Políticas para desastres…políticos

Coluna Democracia e Política

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Fonte: Pixabay

Ingrediente básico

Estamos acostumados a lidar com desastres naturais. Nas imagens de destruição provocado pelas inundações da cidade de Sendai, no Japão e de São Lourenço do Sul, no interior gaúcho, o que mais chamava a atenção é o medo no olhar dos habitantes das cidades que enfrentam catástrofes climáticas. Em diferentes níveis e causas, o medo segue sendo ingrediente básico da vida nas cidades, criando uma nova atribuição para o Estado, que passa doravante a se preocupar em  administrar o medo público. Para Paul Virilio, esse cenário corresponde a transformação de nossas cidades  em cidades-pânico  “a catástrofe maior do século XX tem sido a cidade, a metrópole contemporânea dos desastres do progresso”.

No Japão, as notícias da imprensa dão conta de que desde 2009 já era esperado um grande terremoto no país. Lá, há muito tempo, casas e edifícios já são construídos para suportar terremotos, kits são distribuídos para a população e treinamentos são feitos pelo Estado para este momento de crise, constituindo-se no exemplo de políticas concebidas para administrar o medo. No Brasil, as políticas públicas ainda não se deram conta do óbvio: as tragédias naturais se repetem e muitas vezes, nos mesmos lugares.  Nesse novo cenário urbano marcado pelo medo, o que está em crise é a velha noção de direito à cidade.

Insegurança

Precisamos aprender a lidar com o medo que emerge no mundo urbano. Ele não é como no passado, produto de guerras, fomes e epidemias. Hoje o medo transformou-se em um modo de ocupação física e mental. O nascimento de uma administração do medo significa que o Estado é responsável por reduzir o que produz medo nos indivíduos. Ou o contrário. As visitas de autoridades do Estado e do Governo Federal às áreas de desastre do interior gaúcho em épocas de desastres naturais, trazem alento, mas por si só não bastam, já que nem sempre os recursos prometidos chegam ao seu destino. É preciso políticas públicas de longa duração contra desastres, é preciso estar atento a liberação imediata de recursos, etc. O Governo Federal anunciou há alguns anos a implantação de um Programa Nacional de Prevenção à Desastres a partir dos acontecimentos trágicos do Rio de Janeiro, mas até agora, pouca coisa foi feita. É disto que se trata: se o Estado não é capaz de controlar o que se passa em seu próprio território, é o Estado de Direito que se encontra ameaçado.

O Japão é o pais mais preparado para catástrofes e se surpreendeu com a gravidade da situação. O que resta para quem não se prepara? Tragédias não tem limites, resta  apenas estar preparado para reduzir os danos. Catástrofes são inevitáveis e teremos sempre vitimas, mas a questão é que podem morrer menos. Por isso vale o esforço. Foi o caso do Japão, mesmo com toda a tragédia conseguiu recuperar-se: ações que emergem do calor do momento para atender  uma emoção coletiva e sincronizada não são capazes de produzir boa política pública, pois são decisões que escapam do campo da democracia representativa – são do campo da democracia de emoção pública. Eis aí um perigo. Contra as catástrofes inevitáveis, o único remédio do Estado é a guerra preventiva. As políticas públicas precisam ser pensadas no longo prazo  e nunca após os acontecimentos, motivadas pela emoção pública.

Desastres políticos

Da mesma forma, não estamos acostumados a lidar com desastres políticos. Nas imagens de destruição do patrimônio público constituído pela venda, extinção de instituições e demissão de servidores de inúmeras fundações pelo governo José Ivo Sartori, o que mais chama a atenção é a falta de solidariedade da maioria da população: observaram que estavam acampados na Praça da Matriz apenas os diretamente envolvidos? Ainda que as medidas afetassem a maioria da população pela privação de serviços, a população não foi em massa protestar em praça pública contra as medidas do governador. Porquê? O que mais chama a atenção é a indiferença prática, o medo de ir a praça e ser vitima da Brigada Militar – o governo não fez questão de divulgar que ele próprio “mandou bater nos manifestantes”?.Como nas catástrofes climáticas, o medo segue sendo ingrediente básico para a recusa à solidariedade,  criando espaços para reformas de Estado autoritárias e cruéis. Quando há manifestações, basta gerar o medo público com repressão, inclusive usando helicópteros:  Porto Alegre, nesse sentido, viveu seus momentos de cidade pânico na perseguição dos servidores na Praça da Matriz.

