Agenda Latino-Americana (Mundial) 2024

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Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito.

 

Lido para Você, por José Geraldo de Sousa Junior, articulista do Jornal Estado de Direito

Agenda Latino-Americana (Mundial) 2024. Entidade Organizadora: Comissão Dominicana de Justiça e Paz – Brasil (https://www.dominicanos.org.br/justica-paz). Goiânia (Secretariado), 2023, 312 p.

 

            O folder notícia o lançamento brasileiro da Agenda Latino-Americana 2024. Além da entidade organizadora, contribuem para essa primorosa edição, uma rede de entidades parceiras, cujos logos aparecem na publicação, conforme figura a seguir inserida.

            A iniciativa desse gênero de publicação é replicada em diferentes contextos pastorais. A propósito, veja-se a iniciativa mexicana – contacto@dabar.com.mx – que promove em seu sítio, um lançamento equivalente, com a designação de que:

En su género, el libro latinoamericano más difundido cada año dentro y fuera del continente. Signo de comunión continental y mundial entre las personas y las comunidades que vibran y se comprometen con las grandes causas de la Patria grande. Este año 2024 la Agenda Latinoamericana Mundial nos invita a reflexionar sobre nuestras propias raíces culturales, costumbres, forma de ver el mundo y todo ámbito de la vida que la colonización ha infectado, que nos hace partícipes de un modelo planetario que desde hace mucho es insostenible.

 Em seu gênero, o livro latino-americano mais distribuído a cada ano dentro e fora do continente. Sinal de comunhão continental e global entre pessoas e comunidades que vibram e estão comprometidas com as grandes causas da grande Pátria. Neste ano de 2024, a Agenda Mundial Latino-Americana nos convida a refletir sobre nossas próprias raízes culturais, costumes, forma de ver o mundo e todas as áreas da vida que a colonização contagiou, o que nos torna participantes de um modelo planetário que há muito foi insustentável.

 A edição mexicana traz um trecho da importante carta do Papa Francisco a juízes e juízas que há pouco se reuniram num seminário no Vaticano, sob o tema Colonização, Descolonização e Neocolonialismo, uma Perspectiva da Justiça e do Bem-Viver. O mesmo trecho está na edição em português (p. 158-159):

         Já tive ensejo de comentar esse importante evento que contou com a participação de juízes e de juízas brasileiros, do que resultou, sob os fundamentos da convocação do Papa, instituir no Brasil, um capítulo brasileiro do Comitê Pan-Americano de Juízes e Juízas para os direitos sociais e Doutrina Franciscana – Copaju Brasil, tal como a minha ex-aluna Ananda Tostes Isoni, juíza do TRT 10ª região, integrante do Capítulo, ela própria falando no evento com uma belíssima exposição que a coloca, em sua perspectiva franciscana, no chamado então feito pelo Papa Francisco para a atuação judicante: “Vocês juízes, em cada decisão, em cada sentença, estão diante da feliz oportunidade de fazer poesia: uma poesia que cure as feridas dos pobres, que integre o planeta, que proteja a Mãe Terra e todos os seus descendentes. Uma poesia que repara, redime e nutre. Não renunciem a esta oportunidade. Assumam a graça a que têm direito, com determinação e coragem. Estejam ciente de que tudo o que contribuírem com sua retidão e compromisso é muito importante” (https://www.brasilpopular.com/vaticano-conferencia-sobre-colonialismo-descolonizacao-e-neocolonialismo/).

Ananda, suas colegas e seus colegas, já se integraram à agenda pastoral das Comissões de Justiça e Paz da Arquidiocese de Brasília – CJPDF e Comissão Brasileira de Justiça e Paz CBJP (https://www.brasilpopular.com/juizes-que-se-comprometam-a-realizar-as-promessas-democraticas-do-direito/), para uma atuação concertada segundo esses valores. Esse também é o teor de meu artigo na Agenda, ampliando esse enfoque que dialoga diretamente com a carta do Papa aos juízes e juízas da Conferência sobre Colonialismo.

