Democracia na mira

wilson-levy-doutorando-em-direito-urbanistico-pela-puc-sp-graduate-student-fellow-do-lincoln-institute-of-land-policy-e-professor-universitario-1425037904112_956x500Um debate público de qualidade não prescinde de bons diagnósticos situacionais, e este é um dos pontos centrais para medir a qualidade das democracias.

Da mesma forma, nenhuma dúvida há (ou deveria haver) sobre o papel da democracia no processo de amadurecimento das sociedades, sobretudo quando ela transcende a mera representação parlamentar, fincando raízes numa esfera pública forte e participativa.

É o que defende o filósofo alemão Jürgen Habermas, responsável por uma concepção deliberativa de política democrática (descrita, entre outros, em Direito e Democracia, ou Faktizität und Geltung, no original em alemão, de 1992). Para Habermas, o processo legislativo se legitima através da institucionalização das opiniões produzidas na esfera pública. Esta, por sua vez, funciona como estrutura comunicativa na mediação entre o Estado e a sociedade. Segundo o autor, a opinião pública deve ser formada em processos discursivos livres que não se limitem a identificar problemas comuns, mas também tematizá-los e problematizá-los de modo convincente e eficaz.

O arranjo tem significativo conteúdo pedagógico. O exercício contínuo do debate público pode ampliar as capacidades de cognição e acelerar a evolução da sociedade frente aos desafios de seu tempo.

Não é difícil intuir que a importação desse modelo para a realidade brasileira é bastante complicado. Como levar a cabo a agenda de debates públicos se há desníveis gigantescos de formação das pessoas? Como fazê-lo se a sociedade civil desconhece seu repertório mínimo de elementos constitutivos?

O primeiro ponto mereceria um texto à parte. Graças às particularidades da formação histórica e social do país e à frágil formação educacional do povo brasileiro, questões importantes têm sido debatidas com pitadas de misticismo, preconceito e ignorância, mesmo entre gente presumidamente bem instruída.

O segundo é menos polêmico, mas não menos ignorado pela sociedade. A formação da opinião sobre um horizonte amplo de temas não pode desprezar uma compreensão mínima sobre o que se está discutindo, e por quê.

Exemplos não faltam, em todas as frentes. O jornal Folha de S. Paulo publicou, em 07.6.2015, texto intitulado “Brasil revê maioridade penal sem ter mapa da criminalidade juvenil” (http://migre.me/qbd3G). A matéria aponta a inexistência ou imprecisão dos dados relacionados à delinquência juvenil na discussão sobre as mudanças legislativas que tramitam no parlamento. Eis uma das pautas que mais animam tomadas de posição radicais. A conclusão óbvia é que as pessoas orientam-se mais pela sensação de insegurança do que por uma compreensão mínima do quadro situacional dos crimes praticados por menores. O que, diante dos contingentes aqui enunciados é até esperado. O problema surge quando comportamentos assim são institucionalizados pelo parlamento.

Eis a chave do populismo penal irresponsável tão próprio da tradição legislativa brasileira. Outro exemplo: no início dos anos 90, a morte da filha da dramaturga Glória Perez, Daniela Perez, provocou enorme clamor social e culminou na edição da Lei de Crimes Hediondos (Lei n. 8.072/90). Passados 25 anos é possível dizer que a lei surtiu o efeito projetado? Mesmo sem responder a questão, persistem as iniciativas que querem mais repressão penal.

Em idêntico sentido está a reforma política. Aos protestos que expressavam a indignação contra a corrupção não se seguiu um processo amplo de discussão pública sobre o conteúdo de uma reforma política consistente. Por que optar pelo voto distrital? Qual a discussão por trás do financiamento de campanha? É como se o nível de percepção do brasileiro médio permanecesse na superficialidade que não quer se comprometer com o esforço para a mudança, e evitasse a plenitude da esfera pública proposta por Habermas.

Não é incomum, por fim, encontrar formadores de opinião dispostos a subverter a fórmula que a vincula a processos discursivos livres, com foco na desinformação. Numa sociedade debilitada, esse processo é rapidamente incorporado e amplificado na forma de um debate esquizofrênico em que as conclusões decorrem de falsos pontos de partida. E a própria sociedade puxa o gatilho da arma que tem a democracia na mira.

Autor: Wilson Levy Braga da Silva Neto – Doutorando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Mestre em Direito pela Universidade de São Paulo. Graduate Student Fellow do Lincoln Institute of Land Policy. Professor assistente na PUC-SP e colaborador do programa de pós-graduação em Direito da UNINOVE.

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