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Foto: EBC

Em Porto Alegre, medidas de reforma administrativa foram apresentadas pelo governo Nelson Marchezan ainda no governo José Fortunatti, que encaminhou, a seu pedido, projeto à Câmara Municipal para redução de órgãos públicos.  Porto Alegre tende a seguir o rumo já delineado pelo governo federal e governo de estado, com redução de direitos dos servidores, extinção de secretarias, sem consulta alguma aos servidores envolvidos. A catástrofe estadual está em andamento e a municipal, não tarda a chegar: os servidores  e a administração pública sentem medo. Ele é dado pela imagem da angústia dos  servidores diante das medidas adotadas para enfrentar a suposta “crise” do serviço público em diversas esferas de poder e cidades. No serviço público municipal não é diferente e a incerteza em contar com as contrapartidas do governo como o pagamento de salário, as condições de trabalho ou o próprio emprego produz medo no serviço público.

Tanto como precisamos de politicas públicas contra desastres ambientais, precisamos políticas publicas para desastres políticos. Pois esta é natureza dos governos neoliberais, a de desestruturarem o estado em nome do capital, catástrofe caracterizada por reduzirem o valor do trabalho do serviço público com o objetivo de ampliar a exploração de seu trabalho, catástrofe caracterizada pela venda a baixo preço de um patrimônio construído com o sacrifício de todos. Qual é a desculpa esfarrapada de tais governos para produzirem esta catástrofe: a de que estamos em crise. Nunca paramos para avaliar exatamente o seu significado. “Falar em crise hoje nem sempre ajuda, pois a palavra tem sido usada com tanta liberdade que dificilmente conseguimos saber do que é que estamos mesmo falando, diz Marco Aurélio Nogueira no verbete “Crise” do Dicionário de Politicas Públicas (Unesp, 2015).

Interesses de estado

O problema é que o programa de reformas de Sartori não veio para solucionar a crise, ele é a crise! O que caracteriza uma crise? “Uma crise sempre destrói e desorganiza: caracteriza-se precisamente por modificar o peso relativo das coisas, tirá-las do lugar ou do fluxo rotineiro, alterar seu sentido, dispô-la de outro modo”, continua Nogueira. Ora, é exatamente isso que o pacotaço de José Ivo Sartori faz, ele abala de forma profunda a estrutura do sistema, extinguindo tanto instituições inteiras quanto projetos e serviços com que se interpreta o mundo. A crise, que então era da sociedade, agora, às avessas, é promovida para o interior do estado sob a desculpa de solucionar os problemas econômicos? Econômicos? No mesmo dia em que o governo encaminhou o pacote fiscal, uma emenda assinada por Gabriel Souza (PMDB), líder do governo e aprovada pelo plenário, permitiu que  apenas uma categoria de servidores tivessem seus salários dobrados: o voto foi dado em uma negociação, para votar no pacotaço sim, o deputado exigiu benefícios porque tinha interesse pessoal. A negociata era evidente. Diz o jornalista Juliano Rodrigues: “ZH procurou o deputado Sérgio Peres (PRB) para ouvir as suas explicações, mas não o encontrou” (ZH, 26/12). Como uma emenda que chega em cima da hora em um contexto de justificativa de redução de recursos amplia-os ainda mais?. Para ZH “o valor que será desembolsado para pagar os 320 papiloscopistas promovidos à vésperas do Natal seria suficiente para manter ao ano a Fundação de Economia e Estatística (FEE) e os seus 180 funcionários, por exemplo, ou a Fundação Piratini (TVE e FM Cultura) e seus 247 empregos”.

