Da possibilidade de requerer o divórcio no Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a mulher

Renata Malta Vilas-Bôas, articulista do Jornal Estado de Direito

 

 

 

A Lei Maria da Penha sempre foi uma lei híbrida ou seja, possui características de direito civil e de direito penal, com os respectivos processos. Assim, não é novidade pleitear direitos que, normalmente são classificados como sendo da seara do direito civil, no bojo de uma protetiva oriunda da Lei Maria da Penha.

Assim, sempre foi possível requerer a fixação de alimentos pela procedimento da Lei Maria da Penha, e recentemente foi incluso na referida norma, a possibilidade de requerer também o divórcio.

A inclusão do art. 14-A, com a seguinte redação,

Art. 14-A. A ofendida tem a opção de propor ação de divórcio ou de dissolução de união estável no Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.   

Nos demonstra claramente tal possibilidade. Porém, não é possível fazer o pedido cumulando com a partilha de bens. No Tribunal de Justiça do Distrito Federal, a questão da competência foi abordado e o resultado foi o seguinte:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO DE DIVÓRCIO CUMULADA COM PARTILHA DE BENS E MEDIDAS PROTETIVAS. CAUSA DECORRENTE DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. COMPETÊNCIA DO JUIZADO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. I. No contexto “das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher”, a competência dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher é ampla e plural, a teor do que prescrevem os artigos 14, caput, e 22, § 1º, da Lei 11.340/2006. II. O artigo 14-A Lei Maria da Penha, incluído pela Lei 13.894/2019, agregou à competência dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher ações de divórcio ou de dissolução de união estável, desde que no âmbito da violência doméstica e familiar contra a mulher, com a ressalva expressa quanto à partilha de bens. III. Em se tratando de demanda que versa substancialmente sobre violência doméstica e familiar contra a mulher, em cujo contexto se insere o pleito de divórcio, não há como recusar a competência do Juízo Especializado, ao qual compete descartar, à luz do artigo 327, inciso II, do Código de Processo Civil, a cumulação do pedido de partilha de bens. IV. Conflito de Competência conhecido para declarar competente o Juízo Suscitante.
(Acórdão 1362697, 07106731020218070000, Relator: JAMES EDUARDO OLIVEIRA , 2ª Câmara Cível, data de julgamento: 2/8/2021, publicado no DJE: 18/8/2021. Pág.: Sem Página Cadastrada.)  

Ou seja, se a fundamentação inicial for de violência doméstica é possível cumular com o pedido de divórcio.

Só que além do divórcio é possível também requerer a análise da questão de guarda das crianças também podem ser analisadas no conjunto. Vejamos:

CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO. JUÍZO DO JUIZADO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER DE SAMAMBAIA/DF (SUSCITANTE) E JUÍZO DA PRIMEIRA VARA DE FAMÍLIA E DE ÓRFÃOS E SUCESSÕES DE SAMAMBAIA/DF (SUSCITADO). ação de divórcio litigioso, com definição de guarda de filhos menores, cumulada com pleito de medidas protetivas de urgência. Competência híbrida conferida pela Lei Maria da Penha ao Juizado de Violência Doméstica. condutas de violência doméstica narradas na inicial. PALAVRA DA VÍTIMA. CONFLITO CONHECIDO PARA DECLARAR A COMPETÊNCIA DO JUÍZO SUSCITANTE. 1. A Lei nº 13.894/2019 introduziu na Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) o artigo 14-A que permite à ofendida optar por ajuizar a ação de divórcio perante o Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, excluindo desta competência apenas o pleito referente à partilha de bens. 2. Competência híbrida conferida pela Lei Maria da Penha ao Juizado de Violência Doméstica, nos termos dos artigos 14 e 14-A, permite ao magistrado da Vara Especializada analisar as questões criminais e cíveis decorrentes da situação de violência doméstica e familiar contra a mulher e garante maior proteção à mulher ofendida. Precedentes. 3. Na espécie, verifica-se dos autos que a ação de divórcio litigioso cumulada com guarda de filhos e pedido de medidas protetivas de urgência teve como fundamento a prática de violência doméstica contra a mulher praticada pelo requerido. 4. Conflito Negativo de Jurisdição conhecido para declarar competente o Juízo Suscitante, do Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher de Samambaia/DF, para processar e julgar a ação de divórcio litigioso, com definição de guarda de filhos menores, cumulada com pleito de medidas protetivas de urgência.
(Acórdão 1250533, 07074732920208070000, Relator: ROBERVAL CASEMIRO BELINATI, Câmara Criminal, data de julgamento: 20/5/2020, publicado no PJe: 31/5/2020. Pág.: Sem Página Cadastrada.) 