Volto à Agenda Latino-Americana. A propósito, anoto não ser esta a primeira vez que trabalho na Coluna Lido para Você o tema agenda. Com efeito, sobre esse tema cuidei discorri fortemente conforme a minha apresentação de Agenda 2021. Cezar Britto e Advogados Associados/Advocacia Operária. Brasília: Projeto Gráfico 4Estaçõesestudio (http://estadodedireito.com.br/agenda-2021/).

Em meu comentário, sustentei que agendas e calendários, não são apenas brindes ou suporte para registro de compromissos. Algumas são catálogos de arte, espécie de breviários, manuais de uso. Reitor da UnB, entre 2008 e 2012, com o assessoramento da Secretaria de Comunicação e do Decanato de Graduação, então dirigido pela Professora Márcia Abrão, hoje Reitora em segundo mandato da universidade, dei especial atenção, inclusive acadêmica e comunitária a esses elementos.

Algumas das agendas anuais ou alusivas a efemérides, por exemplo, para marcar o cinquentenário da UnB, traziam inscrições: “Diálogo & Reflexão. Conversando ensinamos e aprendemos”; “Só se for agora! – os 50 anos da UnB” (Inovação. Rebeldia. Utopia. Diversidade. Modernidade. Pioneirismo. Coragem. Futuro. Ideologia. Conquista. Ruptura. Educação. Ebulição), chamamentos para o protagonismo, para ocupar os territórios acadêmicos, para percorrer as trilhas das muitas possibilidades que a universidade proporciona. Na agenda, mapas, lugares, orientações, tudo que cabe em boas-vindas.

Também os calendários não se constituem meras folhinhas. Em meu período reitoral, a atividade criativa fez desses elementos um atributo educador. A cada ano o calendário trazia arte e motivos educacionais em sua concepção. Nossos acervos arquitetônicos, artísticos, mobiliários.

Lembro, com saudade, de meu querido amigo e colega professor Luiz Gonzaga Motta, que faleceu neste ano. Tendo comentado com ele, que além de grande teórico da comunicação e referência em análise crítica da narrativa, sobre esse assunto, o Luiz que não esqueceu sua genealogia, sobrinho-neto de Dom Vasconcelos Motta, décimo quinto bispo de São Paulo, sendo seu terceiro arcebispo e primeiro cardeal, cuidou de lembrar a origem medieval do Livro das Horas que continha  o calendário das festas e dos santos, as Horas da Virgem, da Cruz, do Espírito Santo e dos mortos, as orações comuns e os salmos penitenciais e que conforme a tradição e seu uso breviário, recebera ilustrações de grandes artistas do tempo.

O Professor Gonzaga Motta, mineiro de Santa Bárbara e atento cronista de suas tradições, recomendou-me anotar a célebre folhinha de Mariana. Conforme verbete – https://pt.wikipedia.org/wiki/Folhinha_Eclesi%C3%A1stica_da_Arquidiocese_de_Mariana (wikipedia) “a Folhinha Eclesiástica da Arquidiocese de Mariana, ou simplesmente Folhinha de Mariana, é um famoso calendário que é impresso anualmente. Diferentemente, porém, dos calendários convencionais, que mostram, normalmente, os dias do ano, os feriados nacionais e fases da Lua, a Folhinha de Mariana traz ainda orações, instruções religiosas, tabela do amanhecer e do anoitecer, datas das festas, dias de penitência, todos os santos católicos, horóscopo, feriados, época de plantio, resoluções da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e dados biográficos do Papa católico”.

A folhinha ainda hoje editada, teve a atenção de Carlos Drummond de Andrade, na crônica “A Boa Folhinha“: “Ela não quer iludir-nos com as pompas deste mundo. Adverte-nos que há dias de penitência, esta última comutada em obras de caridade e exercícios piedosos. Para cada dia do ano, o santo, a santa ou os santos que nos convém aceitar, como companheiros de jornada: breve companhia, companhia sempre variada, e o ano escoam sob luz tranqüila, mesmo que o tempo seja brusco e haja abundância de água. Vamos à boa, veraz, singela e insubstituível Folhinha de Mariana” (Jornal do Brasil, 27/12/1973, Primeiro Caderno, pág. 5).

