Artigo veiculado na 27ª edição do Jornal Estado de Direito, ano IV, 2010
Holger Klitzing*
Após a capitulação incondicional do Império Alemão, em maio de 1945, as quatro potências vencedoras assumiram a administração dos assuntos internos e externos da Alemanha. Os territórios localizados a leste dos rios Oder e Neisse permaneceram, até a conclusão de um tratado de paz, sob a alçada das administrações soviética ou polonesa. O resto da Alemanha foi dividido em zonas de ocupação soviética, americana, britânica e, no final, ainda francesa. Isso aconteceu também com a antiga capital Berlim, localizada na zona soviética.
No contexto da guerra fria, porém, os Aliados transformaram-se em adversários. Dessa circunstância resultou que a União Soviética, de um lado, e as três potências ocidentais, do outro, constituíram, em 1949, entidades estatais sob a sua autonomia. A Lei Fundamental da República Federal da Alemanha exortava os alemães a “concluir em livre autodeterminação a unidade e a liberdade” do seu país. Eleito de maneira livre, o governo democrático de Bonn fez questão de se apresentar como o único representante legítimo do povo alemão. Nesse sentido, sua diplomacia tentou isolar o regime comunista em Berlim Oriental, ameaçando cortar relações diplomáticas com qualquer país que entrasse em tais relações com a República Democrática Alemã (RDA) (salvo a União Soviética). Em 1955, os Estados alemães foram enquadrados em alianças militares opositoras: a Alemanha Ocidental era membro da OTAN, a Alemanha Oriental pertencia ao Pacto de Varsóvia.
A construção do muro de Berlim em 1961 provou que a situação na Europa Central se consolidava. Isso obrigou Bonn a aceitar a divisão da Alemanha como fato consumado. Mediante tratados firmados com Moscou e Varsóvia, o Governo Federal confirmou em 1970 a inviolabilidade da fronteira entre a RDA e a Polônia, a assim chamada Linha Oder-Neisse. Em 1972, pelo Tratado de Base das relações entre a República Federal da Alemanha e a República Democrática Alemã, ambos os Estados alemães reconheciam-se mutuamente como Estados. Bonn firmou posição no sentido de que isso acontecesse em um nível legal abaixo do Direito Internacional. Com isso, a RDA não se tornou um país estrangeiro. Por sua vez, Bonn não abandonou o alvo da reunificação em liberdade. O objetivo declarado dessa política de aproximação dos Estados vizinhos visava a provocar uma mudança eventual da situação dada.
Os movimentos de libertação na Tchecoslováquia e na Polônia, a política de Gorbachev e a abertura das fronteiras na Hungria finalmente impulsionaram a Revolução Pacífica em 1989, uma das maiores conquistas da história alemã. O muro caiu em 9 de novembro. Em seguida, a pressão sobre os atores políticos no país e no estrangeiro mudou de forma tão radical que a unificação agora parecia apenas uma questão de tempo. Em 13 de fevereiro de 1990, os Ministros das Relações Exteriores da República Federal da Alemanha, da RDA, França, Grã-Bretanha, União Soviética e dos Estados Unidos declaram sua vontade de falar sobre “os aspectos externos da realização da unidade alemã”. Isso aconteceria no formato “Dois (estados alemães) mais Quatro (potências vitoriosas)” – e não vice-versa, significando que desde o início a rodada reflete as ideias alemãs.
Então, não se tratava de negociar um tratado de paz. Nesse caso, por via das dúvidas, deveriam ter participado todos os quarenta Estados que, no momento da capitulação incondicional da Alemanha em 1945, se encontravam em estado de guerra com a mesma. Um entendimento como o que estava aflorando entre os seis países provavelmente só teria sido possível num futuro longínquo. Mas ainda as frentes estão endurecidas: ao contrário de Moscou, os poderes ocidentais queriam ver a Alemanha unificada como membro da OTAN. Porém, empenhando-se em prol de uma superação das dificuldades políticas e econômicas da União Soviética, os alemães venceram esse impasse.
Também coube aos EUA um papel-chave. Ao longo de décadas, Washington havia garantido a segurança da Alemanha Ocidental. Simultaneamente a firme inserção da República de Bonn na OTAN oferecia a seus vizinhos a garantia de que a Alemanha nunca viria a ser um perigo. Esse estado de coisas também deveria ser mantido depois da unificação da Alemanha. Ao mesmo tempo, Bonn não deixou dúvidas: também a Alemanha unificada teria um lugar fixo na Comunidade Europeia.
Em 12 de agosto de 1990, os seis países assinaram o “Tratado sobre a Regulamentação Definitiva referente à Alemanha”. Assim a regulamentação externa acompanhou a interna: em 18 de maio foi assinado, entre os dois Estados alemães, um primeiro tratado sobre a união monetária, econômica e social; em 31 de agosto, o segundo sobre a concretização da unidade da Alemanha (Tratado de Unificação). O assim chamado Tratado “Dois mais Quatro”, assumindo as funções de um tratado de paz, abrange “os territórios da República Federal da Alemanha, da República Democrática Alemã e de Berlim como um todo”. Com o Tratado as quatro potências “põem termo … aos seus direitos e deveres em relação a Berlim e à Alemanha como um todo”. Outro elemento-chave da nova ordem de paz na Europa foi o processo CSCE. Os 34 Chefes de Estado e de Governo finalmente saudaram, na sua Carta de Paris de 21 de novembro de 1990, “com sinceridade”, o fato de que, em concordância com os princípios da ata final da CSCE “e de pleno acordo com os seus vizinhos”, o povo alemão “tenha se unificado em um Estado”. Em 15 de março de 1991, o documento de ratificação soviética do Tratado “Dois mais Quatro” foi depositado em Bonn, sendo, assim, celebrada definitivamente a unidade da Alemanha nos termos do Direito Internacional.
Pela primeira vez desde 1945, existia novamente um Estado alemão totalmente soberano interna e externamente. Mas ele cumpre uma tradição respeitada durante mais de quatro décadas, por exemplo, a adesão ao princípio da inviolabilidade das fronteiras. Consciente da responsabilidade ancorada na história do país, a política exterior alemã continua também a ser a força motriz do aprofundamento e alargamento da integração europeia.
* Adido de Cultura e Imprensa da Embaixada da Alemanha em Brasilia. Estudou história, ciência política e economia em Heidelberg (Alemanha) e Chapel Hill (EUA). Doutor em história pela Universidade de Heidelberg.