiva ou omissiva do poder público. 2. Haverá comportamento negligente quando a Administração Pública permanecer inerte após o recebimento de notificação formal de que a empresa contratada está descumprindo suas obrigações trabalhistas, enviada pelo trabalhador, sindicato, Ministério do Trabalho, Ministério Público, Defensoria Pública ou outro meio idôneo. 3. Constitui responsabilidade da Administração Pública garantir as condições de segurança, higiene e salubridade dos trabalhadores, quando o trabalho for realizado em suas dependências ou local previamente convencionado em contrato, nos termos do art. 5º-A, § 3º, da Lei nº 6.019/1974. 4. Nos contratos de terceirização, a Administração Pública deverá: (i) exigir da contratada a comprovação de capital social integralizado compatível com o número de empregados, na forma do art. 4º-B da Lei nº 6.019/1974; e (ii) adotar medidas para assegurar o cumprimento das obrigações trabalhistas pela contratada, na forma do art. 121, § 3º, da Lei nº 14.133/2021, tais como condicionar o pagamento à comprovação de quitação das obrigações trabalhistas do mês anterior.” Fonte: sítio institucional do Supremo Tribunal Federal. Disponível em: https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search?classeNumeroIncidente=RE%201298647&base=acordaos&sinonimo=true&plural=true&page=1&pageSize=10&sort=_score&sortBy=desc&isAdvanced=true&origem=AP Acesso em junho de 2025.
[15] Vide notícia publicada no sítio institucional do Tribunal Superior do Trabalho, intitulada “TST reafirma jurisprudência com publicação de súmula sobre jornada 12×36”. Disponível em: https://www.tst.jus.br/-/tst-reafirma-jurisprudencia-com-publicacao-de-sumula-sobre-jornada-12×36 Acesso em junho de 2025.
[16] Conforme notícia publicada no periódico jurídico “Migalhas”, intitulada “TST valida trabalho intermitente”. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/quentes/308521/tst-valida-trabalho-intermitente Acesso em junho de 2025.
[17] Fonte: sítio institucional do STF. Disponível em: https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search?classeNumeroIncidente=RE%20958252&base=acordaos&sinonimo=true&plural=true&page=1&pageSize=10&sort=_score&sortBy=desc&isAdvanced=true&origem=AP Acesso em junho de 2025.
[18] Fonte: sítio institucional do STF, notícia intitulada “STF declara constitucionalidade do fim da contribuição sindical obrigatória”. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=382819 Acesso em junho de 2025.
[19] Fonte: sítio institucional do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, em notícia intitulada “Em 2023, número de sindicalizados cai para 8,4 milhões, o menor desde 2012”. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/40445-em-2023-numero-de-sindicalizados-cai-para-8-4-milhoes-o-menor-desde-2012 Acesso em junho de 2025.
Embora a notícia refira o número mais baixo desde 2012, se refere a quando o Instituto passou a contabilizar a taxa de sindicalização. Em 2012 o percentual correspondia a 16,1%. Em termos percentuais, nem na ditadura (1964-1985) o Brasil teve tão poucas pessoas filiadas em sindicatos, revelando a brutalidade da necropolítica antissindical vertida na reforma trabalhista e validada pelo STF.
[20] Fonte: sítio institucional do STF. Disponível em: https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search?classeNumeroIncidente=ARE%201121633&base=acordaos&sinonimo=true&plural=true&page=1&pageSize=10&sort=_score&sortBy=desc&isAdvanced=true&origem=AP Acesso em junho de 2025.
[21] Como no verbete sobre “revista de bolsas e pertences”: “A realização de revista meramente visual nos pertences dos empregados, desde que procedida de forma impessoal, geral e sem contato físico nem exposição do funcionário a situação humilhante e vexatória, não configura ato ilícito apto a gerar dano moral indenizável.” Processo: RRAg-0020444-44.2022.5.04.0811 Fonte: sítio institucional do TRT15. Disponível em: https://trt15.jus.br/noticia/2025/tst-define-21-novas-teses-vinculantes cesso em junho de 2025.
Também no verbete “falta de anotação na CTPS”: “A ausência de anotação da Carteira de Trabalho do empregado não gera, por si só, dano moral in re ipsa, de modo que necessária a comprovação de constrangimento ou prejuízo sofrido pelo trabalhador em seu patrimônio imaterial, nos termos dos arts. 186 e 927 do Código Civil”. Processo: RRAg – 0020084-82.2022.5.04.0141 Fonte: sítio institucional do TRT15. Disponível em: https://trt15.jus.br/noticia/2025/tst-define-21-novas-teses-vinculantes Acesso em junho de 2025.