A edição brasileira da Agenda Latino-Americana 2024 se estrutura conforme um índice enunciativo. Veja a seguir, dispondo sobre o alcance místico e pedagógico da proposta e as efemérides a que remete (incluindo o destaque martirológico do ano), a intenção fraterna da edição e as ligações com os serviços que dão sustentação aos pressupostos do livro-agenda.

Não percamos de vista que se trata, ao fim e ao cabo, de uma agenda-calendário, com os campos próprios para anotações e registros de compromissos. Mas, como agenda-livro reúne um repositório riquíssimo de contribuições de religiosos, teólogos, intelectuais leigos, acadêmicos leigos, missionários, ativistas de movimentos religiosos e de movimentos populares. Eles e elas procedem de 16 países, de todos os continentes, a maioria do Brasil. Seus textos, com a participação de 59 autores e autoras, individualmente ou em co-autoia. Incluo o Papa Francisco entre autores, mas também Leonardo Boff, Frei Betto, Ivone Gebara, Marcelo Barros, João Pedro Stedile, Lucas Araújo e Laura Leal Nosella (Levante Popular da Juventude, SP).

Os textos foram distribuídos conforme o arranjo metodológico do Ver (Analisar, Compreender); Julgar (Aprofundar, Discernir) e Agir (Mobilizar, Organizar). Eu próprio contribui com um artigo – Descolonizar o Mundo e a Vida, uma Missão Libertadora – valendo-me da exortação que orienta a linha suleadora da publicação.

Na apresentação Frei José Fernandes Alves, Mauro Kano e Sergio Ricardo Arcas de Abreu, salientam que a Agenda é “em seu gênero, o livro Latino americano mais difundido, cada ano, dentro e fora do Continente. Sinal de comunhão continental e mundial entre pessoas e comunidades que vibram com as Grandes Causas da Pátria Grande, como resposta aos desafios da Pátria Maior. Anuário da esperança dos pobres do mundo, a partir da perspectiva latino americana. Síntese da memória histórica da militância e do martírio da Nossa América. Ferramenta para a educação, comunicação e ação social. Da Pátria Grande para a Pátria Maior”.

A Agenda foi lançada em Brasília, conforme cartaz acima, na noite cultural do encontro de avaliação do Movimento Fé e Política. A vesperal teve a distribuição da Revista Casa Comum (Cuidar de Si, do Outro e do Planeta), nº 05, abr/mai/jun 2023 e o belíssimo livro Convite à Sociologia da Religião, de Pedro A. Ribeiro de Oliveira, que o apresentou (Daniel Seidel apresentou a Casa Comum).  Enquanto Frei José Fernandes, OP, coordenador e Nazaré, secretária executiva da Rede da Agenda Latino-americana, a apresentou, rastreando a sua longa história editorial, seus eixos de interlocução pastoral, seus vínculos com as iniciativas congêneres no Continente. Convido que apreendam com mais profundidade, a conversa de Frei José Fernandes com Daniel Seidel, secretário executivo da CBJP sobre o tema da Agenda Latino-Americana 2024, que insistem em forjar a Rede Agenda. A Conversa pode ser conferida em Despertar com Justiça e Paz nº 120 – Agenda Latino-Americana 2024: decolonizar o mundo e a vida! (https://www.youtube.com/watch?v=VDT6RKYrCTc). Nela, animados por Daniel Seidel, Maria de Nazaré Carvalho Mendonça, da Secretaria Executiva do Secretariado Dominicano de Justiça e Paz do Brasil e Frei José Fernandes, relatam o origem da edição da Agenda, no Brasil, mobilizados por Dom Pedro Casaldáliga, e expõem os eixos prático-teóricos que balizam os temas e as abordagens que formam a agenda-livro, única em seu conceito.

