Coluna Descortinando o Direito Empresarial, por Leonardo Gomes de Aquino, articulista do Jornal Estado de Direito
199 – SEMANA – CONTRATOS BILATERAIS NA FALÊNCIA
Autor: Leonardo Gomes de Aquino[1]
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Conceito:
Nos contratos bilaterais ou sinalagmaticos as duas partes ocupam, simultaneamente, a dupla posição de credor e devedor. Cada qual tem direitos e obrigações. À obrigação de uma corresponde o direito da outra.
Aplica-se na relação contratual o princípio exceção do contrato não cumprido (exceptio non adimpleti contractus), ou seja, quando em um contrato as duas partes possuem obrigações complementares, caso a primeira descumpra sua parte, a segunda pode negar-se ao cumprimento da dela, até que a primeira dê cabo ao que lhe compete.
Natureza jurídica:
O contrato sinalagmático (bilateral perfeito ou prestações correlatas) é aquele que cria obrigações para ambas as partes. As obrigações são reciprocas e interdependentes, como contrato de compra e venda, por isso denomina-se esse contrato de sinalagmático ou de prestações correlatas. Cada um dos contratantes é credor e reciprocamente devedor do outro. Por isso, “nos contratos bilaterais as duas partes aceitam, simultaneamente, a dupla posição credor e devedor. Cada qual tem direitos e obrigações. À obrigação de um corresponde o direito da outra”. Nos contratos bilaterais (sinalagmáticos) nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação pode exigir o implemento do outro (art. 476 do CC).
Vamos ao Exemplo
O devedor agora falido adquiriu um bem a prazo, vinte dias antes da quebra, situação na qual o credor poderá requer a restituição do bem, mas como o bem tem um valor significativo no agregado (um equipamento necessário para complementar o uso de outros, acarretando um valor agregado maior que o individual). Nesse casso, é conveniente a continuidade do contrato, como respectivo pagamento do preço pela massa falida.
Art. 117. Os contratos bilaterais não se resolvem pela falência e podem ser cumpridos pelo administrador judicial se o cumprimento reduzir ou evitar o aumento do passivo da massa falida ou for necessário à manutenção e preservação de seus ativos, mediante autorização do Comitê. § 1º O contratante pode interpelar o administrador judicial, no prazo de até 90 (noventa) dias, contado da assinatura do termo de sua nomeação, para que, dentro de 10 (dez) dias, declare se cumpre ou não o contrato. § 2º A declaração negativa ou o silêncio do administrador judicial confere ao contraente o direito à indenização, cujo valor, apurado em processo ordinário, constituirá crédito quirografário.
Os aspectos que o AJ deve observar para adimplir o contrato:
(i) reduzir ou evitar o aumento do passivo da massa falida ou necessidade de manutenção e preservação de seus ativos.
(ii) autorização do comitê de credores, se houver e na sua falta pelo juiz.
O Adimplemento do contrato pelo AJ
A decisão é exclusiva do AJ e caso opte pelo adimplemento do contrato, de forma motivada, deverá seguir as regras do próprio contrato e depende de autorização do comitê de credores
O Inadimplemento ou silêncio do AJ
A decisão é exclusiva do AJ e caso opte pelo inadimplemento do contrato deverá indenizar.
O Papel do Comitê de Credores
O comitê de credores, se houver, deverá manifestar acerca da solicitação do AJ se cumpre ou não contrato. Em caso do Comitê de credores ainda não estiver instalado caberá ao magistrado autorizar (art. 28 da LREF).
Ouve recusa do comitê e expedir a autorização para o adimplemento do contrato
O primeiro entendimento é de que o AJ deverá pleitear um pedido incidental de tutela de urgência (cautelar) ou um alvará se suprimento de consentimento, na forma do art. 719 do CPC.
O segundo entendimento é de que a decisão não pode modificada por meio de pedido judicial por qualquer interessado.
Posição do autor: Diante do preceito constitucional de que o poder judiciário não pode se excluir de apreciar qualquer lesão ou ameaça de lesão a direito.
Cláusula expressa resolutiva
A questão é de saber a se a existência de uma clausula resolutiva expressa deverá prevalecer mesmo em caso de falência de uma empresa. Assim, diante da omissão legislativa, indaga-se se a cláusula resolutiva expressa se aplica em caso de falência ou prevalece a regra de decisão pelo AJ.
