
Na abertura da sessão plenária do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, realizada no dia 30 de junho, o Desembargador Presidente Valdir Florindo emocionou e provocou reflexões ao utilizar uma metáfora potente para abordar a atual conjuntura do Direito do Trabalho no país: “Aqueles que se dedicam ao estudo do trabalho se sentem como girafas em terra de avestruzes” – disse, apontando que a judicatura exige visão de longo alcance e coragem para encarar a realidade, especialmente diante da crescente tentativa de encobrir fraudes trabalhistas com roupagens contratuais.
Florindo foi enfático ao abordar o Tema 1389 do Supremo Tribunal Federal, que trata da contratação fraudulenta de pessoas físicas como pessoas jurídicas:
“Refiro-me, naturalmente, aos trabalhadores contratados como se fossem pessoas jurídicas legítimas.”
Em tom crítico, porém respeitoso, o Desembargador questionou as recentes reclamações de ministros do STF sobre o volume de ações trabalhistas, comparadas aos habeas corpus:
“Com mais de cem milhões de trabalhadores empregados em nosso país, é natural que as demandas trabalhistas ocupem lugar de destaque na pauta do Judiciário. Só quem não compreende a importância dos direitos sociais poderia se sentir incomodado com esse fato.”
Reafirmando a centralidade da relação de emprego e os princípios constitucionais que regem a ordem econômica brasileira, Florindo lembrou:
“O artigo 170 indica de forma clara que a ordem econômica funda-se na busca do pleno emprego. Está lá, desta exata forma: emprego.”
O magistrado advertiu que nenhum tribunal tem legitimidade para adotar modelos socioeconômicos que contrariam a Constituição, destacando que o Judiciário não escolhe projetos de sociedade, mas cumpre a missão que lhe foi confiada.
Ao falar da essencialidade da Justiça do Trabalho, alertou para os riscos de seu enfraquecimento e destacou que “democracias falecem lentamente quando instituições são relativizadas e direitos restringidos”.
Florindo também fez uma defesa eloquente da modernização das relações laborais, mas sem precarização, destacando o valor social do trabalho e a dignidade de quem sobrevive por meio dele:
“Essa modernização jamais se fundamente em critérios como renda ou escolaridade, sob pena de violar o inciso XXXII do artigo 7º da Constituição.”
Encerrando sua fala, citou um verso atribuído a um poeta turco sobre a incoerência entre discurso e ação, e completou:
“Todos estamos aqui em busca da verdade e devemos lealdade a ela. Amamos a verdade. Então, não desviem os olhos quando a Justiça do Trabalho cumpre seu dever de enxergar a realidade.”
Com uma referência final à obra “O Sentido da Vida”, de John Alexander McKay, o Desembargador concluiu com firmeza:
“A realidade é una e a vida humana é integrante dela. E assim, por essas e muitas outras razões, é que a Justiça do Trabalho é indispensável.”
A manifestação do Desembargador Presidente Valdir Florindo reverbera para além da jurisdição trabalhista: é um manifesto em defesa do povo brasileiro que sustenta o país com trabalho duro, muitas vezes invisibilizado. Ao colocar o reconhecimento da dignidade humana como epicentro do direito, remeto-me à lição do professor Cleyson de Moraes Mello, bem como ao entendimento de Judith Martins-Costa, que identifica a dignidade como valor-fonte da ordem jurídica. Sua fala, portanto, assume um papel pedagógico e constitucional, ao reafirmar que a Justiça do Trabalho não apenas aplica normas, mas protege os fundamentos que sustentam o Estado Democrático de Direito. Em tempos de retrocessos e tentativas de esvaziamento dos direitos sociais, as palavras do Desembargador Florindo resgatam a função histórica da Justiça do Trabalho: garantir o cumprimento da Constituição e assegurar que a vida real da pessoa trabalhadora — com respeito à sua integridade e dignidade — permaneça no centro das decisões judiciais, e não seja substituída por ficções contratuais. Trata-se de uma fala que fortalece a democracia, ao lado de quem carrega nas costas a economia nacional e luta diariamente por respeito, valorização e justiça.
O Jornal Estado de Direito cumprimenta todas as pessoas que lutam em defesa da Justiça do Trabalho e da justiça social — como o Desembargador Valdir Florindo, cuja atuação reafirma o compromisso com a Constituição, com a dignidade da pessoa trabalhadora e com os princípios que sustentam o Estado Democrático de Direito.
Assista o vídeo da Sessão do Pleno
Carmela Grüne
Editora do Jornal Estado de Direito