       Vejo no texto da Agenda, desde uma perspectiva de  descolonização do mundo e da vida, disse isso em meu artigo, uma missão não só libertadora, no sentido de escapar dos reducionismos que a opressão e a espoliação produzem numa realidade de exclusão, mas a missão verdadeiramente emancipadora, aquela que não só liberta mas humaniza, pelo impulso daqueles elementos críticos, próprios dos espíritos livres, que se encharcam de humanismo e de esperança, e que aparecem com muita força na conversa que entretive com a teóloga Alzirinha Rocha de Souza, além de muitas outras lições, ela que é leiga, professora na PUC-MG (Doutora em Teologia pela Universidade de Louvain), num programa de Justiça e Paz, da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de Brasília (https://www.youtube.com/watch?v=imN1sM2p3W4), sobre o tema “Ação, Missão e Liberdade. Aproximações entre Comblin e o Papa Francisco”.

Comblin não está evidenciado nos documentos da Agenda, mas a partir de Comblin, e sua teologia da missão (teologia da enxada ajustada ao contexto brasileiro e latino-americano), Alzirinha surpreende a função comunitária do trabalho do leigo e a importância do desenvolvimento de uma ação missionária em comunidade, impulsionada sim pelo Espírito, mas que traz a liberdade e a renovação da esperança: “o que movimenta a ação humana é a esperança de que essa ação transforme o mundo”. Isso que aparece como compreensão pastoral em Comblin (ação, comunidade, palavra, liberdade e espírito), ajuda a compreender uma ligação entre São Francisco (“evangelizar, se necessário, até com palavras” – não tenho a fonte, há até aquelas que negam tenha Francisco dito isso, mas ouvi a máxima do padre José Ernanne Pinheiro, conselheiro espiritual da CJP Brasília, amigo e estudioso de Comblin) e o Papa Francisco, combinando contemplação sim, como está em suas principais Encíclicas e Exortações, mas contemplação na ação, realizando-as em proposições sobre o que se pode construir a partir do agora, mas em conjunto, em comunidade, como povo de Deus, numa renovada louva-ação do cântico do irmão Sol.

             Em estudo de altíssima profundidade – “A Experiência como Chave de Concretização e Continuidade da Igreja de Francisco” (Perspect. Teol., Belo Horizonte, v. 49, n. 2, p. 375-397, Mai/Ago. 2017), diz Alzirinha: “Destaco aqui uma característica do fazer de Francisco, a que julgo mais marcante e me parece essencialmente ligada a Aparecida, da qual, em minha opinião, decorrem todas as outras possíveis, que é a exigência da missionariedade e da proximidade para o anúncio do Evangelho. Ser missionário, como seus gestos demonstram, é estar ao nível do outro, olhar nos olhos, falar em condições de igualdade de uma Boa Nova, que talvez possa ser efetivamente boa para seu ouvinte. Essa é, de fato, a ‘nova evangelização’ esperada, que se representa por uma Igreja em saída que possa realmente ‘primeirear’ (cf. Papa Francisco: “tomar iniciativa”) nas ‘periferias existenciais e sociais’, anunciando esperança, caridade e misericórdia de Deus. Se, na inspiração de João XXIII, o Concílio (Vaticano II) seria um novo pentecostes, como nos lembra Galli, aos olhos daqueles que esperaram 50 anos para uma grande virada na Igreja, ele finalmente acontece neste papado…Os gestos de Francisco advêm de sua experiência e somente é capaz de dar testemunho aquele que faz primeiramente a experiência de Deus. Por isso realiza a forma mais alta da teologia prática ao fazer coincidir sua experiência de Deus, sua experiência pastoral, às exigências de homens e mulheres que demandam e esperam da Igreja uma resposta concreta às suas vidas”.

A Agenda permanece leal ao pensamento de Pedro Casaldáliga que a concebeu e lhe deu identidade: “É aqui que eu digo: malditos sejam o capitalismo e o colonialismo e a economia dependente e a ditadura!” (Na Procura do Reino), p. 307.

 

 

José Geraldo de Sousa Junior é Articulista do Estado de Direito, possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal (1973), mestrado em Direito pela Universidade de Brasília (1981) e doutorado em Direito (Direito, Estado e Constituição) pela Faculdade de Direito da UnB (2008). Ex- Reitor da Universidade de Brasília, período 2008-2012, é Membro de Associação Corporativa – Ordem dos Advogados do Brasil,  Professor Titular, da Universidade de Brasília,  Coordenador do Projeto O Direito Achado na Rua.55

 

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