A favor da prevalência da cláusula resolutiva (Cláusula válida e eficaz): A doutrina que compreende que deve prevalecer a regra contratual que tem a sua sustentação no princípio da autonomia privada, sendo que uma vez decretada a falência o contrato estaria resolvido (STJ. REsp 846.462/SP).
A favor da manifestação do AJ se cumpre o contrato ou não cumpre, na forma do art. 117 da LREF (Cláusula válida e ineficaz): No entanto outra parte da doutrina compreende deve prevalecer a regra geral dos contratos prevista na LFRE, tendo em vista a natureza de norma cogente da LFRE (TJSP. AP Civ com Revisão 9253619-24.2008.8.26.0000), cabendo ao AJ resolver ou adimplir o contrato.
Posição do Autor em relação a cláusula resolutiva expressa: Compreendemos que se a regra foi pactuada previamente entre os contratantes há presunção de uma boa-fé, e por força dos princípios da autonomia privada, consensualismo, obrigatoriedade e boa-fé dos contraentes a regra previamente estipulada deverá prevalecer, gerando a extinção do contrato, salvo se o bem for essencial a atividade e o juiz autorizou a continuidade provisória da atividade empresarial com o AJ.
Resolução do contrato por insolvência de uma das partes:
A recusa prevista no art. 477 do CC se aplica no caso da falência Se, depois de concluído o contrato, sobrevier a uma das partes contratantes diminuição em seu patrimônio capaz de comprometer ou tornar duvidosa a prestação pela qual se obrigou, pode a outra recusar-se à prestação que lhe incumbe, até que aquela satisfaça a que lhe compete ou dê garantia bastante de satisfazê-la.
Se, por exemplo, o AJ optar por adimplir o contrato em que o outro contratante in bônus ainda não tenha sequer tenha iniciado sua prestação, poderá este exigir que a massa falida cumpra antes sua obrigação ou lhe preste uma garantia, observando que o direito do contrato será considerado como extraconcursal.
Prazo para interpelação e resposta do administrador judicial:
Por interpelação devemos compreender como negócio jurídico que pode ocorrer judicial ou extrajudicialmente pelo qual o credor (interpelante) peça explicações ao devedor (interpelado), no caso da falência ao AJ, se irá adimplir ou não o contrato.
O prazo decadencial para o credor interpelar o AJ acerca do adimplemento do contrato é de 90 (noventa) dias corridos, contados da nomeação do AJ no processo, sendo que se o credor não exercer o direito dentro do prazo, não poderá fazê-lo mais.
Se não for realizada a interpelação ou se foi realizada fora do prazo:
Mas, se o AJ opta pelo adimplemento do contrato não teremos qualquer problema, a princípio com o contrato.
Não faz sentido que ele busque ressarcimento pelos prejuízos causados pela sua demora em interpelar o administrador judicial, podendo fazê-lo, contudo, com relação a outros danos decorrentes do não cumprimento, mas sem conexão com o seu retardo em questionar o administrador sobre o cumprimento dos termos outrora avençados.
Se não for realizada a interpelação ou se foi realizada fora do prazo e o AJ não adimplir o contrato
Deverá ser aplicada a cláusula penal compensatória se existente no contrato.
Se não existir a cláusula penal compensatória, poderá existir a indenização, que será apurada no caso concreto, tendo em vista que o inadimplemento das obrigações acarreta o direto de perdas e danos.
Recebida a interpelação o AJ tem o prazo decadencial de 10 (dez) dias corridos para responder se irá cumprir ou não o contrato, ou ainda, ficar em silêncio. Eventualmente o AJ pode solicitar a dilatação do prazo de resposta, diante da necessidade de autorização para adimplir o contrato ou não.
Se optar pelo adimplemento do contrato não teremos maiores problemas.
Se optar pelo não adimplemento de forma expressa ou pelo silêncio, deverá a massa falida indenizar o outro contratante.
Se existir cláusula penal compensatória a mesma deverá ser aplicada
Se não existir a cláusula penal deverá ser apurada o valor da indenização (perdas e danos) pelo juiz.
Cláusula Penal: É possível cobrar da massa falida o montante fixado em cláusula penal prevista para o caso de inadimplemento do contrato, considerando, principalmente, a funcionalidade da multa convencional (STF. RE 54.141).