Lembrando que a fundamentação inicial precisa ser uma situação de violência doméstica. Caso contrário deverá ser analisado por um juiz da vara de família.

E o terceiro pedido que pode ser formulado – de cunho cível – no Juizado de Violência Doméstica, tendo como pano de fundo a Lei Maria da Penha, é a questão dos alimentos. Assim, pode ser requerido ao juízo a fixação dos alimentos provisórios que será deferido e deve ser pago até a sua regulamentação definitiva, vejamos:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. MEDIDA PROTETIVA. ALIMENTOS PROVISÓRIOS. DEVEM VIGORAR ATÉ A SUA REGULAMENTAÇÃO DEFINITIVA. EXIGIBILIDADE IMEDIATA. INDEPENDENTE DE RATIFICAÇÃO DE OUTRO JUÍZO. APLICAÇÃO DA LEI N. 11.340/2006 (LEI MARIA DA PENHA). PEDIDO DE CONCESSÃO DE TUTELA DE URGÊNCIA. REQUISITOS. AUSENTES. 1.Hipótese em que o juiz na origem, analisando o caso à luz da Lei n. 11.340/2006, conhecida como “Lei Maria da Penha”, estipulou alimentos provisórios ou provisionais à agravada. 2.O dever de pagar tais alimentos  nasce no momento em que são determinados judicialmente. Ou seja, com a sua fixação initio litis, os alimentos tornam-se exigíveis desde a data da decisão respectiva.  3. Não se pode olvidar que, em que pesem as razões ou justificativas do agravante visando se eximir do cumprimento do pagamento dos alimentos, ” a alimentanda não pode ter direito fundamental seu obstado pelo agravante, sendo-lhe franqueado pleitear o cumprimento da decisão.” 4. Pelo quadro fático apresentado, não se vislumbrou a probabilidade do direito, nem mesmo o perigo de dano. Aliás, este existe, mas é para a parte contrária, que é a credora dos alimentos. 5. Agravo conhecido. NEGADO PROVIMENTO.  
(Acórdão 1335339, 07502190920208070000, Relator: GILBERTO PEREIRA DE OLIVEIRA, 3ª Turma Cível, data de julgamento: 20/4/2021, publicado no PJe: 24/5/2021. Pág.: Sem Página Cadastrada.)

Com isso temos a possibilidade de resolver os três pontos – divórcio, guarda e regulamentação de convivência e alimentos – por meio de ação tramitando no Juizado de Violência Doméstica, no âmbito do Tribunal de Justiça do Distrito Federal.

Porém, escolher qual será o caminho adequado – via juizado ou justiça comum vai depender de uma análise do caso concreto, pois se não existir a violência doméstica ou familiar não existe a possibilidade de tramitar pelo rito da Lei Maria da Penha. Portanto, cada caso deverá ser analisado de forma individualizado.

 

 

 

 

renata vilas boas
*Renata Malta Vilas-Bôas é Articulista do Estado de Direito, advogada devidamente inscrita na OAB/DF no. 11.695. Sócia-fundadora do escritório de advocacia Vilas-Bôas & Spencer Bruno Advocacia e Assessoria Jurídica, Professora universitária. Professora na ESA OAB/DF; Mestre em Direito pela UPFE, Conselheira Consultiva da ALACH – Academia Latino-Americana de Ciências Humanas; Acadêmica Imortal da ALACH – Academia Latino-Americana de Ciências Humanas; Integrante da Rete Internazionale di Eccelenza Legale. Secretária-Geral da Rede Internacional de Excelência Jurídica – Seção Rio de Janeiro – RJ; Colaboradora da Rádio Justiça; Ex-presidente da Comissão de Direito das Famílias da Associação Brasileira de Advogados – ABA; Presidente da Comissão Acadêmica do IBDFAM/DF – Instituto Brasileiro de Direito das Familias – seção Distrito Federal; Autora de diversas obras jurídicas.

 

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