[22] Fonte: sítio institucional do TRT15. Disponível em: https://trt15.jus.br/noticia/2025/tst-define-21-novas-teses-vinculantes Acesso em junho de 2025.
[23] Fonte: periódico jurídico “Conjur”, notícia intitulada “TST estabelece teses sobre auxílio alimentação e garantia de emprego à gestante”. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2025-abr-29/tst-estabelece-12-novas-teses-em-recursos-repetitivos/ Acesso em junho de 2025.
[24] Fonte: sítio institucional do TRT4, notícia intitulada “Novas teses vinculantes do TST já estão disponíveis no Pangea e no Galileu”. Disponível em: https://www.trt4.jus.br/portais/trt4/modulos/noticias/50801782 Acesso em junho de 2025.
[25] Conforme notícia publicada no periódico jurídico “Conjur”, intitulada “Rebeldia jurisdicional. CNJ abre reclamação contra desembargadora que retomou processos sobre pejotização”, na qual se colhe o seguinte: “A reclamação foi provocada após a magistrada mandar retomar a tramitação de duas ações relacionadas à pejotização, assim descumprindo decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, que havia ordenado a paralisação de todos os processos que versassem sobre a temática até um posicionamento definitivo do STF. A reclamação disciplinar foi aberta por decisão do corregedor do CNJ, ministro Mauro Campbel, que entendeu que a independência nacional do juiz não é absoluta e pode ser relativizada se comprovada ofensa aos deveres constitucionais e legais.” Disponível em: https://www.conjur.com.br/2025-jun-03/cnj-abre-reclamacao-contra-desembargadora-que-retomou-processos-sobre-pejotizacao/#:~:text=O%20Conselho%20Nacional%20de%20Justi%C3%A7a,jornalista%20Fausto%20Macedo%2C%20do%20Estad%C3%A3o. Acesso em junho de 2025.
[26] Ou melhor dito, mascarados, “varridos para baixo do tapete”, enquanto as violações de Direitos Humanos do Trabalho se proliferam e as pessoas trabalhadoras não encontram respaldo judicial para as devidas reparações.
[27] O Direito do Trabalho do Inimigo é a expressão correspondente à eliminação dos direitos sociais pelo Estado, ao excluir da proteção do Direito pessoas declaradas párias no sistema ou que são imputadas pelo próprio poder econômico, assim entendidas as que estão proibidas de ter direitos para não comprometer a máxima lucratividade empresarial. Podem ser compreendidas neste âmbito as novas figuras do precariado pós-moderno, como falsos autônomos, pejotizados, uberizados e nano ou microempreendedores, pessoas incluídas na ordem jurídica simplesmente para perder a proteção social e logo ficar submetidas ao completo controle e domínio do capital na forma liberal clássica, na esfera do Direito Civil ou comercial, em uma suposta relação entre “iguais”.
[28] Enquanto o Direito do Trabalho do Inimigo trata a pessoa trabalhadora e os sindicatos com hostilidade, o Direito do Trabalho do Amigo opera de forma coordenada, mas favorecendo o capital, instituindo vantagens diretos e indiretos às empresas que, da norma, vão para a prática judiciária, sacramentando os privilégios do poder econômico. As leis 13467/17 e 13429/17 constituem o campo operativo dessas nefastas manifestações do poder do capital.
[29] O Necrodireito do Trabalho se refere ao termo criado por Narváez Hernández, sobre as situações em que o sistema jurídico tem uma atuação decisiva entre o viver e o morrer – “o Direito que mata”, atividade que atinge a vida e a morte dos destinatários de cada ordenamento jurídico. Nela, o Estado deixa de contemplar a totalidade social e se omite na atenção aos grupos vulneráveis e, com isso, provoca a morte, o que costuma ocorrer quando prioriza as questões econômicas em detrimento das existenciais. (Narváez Hernández, 2017)
Exemplo de Necrodireito do Trabalho pode ser visto na extinção da contribuição sindical, sem discussão prévia e sem substituição de fonte de custeio, o que representou a extinção de milhares de sindicatos no Brasil.
[30] A necrojustiça é o resultado da consagração judicial da necropolítica neoliberal, negando ou diminuindo os direitos sociais, convertendo-se na justiça do capital ou na justiça de mercado.