A multa contratual (moratória ou clausula penal) não é suscetível de habilitação como credito em processo falimentar, quando o vencimento da obrigação em que avençada a multa deu-se por força da decretação da quebra (STJ. REsp 9.823/SP) e (STJ. REsp 86.586/MS). Assim, multa contratual integra o crédito habilitado, quando a obrigação vencer antes de decretada a falência (STJ. REsp 94.629/MS).
A Cláusula de Arbitragem: A decretação da falência não autoriza o AJ a recusar a eficácia da convenção de arbitragem, não impedindo ou suspendendo a instauração de procedimento arbitral (Art. 6, § 9º da LREF).
Mora: O descumprimento do contrato não é presumível antes da interpelação do administrador judicial, podendo sê-la diante da declaração negativa (equivalente ao silêncio do administrador), ou seja, a o inadimplemento já existir e o devedor já estiver em mora, a interpelação se torna dispensável, cabendo ao AJ pugnar a mora caso decida adimplir o contrato (STJ, REsp 172.367/PR).
Indenização: A indenização será apurada em processo autônomo (processo de conhecimento) perante o juiz da falência (STF. RE 31.560), mesmo em caso da existência da cláusula penal compensatória, para se evitar eventual conluio na sua fixação.
O valor da indenização por inadimplemento contratual deverá ser analisando no caso concreto. A divergência doutrinaria. A primeira corrente compreende que o valor da indenização deverá abranger apenas os danos emergentes efetivamente experimentados, e não os lucros cessantes, por que a rescisão pelo qual o AJ optou decorre de previsão legal e, em regra, não houve qualquer dolo (intenção), culpa ou mora de não adimplir o contrato. A segunda corrente compreende que a indenização deve ser bastante para repor ao contratante o que efetivamente perdeu (dano emergente) e o que razoavelmente deixou de ganhar (lucro cessante). Posição do autor: Compreendo que em regra o valor da indenização deverá corresponder apenas os danos emergente.
As Aeronaves: LREF Art. 199§ 3º Na hipótese de falência das sociedades de que trata o caput deste artigo, prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa relativos a contratos de locação, de arrendamento mercantil ou de qualquer outra modalidade de arrendamento de aeronaves ou de suas partes.
A Classificação do crédito: Pelos valores em caso de adimplemento: Extraconcursal, tendo em vista que o fato gerador do crédito é inadimplemento posterior a decretação da falência. Pelo valor da indenização: Concursal – Quirografário. Se for clausula penal: Concursal – Quirografário.
[1] Advogado. Mestre em Direito. Pós-Graduado em Direito Empresarial. Pós-graduado em Ciências Jurídico Empresariais. Pós-graduado em Ciências Jurídico Processuais. Especialização em Docência do Ensino Superior. Autor na área jurídica, colunista e articulistas em diversas revistas nacionais e internacionais. Autor dos Livros: (1) Curso de Direito Empresarial: Teoria geral e direito societário; (2) Legislação aplicável à Engenharia; (3) Propriedade Industrial; (4) Teoria geral dos contratos. Conferencista. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Empresarial. Colaborador na Rádio Justiça. Professor do Uniceub, do Unieuro, da Escola Superior de Advocacia ESA/DF.
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[2] Enunciado nº 81 da II Jornada de Direito Comercial promovida pelo Cosnelho da Justiça Federal.
[3] TELLECHEA, Rodrigo. SPINELLI, Luís Felipe. SCALZILLI, João Pedro. Recuperação de empresas e falência. Teoria e prática na Lei 11.101/2005. São Paulo: Almedina, 2016, p. 182-184.
[4] Na observação de Rodrigo Tellechea e outros os processos de falência e de recuperação geram a convergência de interesses em virtude do receio dos credores não receberem os créditos em virtude da insuficiência patrimonial presumida do devedor. Trata-se de situação excepcional que está inserida em uma “dupla sujeição, que se caracteriza pelo fato de que (i) a satisfação de seus créditos está submetida aos ditames da LFRE e (ii) subordinada ao princípio majoritário. (TELLECHEA, Rodrigo. SPINELLI, Luís Felipe. SCALZILLI, João Pedro. Recuperação de empresas e falência. Teoria e prática na Lei 11.101/2005. São Paulo: Almedina, 2016, p. 183-184).