Foto: Luiz Chaves/Palácio Piratini

Foto: Luiz Chaves/Palácio Piratini

A  justificativa do pacote para solucionar a crise é, portanto,  apenas uma desculpa para a opinião pública: nos bastidores, há uma seletividade do governo para atingir seus interesses. A crise estrutural no sistema público está sendo promovida também pelo governo, a ideia de que as instituições que Sartori pretende extinguir já estão de uma certa forma “mortas” para o sistema do estado, que não precisa delas para exercer suas funções é sua mitologia: quando o Estado diz que está em crise, não quer necessariamente dizer que ele tenha perdido o seu sentido, que ele tenha caminhado em direção ao desaparecimento,  mas sim que este é o discurso que acredita poder levar a população ao convencimento de que o que faz é o certo quando não é, é uma estratégia discursiva para ampliar o seu poder de convencimento frente a opinião pública.  Enquanto o governo justifica suas medidas porque vivenciaria uma crise, a única crise em questão é a da sua relação de subordinação do Estado frente ao capital, e as medidas adotadas,  opções de condutas de reajuste para sustentar o capital, já que o que faz, aparentemente não basta.

A crise sempre é o encontro do antigo com o novo, quando os antigos interesses chocam-se com os novos interesses e a imagem melhor, segundo Nogueira é a de transformação. Para Nogueira é  “movimento em que se radicalizam ou se explicitam as contradições e as características tipicas de um dado arranjo e estrutura”: o que é critico não é que as instituições do Estado extintas não estivessem cumprindo suas funções sociais, é que o estado em nenhum momento propõe as instituições atingidas a pergunta do que podem fazer para se transformar. Isto prova que simplesmente o projeto de extinção é o que  o estado  precisa fazer para se transformar…para atender melhor as necessidades do capital!.  O ponto critico, a única insatisfação critica que existe é do capital em relação ao Estado! Por isso é necessário, no contexto da extinção das fundações, que não seja dada voz aos atingidos. Por isto, é urgente que sejamos conservadores! defendamos reações de caráter conservador, pela preservação das instituições, do acervo reunido do passado e sejamos ofensivos, que valorizemos que o Estado aceite discutir formas de reorganizar as instituições de maneira inovadora.

A extinção pura e simples não é feita por um contexto de crise, mas como justificativa para a opinião publica “Crises destroem, mas também formulam chances para que se construa”, diz Nogueira. É o contrário do pacotaço de Sartori: as extinções que promove não oferecem chance de continuidade dos trabalhos, nenhuma instituição privada tem condições de assumir os serviços prestados simplesmente porque não tem a expertise necessária ou serão muito mais caras para substitui-las: um artigo das redes sociais avalia que para substituir os serviços da FZB, qualquer empresa terá de cobrar 7 vezes mais? Onde está a economia, cara pálida?

A crise sob a qual justifica-se o discurso do governador deixa vir a tona as misérias dos governantes e colabora para estabelecer níveis de desigualdade no serviço público porque permite a ascensão de lideranças nefastas para o regime democrático. É portanto o que há de menos virtuoso na politica “Há pois uma dimensão virtuosa nas crises. Elas não precisam decompor os organismo em que se instalam”, diz Nogueira, exatamente o contrário da opção de José Ivo Sartori, que extingue fundações ao invés de reforma-las “A crise política é o domínio do mercado sobre o Estado, o enfraquecimento das instituições e da cultura da “solidariedade”, afirma Nogueira. Exatamente como no governo Sartori.

 

downloadJorge Barcellos é Articulista do Estado de Direito, responsável pela coluna Democracia e Política – historiador, Mestre e Doutor em Educação pela UFRGS. É chefe da Ação Educativa do Memorial da Câmara Municipal de Porto Alegre e autor de “Educação e Poder Legislativo” (Aedos Editora, 2014). Escreve para Estado de Direito semanalmente.
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